Contribuição sindical gera polêmica, 4 meses após reforma entrar em vigor
Edital do Sintracom reforça “obrigatoriedade” da cobrança e gera contestação de empregador; aprovada no fim de 2017, reforma trabalhista é alvo de contestação técnica sobre forma encontrada para sua aprovação

Inconsistências surgidas na reforma trabalhista aprovada no fim de 2017 pelo Congresso Nacional geram dúvidas no início deste ano em relação à cobrança da contribuição sindical. Enquanto sindicatos e associações de trabalhadores lançam editais comunicando sobre o desconto –inclusive reiterando sua “obrigatoriedade”–, empresários contestam a legalidade do pagamento compulsório.
Entre os dois lados dessa questão, o Judiciário já tem sido acionado para avaliar pontos técnicos sustentados para validar ou suspender o recolhimento dos valores que são os principais mantenedores dos sindicatos. Posicionamento “informal” da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) tem sido avocado para balizar o debate.
Nesta quinta-feira (15), o Sintracom (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Campo Grande) publicou no Diário Oficial do Estado edital notificando empregadores sobre a “obrigatoriedade” do recolhimento da contribuição, equivalente a um dia de trabalho dos funcionários das empresas de construção civil em geral, pré-moldados, gesso, mármores e mobiliário e de indústrias de compensados. O valor deve ser depositado na conta da entidade sindical até 30 de abril.
“Meu cliente foi acionado indiretamente em uma cobrança que é de conhecimento notório que, com a mudança na legislação trabalhista, passou a ser opcional, e não obrigatória”, afirmou o contabilista Heber Castilho Gomes, que disse ter sido questionado por um cliente sobre a exigência da contribuição. “Alguns sindicatos estão publicando edital e deixando a entender que [a contribuição] é obrigatória, o que não é verdade”.

Questão técnica – Com a reforma trabalhista, o artigo 579 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) que trata da contribuição sindical, perdeu o caráter obrigatório. Agora, o texto afirma que o desconto “está condicionado à autorização prévia e expressa dos que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão”.
Porém, hoje a reforma é contestada judicialmente, usando inclusive avaliação advinda da entidade que congrega os juízes trabalhistas. Em outubro de 2017, de um evento da Anamatra, saiu documento no qual se contesta a forma com a qual as mudanças na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) foram aplicadas.
Pelo texto, avalia-se que as contribuições sindicais têm natureza de tributo, tanto que 10% de seu total são revertidos para a União. Assim, não poderia ser suprimida por lei ordinária –dispositivo pelo qual a reforma trabalhista foi aplicada e que, na prática, exige menor quorum para aprovação e trata de temas fora da Constituição–, e sim por lei complementar (que versa de temas constitucionais e exige maioria absoluta para ser aprovada).
O problema é que, segundo disse o presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo veiculada em 19 de fevereiro deste ano, os enunciados forma feitos apenas por discussão acadêmica. Tanto que a associação tem, segundo ele, “posição fechada contra a contribuição sindical” por ferir a liberdade de não se sindicalizar.

Inconsistências – “A contribuição não é mais obrigatória, porém, há tribunais que estão deferindo ações que os próprios sindicatos estão ajuizando para cobrar a contribuição”, destacou o advogado Rogério Spotti, presidente da Comissão de Assuntos Trabalhistas da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil/Seccional de Mato Grosso do Sul).
Segundo ele, a avaliação feita pela Anamatra sobre o tipo de lei pelo qual a reforma trabalhista foi aprovada é um dos pontos contestados. “As entidades têm buscado inconsistências no texto e buscado a tutela jurisdicional”, disse Spotti. No Rio de Janeiro, cita ele, já foram expedidas decisões considerando o fim da contribuição sindical inconstitucional.
Contudo, Spotti adverte que, independentemente dessas avaliações, é necessário que a entidade busque resguardo jurídico antes de efetuar a cobrança. “O sindicato que quer fazer a cobrança compulsória deve entrar com ação e, claro, obter uma decisão. Do contrário, deve seguir o que está na lei, ou lá na frente terá de devolver os valores”, explicou.
No rito atual, a entidade deve realizar assembleia-geral com sua base sindical e a consultar se esta aceita a continuidade da contribuição. Spotti afirma que tais reuniões devem atingir um quorum mínimo e deliberar de forma coletiva sobre tais pagamentos. “Se for aprovada a manutenção da contribuição, vale para todos os trabalhadores da base”, explica.
Aprovado – O expediente vem sendo adotado por entidades sindicais do Estado por orientação de suas centrais, conforme apurou o Campo Grande News com entidades que, nos últimos dias, também publicaram editais sobre o pagamento das contribuições. Nos textos, inclusive, destaca-se a realização das assembleias-gerais extraordinárias com a aprovação da cobrança.
O próprio Sintracom afirma ter realizado reunião com esse teor em 26 de janeiro. Agora, o resultado, favorável ao desconto, vem sendo comunicado aos empregadores. “Estamos mandando via correspondência o edital e a aprovação na assembleia”, diz José Abelha Neto, presidente do sindicato.
Segundo o dirigente, o Sintracom, com outras entidades, fica com 60% do valor arrecadado com a contribuição sindical e 40% para federações, centrais e Ministério do Trabalho.
Abelha nega ainda que o aviso aos empregadores publicado nesta quinta seja irregular. Além disso, confirmou já ter recorrido à Justiça do Trabalho com pedido de liminar para efetuar a cobrança. “A reforma [trabalhista] foi por meio de lei ordinária, que segundo a Constituição não tem poder para alterar regras tributárias. E a contribuição sindical extinta nessa mudança tem natureza de imposto, por isso só poder ser mexida por lei complementar”, afirma, repetindo também os apontamentos da Anamatra.