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Comportamento

Recém-chegados a MS, venezuelanos improvisam "banca de aves" na Afonso Pena

Com uma galinha, um galo e oito pintinhos à venda, casal apaixonado pela Venezuela cobra R$ 200 por cada ave

Por Bruna Marques | 06/09/2025 13:55
Recém-chegados a MS, venezuelanos improvisam "banca de aves" na Afonso Pena
Williams e Yacenia vendem duas galinhas e oito pintinhos no canteiro da Afonso Pena (Foto: Osmar Veiga)

O vaivém da Avenida Afonso Pena deu lugar a olhares curiosos neste sábado (6) a uma cena inusitada: no canteiro central, próximo ao cruzamento com a Rua João Rosa Pires, um casal de venezuelanos improvisou uma pequena “banca de aves” para tentar garantir o sustento em solo brasileiro.

RESUMO

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Casal de venezuelanos vende galinhas em Campo Grande para sobreviver e custear tratamento médico. Williams Eduardo Guanaguaney, de 50 anos, e Yacenia Rangel, de 48, foram vistos comercializando as aves na Avenida Afonso Pena. Buscando dignidade no trabalho, Williams prefere vender animais a pedir dinheiro. O casal também sonha em retornar à Venezuela. Além das dificuldades financeiras, Yacenia precisa realizar exames para investigar um cisto no útero. Eles pedem ajuda para custear o tratamento médico, enquanto tentam garantir renda com a venda das galinhas, que custam R$ 200 cada. Até o momento, o casal não conseguiu vender nenhuma das aves.

Com duas aves adultas e oito pintinhos, cada um à venda por R$ 200, William Eduardo Guanaguaney, de 50 anos, e sua esposa, Yacenia Rangel, de 48, chamaram a atenção de quem passava pela principal avenida da cidade, na altura da Rua João Rosa Pires, no Bairro Amambai.

Em entrevista ao Campo Grande News, William contou que chegou na cidade há apenas três dias. Sem emprego e com a esposa adoecida, ele viu nas galinhas a única forma imediata de gerar renda.“Chegamos aqui e ainda não conseguimos trabalho. Minha esposa está com dores, precisa fazer exames para saber se não é nada grave. A viagem foi longa e a deixou ainda mais debilitada. Por isso, nos obrigamos a vender esses animais, para conseguir comida e continuar lutando”, disse.

Recém-chegados a MS, venezuelanos improvisam "banca de aves" na Afonso Pena
William Eduardo Guanaguaney com o galo em mãos na Afonso Pena (Foto: Osmar Veiga)

O venezuelano reforça que a decisão de vender as aves foi uma forma de sobreviver e, ao mesmo tempo, não se render à prática de pedir dinheiro nos semáforos.

“Eu poderia estar ali no semáforo pedindo, mas isso deixaria mal o nome da Venezuela. Prefiro vender o que tenho, trabalhar com dignidade. Coloquei até um cartaz com minhas profissões, para mostrar que posso ser útil”, explicou.

Entre um desabafo e outro, William sempre volta ao tema central de sua fala: a Venezuela. Mesmo após anos de dificuldades e migrações, ele se recusa a criticar sua terra natal. “Não posso falar mal da minha Venezuela. É minha mãe, minha fortaleza. Lá eu tenho minha família: irmãos, tios, sobrinhos. É um país lindo, unido, que sempre recebeu bem os estrangeiros. Quem chega lá ganha terreno, casa, apoio. Venezuela é como um jardim”, afirmou, emocionado.

Ele reconhece os problemas enfrentados pela população, mas atribui parte das dificuldades à falta de preparo da sociedade.“A Bíblia já diz: assim com tem anos bons, há anos ruins. Nos anos bons é preciso trabalhar, guardar. Mas muitos não plantaram, não criaram, preferiram viver do dinheiro fácil. Quando vieram os anos ruins, passou a fome. Por isso sempre digo: não foi a Venezuela que falhou, foi a preguiça de alguns. Eu, William Eduardo Guanaguaney, me sinto orgulhoso de ser venezuelano e vou sempre falar bem do meu país”, declarou.

