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Cidades

Mesmo com abismo social, empoderamento é realidade entre elas

Anahi Gurgel | 08/03/2017 07:11
Moradora do loteamento Bom Retiro, Janaína vende produtos femininos para ter renda própria. (Foto: Alcides Neto)
Moradora do loteamento Bom Retiro, Janaína vende produtos femininos para ter renda própria. (Foto: Alcides Neto)

Independência, força de vontade, luta pelos direitos. O abismo social, colocando de um lado a dificuldade de acesso a serviços básicos e de outro a qualidade de vida que uma melhor condição econômica proporciona, revela que, na prática, esses conceitos podem não estar assim tão difundidos neste Dia Internacional da Mulher. 

Em Campo Grande este cenário não é diferente. É o que fica evidenciado em mulheres determinadas e conscientes do papel delas na sociedade, ainda que vivendo em mundos totalmente diferentes. 

Nascida no interior de São Paulo, formada em administração, com pós-graduação em gestão empresarial, Célia Martins, 48, é sinônimo de planejamento.

Suas duas gestações, há 12 e 13 anos, foram muito bem programadas - esteve no emprego até um dia antes do primeiro filho nascer - bem como o período em que ficou fora do mercado para acompanhar o crescimento dos filhos.

“Mesmo sendo uma escolha, com o tempo eu comecei a me sentir muito restrita. Enquanto meu marido contava sobre o dia no serviço, eu só tinha assunto sobre roupa, comida, filho, cachorro. Estava deixando a Célia de lado”, se recorda.

Casada com um funcionário público, tem uma condição financeira estável e afirma que não precisaria trabalhar para manter as contas em dia. Poderia estar totalmente dedicada à família, aos cuidados com a casa e com ela mesma. Longe de ser “dondoca”, fica ligeiramente tímida ao dizer que já aconteceu, num período de sua vida, de passar horas e horas no salão de beleza.

Treze anos depois, decidiu investir no ramo da culinária e abriu negócio próprio em um dos pontos mais valorizados da cidade, no Jardim dos Estados. A proposta inicial era uma pastelaria com caldo de cana, próximo à escola dos filhos. “O almoço que fazia para meus filhos era tão cheiroso, que os coleguinhas começaram a pedir. O resultado é que a pastelaria virou restaurante”, conta orgulhosa.

A rotina de Célia começa cedo. Deixa filhos na escola, gerencia o restaurante, orienta a diarista quanto aos afazeres e também ainda lava algumas roupas e cozinha. 

“Mesmo com essa correria, faço questão de cuidar de mim. Vou ao salão toda semana e não abro mão de happy hour com meus amigos. Essa independência faz com que eu me sinta forte; é minha escolha hoje”, diz.

Célia e os dois filhos em frente ao restaurante da família, no Jardim dos Estados. (Foto: Alcides Neto)
Célia e os dois filhos em frente ao restaurante da família, no Jardim dos Estados. (Foto: Alcides Neto)

Loteamento Bom Retiro – A pelo menos dez quilômetros do restaurante de Célia, a rotina de Janaína Castro Ribeiro, 28 anos, também começa cedo. Mãe de seis filhos, se divide entre café da manhã, almoço e jantar, banho das crianças e muitas outras tarefas domésticas no barraco em que mora no loteamento Bom Retiro, uma espécie de 'nova favela' surgida há um ano a partir da descupação da Cidade de Deus, nos arredores do lixão da cidade.

“Apesar de todo esse trabalho, me ajeito para ganhar meu dinheirinho. Mexo com vendas. Roupas, cremes, cosméticos, produtos femininos. Teve um mês que tirei até R$ 700”, conta demonstrando o mesmo orgulho que a 'colega rica' mostra. Pagou contas de água, luz e comprou uma blusa nova.

“Nunca dependi de marido porque é muito bom gastar sem ter que dar satisfação. Isso para mim é independência”, diz, elevando a entonação da voz. “Amanhã, vou fazer meu cabelo aqui em casa e ficar bonita para ir à igreja”, avisa.

Adriene, moradora do loteamento Bom Retiro, não trabalha por não ter com quem deixar filho. (Foto: Alcides Neto)
Adriene, moradora do loteamento Bom Retiro, não trabalha por não ter com quem deixar filho. (Foto: Alcides Neto)

Ao lado dela, a amiga e vizinha Adriene Cano Stephan, 29 anos, demonstra ter a mesma determinação de Janaína e de Célia, mas ainda não consegue ter renda própria o que a torna dependente do marido.

Mãe de 4 filhos, com idades entre 2 e 10 anos, está sem trabalhar há cerca de 5 anos. "Eu catava material para reciclagem, só que meu carrinho estragou. Mas o pior de tudo é não ter vaga na creche para meu filho caçula. Não tenho com quem deixar”, reclama.

“Só quero ganhar meu dinheiro e comprar meus cremes, que eu adoro. O duro é que meu marido reclama muito. Faz um tempão que não uso nada nos pés. Olha as rachaduras”, mostra.

Empoderamento? – A assistente social e militante feminista Sandra da Silva, 43 anos, concorda que o discurso de empoderamento feminino está muito difundido em toda a população. Ressalta que os meios de comunicação têm papel fundamental nessa divulgação de direitos e deveres das mulheres, mas que, na prática, a realidade pode ser bem diferente.

“O poder público tem que cumprir com sua função e garantir que, principalmente mulheres em vulnerabilidade social, tenham acesso a serviços básicos de saúde, educação , assistência social e muitos outros, para que essa emancipação financeira e social seja de fato consolidada entre mulheres e homens”, enfatiza.

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