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Capital

Plenária reúne ideias para política de enfrentamento ao tráfico de pessoas

Paula Maciulevicius | 13/09/2011 17:59

MS tem posição geográfica como fator fundamental na rota do tráfico de pessoas

Reunião discute propostas para 2º Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. (Foto: João Garrigó)
Reunião discute propostas para 2º Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. (Foto: João Garrigó)

Uma plenária livre reuniu hoje poder público e ONG’s. Em pauta, propostas para a elaboração do segundo Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.

As ideias saem de um dos estados que mais contribui para o tráfico, considerada a terceira maior atividade lucrativa do mundo, perdendo apenas para o tráfico de armas e drogas. As propostas serão encaminhadas para o Ministério da Justiça até o dia 29 de setembro.

Uma delas, de se discutir a Política Nacional é para sistematizar dados e assim trabalhar em cima de números.

A dificuldade é vista pelo coordenador do Cetrap (Comitê de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas) do Estado, Walace Faria Pacheco, por conta da falta de especificidade. “A exploração sexual ainda não é enfrentada como tal. Não se consegue identificar se é, as pessoas que fazem a primeira abordagem precisam ser conscientizadas”, afirma.

A base do tamanho do problema é tirada dos depoimentos das pessoas vítimas, a maior parte delas, vem de países vizinhos como Bolívia e Paraguai. O que deixa ainda mais em evidência que é a posição geográfica de Mato Grosso do Sul.

O tráfico de pessoas tem sempre um aliciador que é quem leva a vítima de um lugar a outro para a exploração comercial seja através do sexo, trabalho forçado ou extração de órgãos. Aqui no Estado, o coordenador do Cetrap explica que as rotas para o tráfico passaram a ser flexíveis com o avanço da fiscalização.

Um caso recente noticiado pelo Campo Grande News foi das 15 garotas de programa encontradas pela Polícia em julho deste ano, em uma boate em Dourados. Quatro delas vieram dos estados do Paraná, Goiás e São Paulo, outras dez do interior de Mato Grosso do Sul e uma do país vizinho, Paraguai.

“Tanto a origem como o destino o Estado aparece por conta da extensão da fronteira”, considera Walace Pacheco. As portas de entrada estão nas cidades fronteiriças como Corumbá e Amambai, complementa.

A dona da boate, Conceição Aparecida de Lima, conhecida como Cidinha, de 48 anos, foi presa sob acusação de tráfico interno de pessoas e favorecimento à prostituição, crimes com pena máxima de 8 e 5 anos, respectivamente.

O caso foi descoberto depois de uma denúncia de uma das jovens que afirmou ter sido aliciada para vir para o Estado. Segundo o relato da garota à polícia, a promessa era de “ganhar bem” no bar, uma vez que Dourados seria uma boa cidade para “fazer programa”. Como acontece na maioria dos casos, a vítima acabou contraindo uma dívida com a boate e, por isso, a dona não a liberava para ir embora.

Segundo Walace Pacheco, o tráfico de pessoas está concentrado nos grandes empreendimentos, como sucroalcooleiras e hidrelétricas. Onde a demanda é grande por mão-de-obra, o aliciador traz um grupo de vulnerabilidade que longe de casa, fica sem recurso e condições de voltar que acaba sujeito de um trabalho análogo ao escravo. A maioria deles vindos dos estados do norte e nordeste e também do Paraguai.

“É luta contra uma questão estruturada como é o crime organizado do tráfico”, ressalta Walace.

Também em julho deste ano, o Campo Grande News mostrou o caso de exploração de trabalhadores. Mesmo passado três anos da assinatura de acordo para resolver questões trabalhistas em carvoaria de Porto Murtinho, vistoria no fim de junho mostrou que os empregados continuavam em situação degradante, sem higiene e consumindo água contaminada.

O flagrante foi feito pelo Ministério Público do Trabalho que foi até o município acompanhado pelo Fórum de Saúde, Segurança e Higiene no Trabalho de Mato Grosso do Sul e encontrou alguns funcionários moram num forno, como se fosse alojamento, uma das piores situações encontradas durante a visita técnica.

Ao todo foram encontrados 17 trabalhadores há meses sem registro na carteira de trabalho, sem equipamentos de proteção individual, morando em alojamentos precários e a caixa d’água disponível no local estava vazia e suja, informa o MPT.

Em junho, ao cumprir decisão da Justiça do Trabalho de Amambai, o MPT (Ministério Público do Trabalho) e a Polícia Federal realizaram operação para remoção de 220 trabalhadores indígenas da Usina Santa Olinda localizada no distrito de Quebra Coco. Após verificação de que a empresa não estava acatando o que foi pactuado no acordo judicial para quitação de débitos salariais, fundiários e rescisórios.

Lívia está desaparecida desde junho de 2010. Polícia acredita que tenha sido sequestrada para exploração sexual. (Foto: Arquivo de Família)
Lívia está desaparecida desde junho de 2010. Polícia acredita que tenha sido sequestrada para exploração sexual. (Foto: Arquivo de Família)

Na discussão marcou presença também o Comcex (Comitê de Enfrentamento da Violência e da Defesa dos Direitos Sexuais de Crianças e Adolescentes de Mato Grosso do Sul). Em reuniões divididas em grupos, o sugerido foi intensificar as capacitações nas redes de atendimento das políticas públicas, disseminar e socializar o debate sobre o tráfico de pessoas nas regiões de fronteira, criar linhas de financiamento de pesquisas para o enfrentamento.

A coordenadora do Comcex, Tânia Comerlato ressalta as mudanças de relações onde há grandes obras.

“Quando se instala grandes empreendimentos modifica as relações sociais do local. As meninas vulneráveis acabam sendo envolvidas na exploração sexual, no tráfico de menores. É o sonho em busca do namorado e na verdade ela só está sendo explorada”, diz.

“O Estado virou um grande canteiro de obras e eventos e isso mexe com as relações locais, dando grandes possibilidades de tanto para a exploração do trabalho como sexual”, completa.

Os participantes também levantaram a questão de se incluir o estudo dos impactos sociais, assim como os ambientais, antes de levantar uma grande obra.

“Nós vamos discutir o tema em todos os espaços que pudermos, em escolas, com a comunidade”, acrescenta Tânia.

Um dos casos de exploração sexual que ficou marcado e ainda não foi resolvido é da menina Lívia Gonçalves Alves, 7 anos, desaparecida em Corumbá desde junho do ano passado. Indícios e depoimentos levaram a Polícia a acreditar que a garota tenha sido sequestrada para exploração sexual.

“Nós precisamos sistematizar e capacitar o primeiro a fazer a abordagem o que vem a ser tráfico de pessoas. O que falta é articulação, alterar e modernizar a legislação até que se consiga elaborar políticas públicas”, finaliza Walace.

Denúncias sobre tráfico de pessoas podem ser feitas através dos telefones 0800-647-1323 e o Disque 100, que além de exploração sexual, também acolhe outros módulos de violência.

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