Recém-chegados a MS, venezuelanos improvisam "banca de aves" na Afonso Pena
Galinha colocada a venda pelo casal de venezuelanos (Foto: OsmarVeiga)

William também contou sobre sua trajetória profissional. Mestre de obras, já atuou em diversas frentes. “Sei trabalhar com cerâmica, solda, grafiato, massa corrida. Sou construtor, mas também já fui vendedor e cozinheiro. Na Bolívia vendia arepa, a melhor comida da Venezuela, arepa com papelón e limão. Aqui também quero vender, empreender, mas por enquanto temos apenas essas galinhas”, relatou.

Ele também revelou outra paixão: a música. “Sou cantor de música criolla, compositor e poeta. Crio galos desde os oito anos, aprendi com minha avó e meu tio. Não tenho problema com governo nenhum. Onde vou, levo a Venezuela em alto, com trabalho e arte”, disse.

Entre tantas lembranças, uma dor ainda pesa. William contou que a família havia viajado inicialmente por apenas dois meses de férias, guiados pelo filho, William Wilson.“Era ele quem nos trouxe ao Brasil. Mas meu filho morreu com 23 anos. Era cantor, muito talentoso. A partir daí ficamos desamparados. Nosso guia se foi. Só que não podemos perder a fé. Como digo, quanto maior o problema, mais fé temos que ter. É isso que nos sustenta”, afirmou, com os olhos marejados.

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Cadela Luna nos braços de William, que além de companhia serve como suporte emocional (Foto: Osmar Veiga)

Ao lado do casal, estava a cadela Luna, considerada parte inseparável da família.“Ela não está à venda. É nossa alegria, nosso sustento emocional. Depois que meu filho se foi, Deus nos mandou esse anjo para nos cuidar. Se eu falo muito dela, eu choro, e não quero chorar, quero me fortalecer na fé”, contou.

Questionado sobre o valor cobrado pelas aves, William justificou.“Cada galinha custa R$ 200. Não posso vender barato porque a comida é cara e meus animais estão bem alimentados. Se vendo por menos, como hoje, e amanhã quem canta? Só a barriga. Prefiro manter minha dignidade. Cada um dá valor ao que cria, e eu valorizo muito os meus”, explicou.

Apesar de estar desde cedo no canteiro, até o meio da tarde ele ainda não havia vendido nenhuma ave.“Não temos casa aqui. Um senhor bondoso nos deu abrigo em um espaço coberto para não dormirmos na rua. Agradeço a Deus por isso. Mas, no mais, só temos a família, Luna, oito pintinhos e duas galinhas. Esse é nosso patrimônio hoje”, disse.

Antes de se despedir, William deixou uma mensagem para outros imigrantes. “Quero que todos falem bem de seus países, porque nenhum país é ruim. O mal é do homem que não quer trabalhar. Eu sigo em frente com dignidade, não como imigrante que reclama, mas como trabalhador que honra sua pátria. Se aparecer oportunidade, vou mostrar que sou bom trabalhador. Se pudesse, voltava agora para a Venezuela, mas enquanto estou aqui, luto”, concluiu.

Recém-chegados a MS, venezuelanos improvisam "banca de aves" na Afonso Pena
Galinhas amarradas pelas patar em toquinho no canteiro (Foto: Osmar Veiga)

Na Venezuela, ele também já atuava como vendedor e mestre de obras e afirmou que está aberto a oportunidades na construção civil caso apareçam em Campo Grande.

A correria do casal, porém, não é apenas financeira. A esposa de Williams precisa realizar exames médicos para investigar um cisto no útero e descartar a possibilidade de câncer. Eles pediram ajuda para o tratamento dela, enquanto tentam manter a renda vendendo as aves.

Desde a manhã de hoje, o casal tenta vender os animais, mas até o momento não conseguiu negociar nenhuma galinha. “Em casa não temos mais, só essas que estão à venda”, disse Williams.

(*) Colaborou o fotojornalista Osmar Veiga

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