Vanessas e Sophias: as coincidências de tragédias que avançam sem solução em MS
A mais nova das vítimas de feminicídio viveu por apenas 10 meses
Duas mulheres chamadas Vanessa. Duas meninas com nomes quase idênticos: Sophia e Sophie. Mas ao contrário do que está no dicionário, a coincidência aqui não é mero acaso. As quatro são personagens de idênticas tragédias, de histórias sem ligação direta, mas marcadas por uma mesma brutalidade de homens contra mulheres e crianças.
RESUMO
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Mato Grosso do Sul enfrenta uma onda de feminicídios, com 14 casos registrados nos primeiros cinco meses de 2025, aproximando-se dos 16 ocorridos no mesmo período de 2024. Duas mulheres chamadas Vanessa e duas meninas, Sophia e Sophie, figuram como vítimas recentes, destacando a brutalidade contra mulheres e crianças no estado. A jornalista Vanessa Ricarte foi morta pelo noivo, enquanto Vanessa Eugênio e sua filha Sophie foram assassinadas pelo pai da criança, que alegou não querer pagar pensão alimentícia. O caso de Vanessa Eugênio expôs falhas no atendimento da Delegacia da Mulher, que a orientou a retornar para a casa do agressor. O assassino de Vanessa e Sophie demonstrou frieza e ausência de remorso, afirmando ter "dormido melhor" após o crime. Especialistas apontam o patriarcado como raiz do problema, destacando a cultura de poder e domínio masculino. Campanhas de conscientização, como a "Todos por Elas", são consideradas insuficientes para combater a violência enraizada na cultura sul-mato-grossense. A maioria dos ataques ocorre dentro de casa, reforçando a dinâmica patriarcal.
Os cinco primeiros meses do ano, ainda incompletos, chegam perto dos números de 2024, com 14 feminícidios em Mato Grosso do Sul. No ano passado, considerando o mesmo período, foram 16. A aposta mórbida é que o problema é suficientemente sério para até dia 31 de maio vitimar mais duas e atingir o mesmo marco fúnebre do ano passado.
Na estatística de 2025, entram a jornalista Vanessa Ricarte (42 anos), morta em 12 de fevereiro pelo noivo; e a jovem Vanessa Eugênio (23 anos), morta ao lado da filha Sophie, que aos 10 meses morreu por "valer menos que uma pensão alimentícia", na análise cruel do pai.
Quando Vanessa morreu, deixou uma mensagem com potencial transformador: gravação de áudio revelando o trabalho realizado pela Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), que praticamente a jogou para a morte, orientando a vítima a voltar para a casa do agressor.
Mas, independente de tudo que veio na sequência, com denúncias, novos protocolos, trocas na equipe, uma história ainda mais brutal entra para a estatística do feminicídio em Campo Grande.
A certeza de superioridade em relação às mulheres fez João Augusto Borges matar esposa e filha na tarde de segunda-feira (dia 26). Como o pai não queria "sustentar" duas mulheres, em caso de separação, Vanessa e Sophie foram sufocadas, mortas e queimadas com óleo diesel. Com base na profissão de estoquista do assassino, as vidas de mãe e filha custaram entre R$ 400 e R$ 600 mensais.
Apesar da brutalidade descomunal contra uma mulher e uma criança, a Polícia Civil descarta que ele estivesse em surto psiquiátrico. Durante o depoimento, o assassino demonstrou completa ausência de remorso. Em certo momento, chegou a afirmar que havia “dormido melhor” após cometer os assassinatos, porque, segundo ele, havia se livrado de um problema
Tem uma raiz nisso tudo, que é esse patriarcado. O patriarcado é um contexto de poder, de força. Quem manda? Isso é patriarcado. Quem determina se uma mulher vai viver ou vai morrer?", lembra artigo da professora sênior da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (Universidade de São Paulo), Eva Blay.
A violência contra as mulheres, além de ser uma violação dos direitos humanos, é uma questão de saúde pública, defendem as profissionais referência nesse debate. Por aqui, a seguimos com distribuição de panfletos nas esquinas.
A violência nossa de cada dia –Após a morte de Vanessa, mudanças vieram .Em fevereiro, o Campo Grande News mostrou que a campanha “Todos por Elas”, que une os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, se resumia a distribuir bottons, camisetas e bandeiras da campanha.
Neste fim de semana, dia 31 de maio, o grupo faz uma caminhada para chamar atenção para o tema, mas não parece nem perto do suficiente para qualquer efeito positivo.
A violência contra a mulher como parte da estrutura cultural de Mato Grosso do Sul foi destacada pelo professor Asher Brum, doutor em Antropologia Social. As “pistas” para a reflexão antropológica constam em relatório sobre feminicídio, divulgado pelo TJMS (Tribunal de Justiça).
“Os resultados sugerem que existem elementos culturais em nosso Estado associados ao feminicídio e à violência doméstica contra a mulher, ou seja, esse tipo de violência não acontece em casos isolados ou localizados, mas apresenta-se como expressões de uma estrutura cultural (e mental) mais ampla, decantada entre as pessoas e em suas práticas cotidianas. Presumivelmente, a violência contra a mulher faz parte de uma estrutura cultural que existe em Mato Grosso do Sul”.
Não escapa ao pesquisador o fato de a maioria das vítimas ser atacadas dentro do lar, como as tristes personagens dessa matéria.
Se observarmos os casos mais de perto, provavelmente perceberemos a antiga dinâmica patriarcal em que o senhor é o centro da casa, seu reino, na qual tem autoridade e domínio sobre tudo e todos que entram em sua esfera de poder. Seu poder estende-se sobre pessoas e sentimentos, corpos e afetos”.
O feminicídio é a demonstração mais grave da violência de gênero contra as mulheres. No Brasil, com a promulgação da Lei 13.104, de 9 de março de 2015, o feminicídio é entendido como o assassinato de mulher por razões da condição de sexo feminino devendo ser assim considerado quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação à condição de mulher.
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