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Em Pauta

Bumba meu boi! O quilombo, esse desconhecido

Mário Sérgio Lorenzetto | 12/02/2019 08:54
Bumba meu boi! O quilombo, esse desconhecido

A euforia portuguesa com a destruição de Palmares durou pouco. Os escravos continuaram a fugir e a viver na floresta. Mas não repetiram o erro de formar grandes comunidades centralizadas como Palmares, que era simbolo de luta, mas também de derrota. Em vez disso, criaram dez mil ou mais pequenos vilarejos formando uma malha flexível, e em constante mudança, que se espalhou por boa parte do Brasil. Misturaram-se com assentamentos indígenas existentes, recolheram indígenas fugitivos, abriram as portas para malfeitores portugueses que fugiam da justiça.

Bumba meu boi! O quilombo, esse desconhecido

A mata era perigosa para os portugueses.

Muitos africanos já haviam vivido em ambientes tropicais antes de ser despachados pelo oceano. Se sentiam confortáveis em ambientes quentes e úmidos. Aprenderam com os indígenas do Brasil a colocar veneno nos rios como forma de pescaria. A esmagar os compostos amargos da mandioca em cestos longos e tubulares. Os portugueses nunca admitiram "se tornar nativos", mostraram-se pouco propensos à adaptação. Em consequência, a floresta e matas continuavam parecendo perigosas, um lugar onde só era possível se aventurar com um exército. Ao ceder campo para os quilombos, os portugueses estavam cientes de que escravos fugitivos viviam a uma pequena distância de suas fazendas. Eles eram livres desde que fingissem não o ser.
A administração portuguesa informava que os negros estavam protegendo o Brasil. Os negros estavam dispostos a dizer que o estavam fazendo, se isso significava deixá-los em paz.

Bumba meu boi! O quilombo, esse desconhecido

Bumba meu boi!

Em seu isolamento, os quilombos desenvolveram seus próprios cerimoniais e festividades. Considere o satírico bumba meu boi, celebrado por todos os quilombos do Norte-nordeste do Brasil. Eles prestam homenagem à fábula do Pai Francisco, um escravo dominado pela esposa que, grávida, tem o desejo de comer língua de boi. Infelizmente, o único boi das imediações é o orgulho e a alegria do mestre de Francisco. Para piorar a situação, Francisco foi encarregado de cuidar do boi. Todavia, ele conduz o animal para o meio da floresta, onde lhe passa a faca. Rapidamente apreendido, Francisco é ameaçado de morte a não ser que ressuscite o boi. Dançarinos representando as autoridades, desde o prefeito até o presidente da nação, desafortunadamente lutam para trazer o animal de volta à vida, dando aos espectadores a chance de vaiá-los pelo insucesso. Por fim, religiosos nativos trazem o animal de volta à vida sob baforadas de tabaco, água de cheiro e o tilintar de chocalhos: o arsenal típico usado nos quilombos para a cura. A multidão vibra enquanto o boi, cambaleando, se põe de pé. Bumba meu boi!

Bumba meu boi! O quilombo, esse desconhecido

Os quilombos na época da abolição.

Legalmente, os milhares de quilombos no Brasil não tinham nada a temer após a abolição da escravatura no país, em 1888 - ninguém mandaria escravos fugitivos de volta para o cativeiro. Mas o fim da escravidão não significou o fim da discriminação, da pobreza e do preconceito anti quilombola. Os quilombolas continuaram em silêncio. Se há algo que aprenderam com Palmares não foi lutar e sim se manterem em silêncio.
Mantendo-se tão distantes da visão das autoridades, até meados do século passado quase todos os brasileiros acreditava que já não existissem quilombos.

Bumba meu boi! O quilombo, esse desconhecido

Os generais e a redescoberta dos quilombos.

Na década de 1960, os generais que na época governavam o Brasil olharam seus mapas e observaram, para seu descontentamento, que cerca de 60% do país estava "desocupado". Na verdade, estava cheio de indígenas, quilombos e trabalhadores rurais invasores de terras. Mas, até então, os governos os ignoravam.
Segundo o raciocínio dos generais, ocupar esse grande "vazio"era uma questão de segurança nacional. Num programa extremamente ambicioso, eles tentaram ligar Brasília à fronteira oeste e os portos da Amazônia com a construção de uma rede de estradas por todo o interior.
Nas décadas de 1970 e 1980, centenas de milhares de migrantes cruzaram as estradas, acreditando que poderiam começar uma vida nova em novos assentamentos agrários. Uma imensa reforma agrária foi feita. Em vez disso, encontraram estradas ruins, terras pobres, violência e ausência de lei. Muitos quilombolas passaram a ser expulsos das terras que ocupavam para que outros - brancos, negros e descendentes de indígenas - as ocupassem. Dessa forma, inúmeros quilombos foram extintos. Muito mais pelo desconhecimento do que por motivações ideológicas ou racistas.

Bumba meu boi! O quilombo, esse desconhecido

Quilombos na Constituição.

O país promulgou uma nova Constituição em 1988. Entre outras coisas, a nova Constituição já declarava que "aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos".
Ninguém entendeu as implicações desse texto legal. Imaginavam, os senhores constituintes, alguns poucos quilombos remanescentes em algum lugar das matas e florestas. Agora, alguns estudiosos acreditam que até 5 mil quilombos sobrevivam no Brasil, a maioria na bacia Amazônica. Também acreditam que eles ocupem até 30 milhões de hectares - trezentos mil quilômetros quadrados, uma área do tamanho da Itália. Com a redescoberta dos quilombos, os conflitos seriam inevitáveis. Muitos querem essas áreas. Boi, bauxita, caulim, dendê, açaí ...abriram estradas. A Vale do Rio Doce é uma das maiores interessadas. Estava instalando uma imensa tubulação para o transporte de bauxita triturada até Belém. Tudo feito sem permissão. Mas as dezenas de quilombos dessa região não tem existência legal. E os demais? O silêncio os manterá longe dos olhos estratosféricos da Embrapa?

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