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Cidades

Para juiz, de vácuo na segurança a alcoolismo levam crianças a abrigos

"Se pensasse em encaminhar para um casal não indígena, a Funai ia jogar pedra em mim. Se não consigo devolver para a comunidade, a cobrança é que estou retendo a criança"

Aline dos Santos | 11/04/2018 12:45
Infância nas aldeias é marcada por problemas sociais. (Foto: Ascom/MPF)
Infância nas aldeias é marcada por problemas sociais. (Foto: Ascom/MPF)

A criança indígena que passa anos em abrigo é retrato de problemas que vão do alcoolismo a vácuo na segurança pública nas aldeias. Por um lado, a reserva é perto, como um bairro a menos de 3 quilômetros do Centro de Dourados. Por outro, é longe, pois não lá chega policiamento preventivo, apesar de 17 mil moradores.

Deste cenário, sai grande parte de crianças e adolescentes para os abrigos, com um boom preocupante de caso nos últimos seis meses. Levantamento da Funai (Fundação Nacional do Índio), datado de novembro de 2017, mostra 50 indígenas em “acolhimento institucional” em Dourados. O pedido é para que se esgote possibilidades antes de levar as crianças para abrigos distantes do modo de vida, cultura e língua.

Responsável pela Vara da Infância e Juventude de Dourados há 14 anos, Zaloar Murat Martins de Souza afirma que é feita a tentativa de manter as crianças na aldeia, com parentes. Mas muitos tem medo de ficar com o menor de idade e sofrer ameaça dos pais da criança.

“Cobrei que o Conselho Tutelar faça estudo prévio para tentar deixar na própria comunidade, mas nem sempre é possível. Até em face de uso de drogas e álcool, as pessoa acabam se tornando um tanto o quanto violentas. Coloca na família extensa [tio, primo], mas dai vem a reclamação de que a mãe, o pai aparecem ameaçando e levam a criança embora, acontece com muita frequência. Ás vezes a família não recebe uma sobrinha ou neta por medo do pai e da mãe encher a cara de pinga e ameaçar as pessoas na posse da criança. A questão indígena é complexa”, afirma o magistrado.

De acordo com ele, estatuto prevê que crianças e adolescentes indígenas, após o acolhimento, devem, de preferência, retornar à comunidade de origem e que a inserção no Cadastro Nacional de Adoção é em último caso. O magistrado afirma que não há nenhuma criança indígena no cadastro e que em 14 anos foram duas adoções por não indígenas: os adotantes foram uma enfermeira e um casal.

“Se pensasse em encaminhar para um casal não indígena, a Funai ia jogar pedra em mim. Se não consigo devolver para a comunidade, a cobrança é que estou retendo a criança. Não é a minha vontade de devolver ou não. A decisão é baseada em estudo técnico. Não vou devolver se não tiver convicção que a reintegração na família é o melhor caminho”, salienta o juiz.

Ele relata que as equipes técnicas, responsáveis pelos estudos, têm dificuldade em localizar as pessoas nas aldeias.

Menores no crime - No outro extremo do abrigo, aparece a Unei (Unidade Educacional de Educação). Dos 55 adolescentes, cerca de 15 são indígenas. As apreensões são por furto e roubo. Celulares e motocicletas são furtados na cidade e revendidos na aldeia. Aí, o caminho é inverso: quem mora na cidade aproveita o balcão de negócios na reserva indígena.

“Para nós em Dourados, essa questão indígena é maior do que o problema da adoção. É bem mais grave e, infelizmente, o poder público não está dando a atenção devida”, afirma o juiz Zaloar Murat Martins.

Se na aldeia entram Conselho Tutelar e equipes de saúde, a situação não se repete para um policiamento preventivo. Segundo o magistrado, a PM (Polícia Militar) não faz trabalho preventivo nas aldeias porque a terra é da União e repassa a questão para a PF (Polícia Federal), que, por sua vez, não tem estrutura nem prerrogativa de policiamento nesta modalidade.

“Fica aquela desavença entre o poder do Estado e União. As aldeias ficam abandonadas. Muito tráfico de drogas, comércio de produtos furtados e roubados, venda liberada de bebida alcoólica”, diz.

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