Quatro dias no Tibet, onde a vida flui a 4.900m de altitude
Mil metros de altura. Está tudo bem. Dois mil. Não sinto mudança no organismo. Três mil. Há algum pequeno desconforto. Três mil e oitocentos metros, direto para a cama e só levantarei ao chegar a Lhasa. Sensação de desmaio. Essa é a viagem no Trem das Nuvens, um moderno trem em uma ferrovia única. Um lugar maravilhoso, com picos que chegam a 7.000 metros.
Um lugar paradisíaco.
Tibet. Poucas palavras provocam imagens tão exóticas na imaginação de um viajante como esta de cinco letras. Monastérios de cúpulas douradas perdidos na imensidão de montanhas desnudas, lamas de túnicas vermelhas entoando cânticos rituais, estupas recortadas sobre um fundo de picos nevados, bandeiras de oração flamejando ao vento, pastores de yak, o boi tibetano, pelas intermináveis planícies…Assim era. Pelo menos no filme “Sete anos no Tibet”. Era.
Modernidade chocante.
Mas quando chega na estação de Lhasa e o táxi o leva ao centro da cidade entre blocos e mais blocos de edifícios, modernas lojas, fachadas de vidro e bairros inteiros vanguardistas…as leituras prévias se esfumaçam. “Isto é o Tibet?”, se perguntará assombrado. O cérebro dará um salto no ar quando passar pelo grande bairro muçulmano. Centenas de casas comerciais, todas pertencentes aos praticantes dessa religião, em uma negação do esperado comércio budista.
60 anos chineses.
A China celebrará no próximo setembro o 60º aniversário da criação da Região Autônoma do Tibet. Talvez Xi Jinping irá às festividades. Durante esses sessenta anos, a China investiu tal quantidade de dinheiro em infraestrutura e modernização do “teto do mundo” que os mais antigos não reconhecem essa cidade. Quero dizer que o Tibet deixou de ser o Tibet e não vale a pena conhecê-lo? Em absoluto. A magia dessa cidade extrema, onde a vida se desenvolve a 4.900 metros e em que o budismo lamaísta segue marcando a vida de seus habitantes, te enamorará.
A visita ao Potala é obrigatória.
Mas comecemos pelo principio. Uma vez em Lhasa a visita obrigatória será no Potala. Um enorme edifício em branco e vermelho que não se esquece na vida inteira. O Potala, a antiga residência dos Dalai Lama, é uma das construções mais impactantes e fotogênicas da Ásia. Uma montanha de cimento e tijolo coroada por cúpulas douradas que de noite, iluminado, parece uma nave espacial pronta para voar. Tem 13 andares e mais de mil quartos, dez mil santuários e umas duzentas mil estátuas. Mas a parte visitável quase nada mostra, é quase vazia. E eu tinha de respirar para conseguir chegar perto dos 3.650 metros de altura. É um esforço titânico. Lá, ainda vivem 80 monges. Sentirá, nesse percurso, uma onda de misticismo que impregna a construção. O Potala, no entanto, é mais espetacular por fora do que por dentro.
A poeira no Templo de Jokhang.
O outro grande atrativo de Lhasa é o Templo de Jokhang. Se o Potala era o centro administrativo do Tibet dos lamas, o Jokhang era e segue sendo o coração sagrado do budismo tibetano. É uma construção do século VII e chegou praticamente intacta aos nossos dias. O acesso, onde milhares de fiéis se postam de joelhos de maneira ritual de sua peregrinação, é um pátio com belíssimas colunas de madeira e mais de 1.000 Budas pintados nas paredes. Uma vez dentro, apesar da multidão de turistas, sentirás o peso da história e a espiritualidade impregnada nas paredes. Há dezenas de capelas de diferentes seitas budistas. Os turistas passam em fila, deixando cédulas de um yuan sob as estátuas. No percurso, visualizei uma cozinha. Sai do fluxo dos turistas e fui conhecê-la. Tudo nela é centenário. Mas, para desconsolo, há muita poeira nas imensas panelas, pratos e talheres. De uma ou outra forma, ainda que tenha muita modernidade, não há como não se enamorar do Tibet. É encantador.
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