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Capital

O inferno de Ísis e a dor de Margareth: duas mortes em um feminicídio

Mãe conta que hoje é uma morta viva, mas que enfrenta as dificuldades para pedir leis mais duras aos matadores de mulheres

Aline dos Santos | 28/05/2019 13:25
Margareth veste camiseta com foto de Ísis: voz para a filha que foi calada por feminicídio. O primeiro caso registrado em MS após mudança no Código Penal.  (Foto: Marina Pacheco)
Margareth veste camiseta com foto de Ísis: voz para a filha que foi calada por feminicídio. O primeiro caso registrado em MS após mudança no Código Penal. (Foto: Marina Pacheco)

O portão se fecha e Margareth, cabisbaixa, entra na casa onde recolhe seu pranto. Se as analogias felizes nos permite dizer que se é todo coração, a mulher das lágrimas é toda dor. Ela é mãe de Ísis, morta há quatro anos pelo ex-companheiro.

Numa conjunção de datas, Ísis Caroline da Silva Santos foi o primeiro caso de feminicídio registrado em Mato Grosso do Sul, a considerar que a alteração no Código Penal foi em março de 2015, e marca o Dia Estadual de Combate ao Feminicídio, lembrado a cada primeiro de junho. Mãe de duas meninas, Ísis Caroline também era a filha caçula de Margareth Oliveira da Silva, 55 anos.

Numa entrevista em que a toalha se fazia necessária a todo instante para aparar as lágrimas, em que o fôlego exigiu água para ser retomado, e que o corpo se retesava a cada relato dos horrores que a filha sofreu, a mãe conta que hoje é uma morta viva, mas que enfrenta as dificuldades para pedir leis mais duras aos matadores de mulheres e alertar as outras potenciais vítimas.

“Na primeira vez que um homem lhe agredir, vai embora. Falo para vocês, depois disso não tem mais sentido e nem sentimento”, afirma. O assassino de Ísis é o pedreiro Alex Armindo Anacleto de Souza, condenado a 26 anos de prisão.

Primeiro, Margareth se lembra dele como o homem calado que encontrava em frente ao portão de casa em meio a amigos da filha. Em poucos meses, o casal decidiu morar junto. O começo foi tranquilo, com casa montada e um bom padrasto para as meninas.

A titulo de ciúmes, Margareth conta que a filha passou a ter o ir e vir cerceado e o celular sob rígido controle do marido. “Ela só podia sair com ele”. Mas num dia, Ísis surge com hematoma no olho e a mãe pede que ela deixe Três Lagoas e venha a Campo Grande, onde ficaria a 338 km de distância de Alex. Numa outra ocasião, em Três Lagoas, a vítima aceita um convite que resulta numa noite de tortura, em que amarrada sofreu toda ordem de violência.

Sem conseguir falar com Ísis no celular, Margareth conta que se acalmou quando finalmente ouviu a voz da filha, na manhã do outro dia, afirmando que estava bem. Do outro lado da linha, a jovem já estava com a cabeça raspada. Nesse pormenor da violência, os cabelos cacheados foram cortados numa dita tentativa de despojá-la de beleza. 

Margareth hoje cuida da neta, filha de Ísis Caroline. (Foto: Marina Pacheco)
Margareth hoje cuida da neta, filha de Ísis Caroline. (Foto: Marina Pacheco)

“Eu nem gosto de falar, nem sei o que merece uma pessoa dessa. O que ele fez coma minha filha. Amordaçou, jogou álcool, fez barbaridades. Ele é um monstro”

Em primeiro de junho de 2015, quando foi vista com vida pela última vez, Ísis morava em Campo Grande e saiu de casa, até sem celular, para levar o lixo. Margareth estava em Três Lagoas, mas logo veio para a Capital e já desconfiava do pior. “Cheguei e fui direto para a Casa da Mulher”, conta.

O corpo da vitima só foi encontrado em 5 de junho daquele ano, em um córrego de Ribas do Rio Pardo, a 103 km de Campo Grande. Ela foi levada até lá e carro pelo ex-marido, preso horas depois. Com histórico de violência doméstica, ele tinha estado atrás das grades pela agressão e quando saiu foi atrás do paradeiro da ex-esposa, que estava em um novo relacionamento.

O julgamento de Alex foi em setembro de 2017, mas a condenação a mais de duas décadas não abranda o tormento de Margareth, que defende pena de morte para autores de feminicídio.

“Ele tirou uma vida e deixou outra morta aqui que sou eu. Deixou duas meninas órfãs enquanto está lá bebendo, comendo e dormindo à custa do governo. Isso não é justo”.

Na expectativa de passar por um procedimento cirúrgico, à espera do chamado do hospital quando surgir vaga de cirurgia eletiva, Margareth se mudou para Campo Grande e equilibra o dia a entre a saudade e o amor pelas netas.

“Eu tô morta por dentro. Mas sigo pelas minhas netas. Pensa num amor de vó multiplicado. E a vida é essa. O ódio que sinto, eu não desejo para ninguém”.

A defesa de Alex pediu revisão ao TJ/MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) e em janeiro deste ano o desembargador Emerson Cafure negou liminar para rever a condenação. O pedido era para afastar as qualificadoras, questiona o laudo de asfixia e aponta que não houve ocultação de cadáver, mas a vítima “rodou” na correnteza durante afogamento sofrido pelo réu.

Ísis Caroline foi morta em junho de 2015, aos 21 anos.
Ísis Caroline foi morta em junho de 2015, aos 21 anos.
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