Pensamentos negativos são doenças?
A patologização dos pensamentos negativos é um fenômeno crescente na sociedade contemporânea, e significa, a tendência de classificar sentimentos e emoções comuns como manifestações de distúrbios psicológicos. Esse processo é marcado pela medicalidade de experiências humanas cotidianas, transformando o desconforto emocional em condições clínicas, muitas vezes associadas a diagnósticos psiquiátricos e ao uso de medicamentos. Embora os avanços na saúde mental tenham permitido maior conscientização sobre transtornos psicológicos genuínos, o excesso de diagnósticos pode desconsiderar a complexidade da natureza humana.
Os pensamentos negativos fazem parte da vida e são respostas normais a situações de estresse, perda ou frustração, porém, em um contexto em que o bem-estar é cada vez mais associado a um ideal de felicidade constante, e postados, esses pensamentos acabam sendo vistos como algo anormal. As redes sociais e a cultura da "positividade tóxica" contribuem para essa percepção, pois promovem uma visão superficial de que é necessário eliminar qualquer tipo de desconforto emocional para se alcançar o sucesso ou a realização pessoal.
Essa patologização tem consequências significativas, ao rotular os pensamentos negativos como patológicos, corre-se o risco de desvalorizar a resiliência natural dos indivíduos, promovendo a dependência de soluções externas, como terapias e medicações, isso pode gerar um ciclo de busca por tratamentos que, em muitos casos, não são necessários, reforçando a visão de que emoções normais devem ser eliminadas.
Outro impacto é a estigmatização das pessoas que apresentam sentimentos negativos, em vez de permitir que se compreenda o sofrimento como parte do processo humano, a patologização pode fazer com que as pessoas se sintam inadequadas ou "doentes" por vivenciarem emoções que, na realidade, são esperadas em determinados contextos. Esse processo pode criar uma sociedade menos tolerante ao sofrimento, onde a dor emocional é vista como algo que deve ser imediatamente corrigido. É necessário encontrar um equilíbrio entre reconhecer o sofrimento psicológico genuíno e entender que nem todo pensamento negativo é um sinal de patologia, a linha entre o que é normal e o que é patológico pode ser tênue, e a identificação correta desses casos é essencial para fornecer o tratamento adequado, e isso deve ser feito por um profissional.
(*) Lia Rodrigues Alcaraz é psicóloga formada pela UCDB (2011), especialista em orientação analítica (2015) e neuropsicóloga em formação (2024). Trabalha como psicóloga clínica na Cassems e em consultório.