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Interior

Um vazamento, um filho que não vai conhecer o pai e um herói morto

Paula Maciulevicius | 01/02/2012 14:15

A cidade parou. Bataguassu se comoveu com o acidente que deixou 4 mortos. Dois deles serão enterrados nesta tarde em MS. Um em Lins, SP, e outro em Estância Velha - RS

Em meio ao pranto, desespero e esperando um filho, viúva de Marcos Vinícius chega ao velório. (Foto: Marlon Ganassin)
Em meio ao pranto, desespero e esperando um filho, viúva de Marcos Vinícius chega ao velório. (Foto: Marlon Ganassin)

O vazamento de gás tóxico mexeu com a cidade, destruiu sonhos, deixou um bebê que ainda está sendo gerado sem pai e um herói morto.

As lágrimas escorrem pelo rosto de quem acompanha o velório dos dois trabalhadores, Marcos Vinicius da Silva Melo, de 19 anos e Edimar Felesbino da Silva, 28, que segue desde a madrugada desta quarta-feira.

Um misto de saudade e tristeza de ver gente tão jovem sendo levada embora em um acidente trágico.

A cidade, de 20 mil habitantes, parou. E viu o desespero de uma mulher. Franciele é uma jovem que até a hora do almoço de ontem planejava escolher o nome do filho ou filha e hoje enterra o marido, Marcos Vinícius.

“Ai ai, meu Deus, por que, por que?”. A funerária Araçá fez silêncio nessa hora. Entre as centenas de pessoas que havia para velar os dois trabalhadores, ninguém sabia o que dizer à pergunta que não há resposta.

“Ele estava todo feliz. Os móveis seriam comprados nesta semana. O casamento estava marcado. Ele morreu sem saber se era menino ou menina. Já tinham feito o exame duas, três vezes, mas a criança escondia, fechava a perna”, conta o pai de Marcos Vinícius, Heleno de Melo, 47 anos.

Tragédia comoveu cidade. Muitos dos 20 mil habitantes foram ao velório de Marcos Vinícius e Edimar. (Foto: Marlon Ganassin)
Tragédia comoveu cidade. Muitos dos 20 mil habitantes foram ao velório de Marcos Vinícius e Edimar. (Foto: Marlon Ganassin)

“Seo” Heleno viveu horas de angústia assim que soube do vazamento. Demorou a ter informações e foi um dos familiares que se reuniu em frente à Santa Casa. Foi chamado pela direção do hospital horas depois, para ouvir o que não queria. “Fizeram o possível e infelizmente ele não aguentou”.

A partir da confirmação o pai viu os sonhos e planos do filho se perderem. “Foi arrancado... E tudo acabar dessa forma não podia. Meu filho ia realizar o sonho dele da casa, da mulher, do bebê”.

Nascido e criado em Bataguassu, Marcos Vinícius faria 20 anos no próximo dia 16, trabalhador no curtume há cinco meses, ele já havia recebido a notícia de que seria promovido.

“Se fosse menina ia ser Maria Vitória. Se fosse menino, Vítor Gabriel”. Essa foi a única frase que Tatiane da Silva Melo, 25 anos, irmã de Marcos conseguiu dizer por completo, antes de cair no choro.

No velório ao lado a história de um herói. Para a família de Edimar é assim que ele vai ser a partir de agora. Comovidos os pais só balançavam a cabeça, um casal na faixa dos 60 anos que ia contra a lei da natureza, enterravam um filho de 28 anos.

Viúva de um herói. Lucimara conta os últimos minutos de vida do marido, que voltou ao curtume para salvar o amigo. (Foto: Marlon Ganassin)
Viúva de um herói. Lucimara conta os últimos minutos de vida do marido, que voltou ao curtume para salvar o amigo. (Foto: Marlon Ganassin)

Abatida, olhos inchados e sem esperanças. Era esse o sentimento no rosto de Lucimara de Lima Santos, 33 anos. Mara como é conhecida passou metade da vida ao lado do esposo. Foram 14 anos de convivência diária que deixou dois filhos, uma menina de 13 e um de 7.

Cheio de planos, Edimar faria um ano no trabalho dentro de poucos meses. A ideia era trocar de carro, oferecer conforto maior à família. A casa recém construída ainda não foi pintada. Era o que ele iria fazer nos próximos dias.

“Meus filhos choram, falam que não vão mais ver o pai”, relata Lucimara.

Os últimos minutos de vida de Edimar foram contados à esposa por quem sobreviveu ao cenário de intoxicação.

“Ele já estava do lado de fora, ele entrou para tentar salvar um, quando foi para salvar o outro, no fim os dois morreram. Ele não conseguiu respirar e já foi caindo. Tinha bastante gente... Um colega puxou pela mão, mas ficou apavorado. Ele morreu. É um herói morto, mas era bom se fosse vivo”.

Segundo Lucimara, quem Edimar tentava salvar era o amigo Marcos Vinícius. Logo mais os dois serão sepultados. Marcos primeiro, às 14h e Edimar em seguida, às 15h, no cemitério municipal de Bataguassu.

Os dois outros corpos são de pessoas de fora do Estado. Gente que se dedicou ao trabalho em Bataguassu e escolheu Mato Grosso do Sul para morar, ainda que por pouco tempo. Karl Matheus Luft, 20 anos, seguiu em um avião no começo da manhã de hoje para Estância Velha, cidade gaúcha próximo a Porto Alegre, onde será enterrado.

Waldir Henrique Raimundo, 28 anos, está sendo velado desde cedo em Lins, cidade do interior paulista. O sepultamento está previsto para as 17h.

O caso - De acordo com o Corpo de Bombeiros, um caminhão descarregava ácido dicloro-propiônico em um tanque submerso quando trabalhadores que estavam próximos passaram mal. O ácido entrou em contato com a substância que havia no tanque e causou a reação, exalando grande volume de gás tóxico.

O motorista do caminhão percebeu que houve uma reação química e então fechou a válvula de descarregamento e se afastou do local. Três funcionários que estavam em uma estrutura acima do tanque caíram desmaiados. Um quarto trabalhador tentou descer pelas escadas, mas, também ficou inconsciente. Os quatro morreram, três deles a caminho do hospital e um 10 minutos depois de dar entrada na Santa Casa de Bataguassu.

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