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Capital

Médicos orientam pacientes a buscar Justiça para garantir atendimento na Capital

Casos ajuizados pela Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul já cresceram 24% na comparação com 2024

Por Cassia Modena | 18/06/2025 09:27
Médicos orientam pacientes a buscar Justiça para garantir atendimento na Capital
Pacientes acomodados em macas de hospital da Capital (Foto: Arquivo)

Em mais uma temporada de alta nas doenças respiratórias, a rede hospitalar de Campo Grande volta a entrar em colapso, sem conseguir dar conta da demanda já esperada para esta época do ano. Sem leitos, exames ou cirurgias disponíveis em tempo hábil, o caminho judicial virou quase protocolo.

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Superlotação em hospitais de Campo Grande leva médicos a orientar judicialização. A alta de doenças respiratórias agrava a já precária situação da rede hospitalar da capital sul-mato-grossense, levando médicos a sugerir que pacientes busquem a Justiça para garantir internações, cirurgias e procedimentos. A Defensoria Pública registrou aumento de 24% nas ações judiciais relacionadas à saúde no primeiro semestre de 2024, comparado ao mesmo período de 2023. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul busca reduzir a judicialização da saúde, enquanto pacientes recorrem à Justiça para custeio de tratamentos indisponíveis no SUS. O CRM-MS afirma não ter recebido denúncias sobre médicos incentivando a prática. A Sesau admite que a orientação médica ocorre, especialmente para órteses e próteses não cobertas pelo SUS. A Defensoria Pública filtra os pedidos de judicialização para evitar privilégios e sobrecarga no sistema. Sindicato dos Médicos atribui a orientação à judicialização ao desespero dos profissionais diante da falta de leitos e planejamento na saúde pública.

Pressionados por pacientes e familiares, os próprios médicos têm orientado a judicialização como única saída para garantir atendimento, seja por uma vaga de internação, realização de exames ou até cirurgias de urgência. A recomendação parece consequência de frustração dentro da classe médica, pela falta de planejamento do sistema público que transfere à Justiça o peso da saúde.

Questionada sobre a previsão da transferência para uma paciente de 62 anos fazer exames complexos, médica que terá a identidade preservada estimou uma semana e emendou: "já foi solicitada, mas você também pode pedir judicialmente. Se quiser, me procura amanhã à tarde que eu preencho uma ficha e entrego para você".

A paciente estava no setor verde, medicada e era acompanhada pela repórter que escreve. A Justiça não foi procurada, a vaga saiu em quatro dias e o atendimento ocorreu como previsto na Santa Casa da Capital.

Crescimento de 24% - Ações judiciais pedindo transferência imediata para hospital e outras demandas de saúde geram sobrecarga à Justiça de Mato Grosso do Sul. Só os casos ajuizados pela Defensoria Pública Estadual cresceram 24% na comparação do primeiro semestre do ano passado com o deste ano, segundo dados repassados nesta semana instituição.

O debate começou a ganhar força em 2023, quando o TJMS (Tribunal de Justiça do Estado) mobilizou o poder público e órgãos como a própria Defensoria para tentar reduzir os processos com matéria de saúde.

Médicos orientam pacientes a buscar Justiça para garantir atendimento na Capital
Números são do TJMS e referem-se apenas à saúde pública, excluindo demandas a planos de saúde (Arte: Thainara Fontoura)

Além disso, porque chamam atenção desde o ano passado processos que pedem o bloqueio de valores expressivos em verbas públicas para tratar pacientes que não conseguem ser atendidos no SUS (Sistema Único de Saúde), seja quando o tratamento necessário não está disponível pela rede pública ou quando vaga não é liberada a tempo da pessoa piorar e perder movimentos, por exemplo.

Sem denúncias - O CRM (Conselho Regional de Medicina) de Mato Grosso do Sul diz não ter recebido qualquer denúncia oficial sobre estímulo de médicos à judicialização. Vice-presidente da entidade, o médico psiquiatra Flávio Freitas Barbosa explica que, para avaliar se houve infração ética, é preciso ter um caso concreto em mãos e entender o quadro do paciente envolvido.

Ele reforça que o direito à saúde é constitucional, portanto, o paciente ou seu responsável têm a liberdade de recorrerem à Justiça e receber orientação.

