"Come, ou constrói": inflação atinge construção civil e impacta nos mais pobres
Produtos como cimento ou derivados de plásticos tiveram aumento expressivo de preço nos últimos dois anos

“Ou come, ou constrói”. A dona de casa Aparecida Pereira, de 54 anos, evidencia falta de escolhas provocada pelo aumento na inflação em todo País. Se por um lado, a edificação de um lava a jato há quatro meses é a forma que ela e o marido enxergam de tentar garantir uma vida digna, por outro, o crescimento de preços restringe ao que garante a própria subsistência.
O próprio cônjuge trabalha na construção do local, que está “sendo feito aos poucos”. Segundo Aparecida, o que mais pesa no orçamento são os preços da telha e cimento.
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Dá vontade de desistir. Nosso pensamento era para terminar agora, em agosto, mas como está tudo muito caro, vamos ter que adiar. Quando sobra um dinheiro, a gente compra uma bolsa de cimento e guarda. E assim vai”, narra Aparecida Pereira.
A conclusão da casa de Vera Lucia Gregório, de 51 anos, que há duas décadas começou a ser levantada no Bairro Rita Vieira, em Campo Grande, também deve ficar para depois. Isso porque os preços dos materiais de construção aumentaram muito nos últimos anos e já não cabem no orçamento da família.
Com frente para a Rua Maria Luiza P. Damas, bastante movimentada, a prioridade da dona de casa, neste momento, é a construção do muro, mas por enquanto, o projeto continua apenas na prancheta.
“Está muito difícil, porque o preço do material não para de subir. Vamos fazendo aos poucos, comprando quando dá e guardando. Para se ter uma ideia, quando fizemos a casa, compramos aproximadamente 8 mil tijolos e estocamos. Hoje não temos condições de fazer o mesmo para levantar o muro porque ficou tudo muito caro.”
Ela mora ao lado da edificação da igreja que congrega e afirma que o local sagrado também não escapou dos reflexos da inflação, que paralisaram o andamento das obras neste mês. “A obra parou por uma série de fatores, além do preço dos materiais, as doações também reduziram porque as pessoas não têm a mesma condição de antes para contribuir.”
Inflação - Segundo a empresária Eliza Goya Kohatsu, que atua há 36 anos no mercado imobiliário, o aumento do cimento foi de 40%, desde o início do período pandêmico. "Não falo que o cimento seja o vilão, pois acaba recebendo este título por ser um insumo muito mais utilizado que os outros e passa essa impressão.”
“É fato que o preço subiu substancialmente desde o início da pandemia, quando custava cerca de R$ 22 e hoje, R$ 37. No entanto, nos insumos que têm derivados de plástico como matéria-prima, como tubos e conexões, o aumento foi ainda maior.”
Conforme ela, o tubo de PVC de seis metros com 100 milímetros de diâmetro, antes da pandemia, era R$ 39,90. Hoje, o mesmo produto custa R$ 119 - ou seja, uma variação de 198%.
O presidente da Acomasul (Associação dos Construtores de Mato Grosso do Sul), Diego Canzi Dalastra, afirma que o indicador da inflação acumulada expõe o problema para o setor. “Em julho, tivemos um acréscimo de pouco mais de 1%. Ou seja, a variação mensal é praticamente irrisória. Porém, o acumulado do ano já registra um índice acima dos 8%.”

Mercado - Dalastra afirma que o programa Casa Verde e Amarela, que promove a construção de diferentes moradias no País, sofreu algumas mudanças importantes, como o aumento do prazo de financiamentos de 30 para 35 anos, “numa tentativa de minimizar os reflexos da inflação no bolso do consumidor e fazer que a parcela do financiamento se encaixe no orçamento da população”.
Ele afirma que as lojas de materiais de construção registraram queda no faturamento no mês de julho deste ano, o que pode ser reflexo da liquidez dos imóveis, que vem caindo ao longo dos meses. “Muitos imóveis à venda, consumidores dispostos a adquirir, porém a dificuldade está em fechar esta conta, pois o poder de compra não é compatível com os valores de mercado. Estamos vivendo um período de instabilidade, muita insegurança em novos investimentos.”
De acordo com o INCC (Índice Nacional de Custo da Construção), que mede a evolução dos preços de materiais, serviços e mão-de-obra destinados à construção de residências no país, o acumulado em 36 meses supera os 60%.
Isso quer dizer que uma casa popular que custava R$ 140 mil, há três anos, hoje custa R$ 224 mil. “Antes, a pessoa precisava ter R$ 28 mil para dar de entrada e agora precisa de R$ 45 mil, o que dificultou muito o acesso à moradia”, explica.
O construtor Diego Moura, de 37 anos, comenta que houve aumento no preço dos insumos logo no começo da pandemia. Aço, alumínio e cimento, por exemplo, ficaram mais caros e aumentaram o custo final da obra.
Ele afirma que a maioria dos imóveis vem de financiamento e que a avaliação bancária para que o procedimento de compra seja feito não sofreu alterações. “Por isso, não tem como repassar esses reajustes no valor final. Assim a gente acaba perdendo construtores. Com o aumento dos materiais essa margem ficou inviável e muitos construtores acabaram deixando o setor.”