Esclarece ainda que o que cabe ao médico é "informar tudo sobre as condições reais do paciente a um familiar ou acompanhante, todo aspecto saúde física, a parte psicológica e a parte assistencial também, porque o médico também tem um papel social".

Secretaria aponta situação - A própria Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) admite que o aconselhamento do médico ocorre, principalmente, na judicialização para conseguir procedimentos que o SUS não cobre, como órteses e próteses ortopédicas. Em casos assim é que o poder público pode ser obrigado pela Justiça a custear o tratamento na rede privada.

A Secretaria Municipal de Saúde tem observado um crescimento nas judicializações principalmente quando se trata de procedimentos cirúrgicos ortopédicos. Observa-se também que, em algumas situações, há orientação por parte do próprio profissional para que o paciente dê entrada no procedimento judicialmente, principalmente quando se trata de órteses e materiais que o SUS não cobre, mesmo havendo similar dentro daquilo que é ofertado pelo sistema", declarou a pasta em nota.

Filtro - Eni Maria Sezerino Diniz, defensora coordenadora do Núcleo de Atenção à Saúde, explica que a judicialização sempre depende, em parte, da colaboração dos médicos, pois eles devem informar o quadro do paciente em uma ficha produzida pela própria Defensoria. Mas explica que nem todos os pedidos avançam porque existe um filtro do que seguirá à Justiça ou não.

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A defensora pública Eni Maria Sezerino Diniz (Foto: Paulo Francis)

A Defensoria tem uma ponte com técnicos do sistema de regulação de urgência e emergência da Capital que avaliam caso a caso e, segundo Eni, "são bem diretos" ao recomendar que o Poder Judiciário interfira e pressione pelo atendimento solicitado ou não. Até para não "passar na frente" de alguém que está em situação de saúde ainda mais delicada, complementa a defensora.

Ainda assim, avaliar cada pedido de quem é orientado a ir até a Defensoria, caso comprove não ter condições de pagar um advogado, acaba gerando também uma sobrecarga no órgão.

Eni aponta que faltou a Prefeitura de Campo Grande agir de forma preventiva, sabendo que todos os anos, na transição do verão e outono até o inverno, faltam leitos e outros recursos para atender a população. Ela afirma que passado o período de sazonalidade das doenças respiratórias, a Defensoria vai reunir profissionais de saúde e servidores da Sesau para orientar sobre a judicialização na saúde e o atendimento às demandas da população nesta área, já pensando em 2026.

Médicos orientam pacientes a buscar Justiça para garantir atendimento na Capital
Movimento em UPA é grande desde a entrada; interior tem pacientes internados (Foto: Arquivo)

Terá um período de seis meses para que os gestores se organizem e compreendam a necessidade de um aporte de leitos, de uma estruturação da rede adequada para essa sazonalidade, que este ano já é perceptível que não houve adequação, não houve o preparo", finaliza a defensora.

Desespero e tentativa de ajudar - Presidente do Sinmed (Sindicato dos Médicos de Mato Grosso do Sul), o médico nefrologista Marcelo Silveira defende que se há influência dos profissionais na procura pela Justiça, é por "desespero", com a intenção de ajudar e de tirar dos ombros uma pressão que deveria ser dirigida aos representantes políticos.

"Talvez num momento de desespero, tentando ajudar informalmente, ele fale com o paciente: 'não está conseguindo, vai judicializar'. Porque ele não quer que aquele paciente fique ali, né? Ele quer que o paciente vá para escala correta do atendimento. E ficar em UPA e CRS (Centro Regional de Saúde) esperando vaga, como tem acontecido, não está certo", diz.

Médicos orientam pacientes a buscar Justiça para garantir atendimento na Capital
O presidente do Sindicato dos Médicos de MS, Marcelo Silveira (Foto: Cassia Modena)

Ele afirma que médicos acabam sendo a "a cara do SUS" no dia a dia, quem o paciente ou familiar vê primeiro na hora de pedir auxílio e preservar a vida. Critica também a gestão da Saúde Municipal por não conseguir resolver a falta de leitos e adotar a política de manter pessoas nas UPAs e CRSs, o que não é adequado segundo normas técnicas.

A relação do médico paciente é muito íntima. E o médico quer resolver o problema do paciente e não consegue. Então, é uma situação de desespero pela falta de planejamento do gestor. Porque o gestor, se tivesse bem preparado, isso não aconteceria", conclui.

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