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Esportes

"Goleiro tem que ser louco, goleiro que não é louco é viado”

Paulo Nonato de Souza | 07/07/2015 09:16
O lendário Carlos José Castilho, treinador do Operário de Campo Grande, na campanha do terceiro lugar no Campeonato Brasileiro de 1977 (Foto: Agência Estado)
O lendário Carlos José Castilho, treinador do Operário de Campo Grande, na campanha do terceiro lugar no Campeonato Brasileiro de 1977 (Foto: Agência Estado)

Final da década de 1970, o futebol era a principal referência de Campo Grande em nível nacional, especialmente com Operário e Comercial. As duas equipes mediam força nos campeonatos Estadual e Brasileiro, competiam sobre qual iria mais longe nas torneios nacionais e suas torcidas lotavam o Estádio Morenão às quartas-feiras e nos finais de semana.

E foi nesse clima de entusiasmo com o futebol local que cheguei em Campo Grande, ainda um adolescente, vindo de Dourados, para trabalhar de repórter esportivo na Rádio Educação Rural, e como já tinha alguma experiência com texto, acabei acumulando a mesma função na editoria de esportes do jornal Diário da Serra. Nos dois veículos, ambos já extintos, recebi a missão de setorista do Operário, considerado o time de maior torcida da cidade e o mais ousado nas contratações.

Logo no primeiro treino que acompanhei, percebi que o treinador Carlos Castilho, bicampeão do mundo pela Seleção Brasileira nas Copas de 1958 e 1962, eterno ídolo do Fluminense, não tinha o dedo menor da mão esquerda. Daí em diante, todas as vezes em que a gente se encontrava, eu ficava me perguntando: Como ele pode ter sido tão respeitado na posição de goleiro sem um dedo da mão? Foram alguns anos de convivência diária, inclusive em viagens pelo nosso Estado e por todo o Brasil na cobertura de jogos do Operário nos campeonatos estaduais e nacionais, mas nunca tive coragem de perguntar como ele ficou sem o dedo.

Só em 2013, ao ler o livro “Castilho Eternizado”, do jornalista Antonio Carlos Teixeira Rocha, fui saber o que havia acontecido com o dedo do ex-goleiro do Fluminense e da Seleção Brasileira, que para nós sul-mato-grossenses entrou para a história como o comandante da campanha do Operário de Campo Grande na conquista do terceiro lugar no Campeonato Brasileiro de 1977, algo digno de estatua no centro da cidade.

Por amor ao Fluminense e à profissão, Castilho amputou o dedo após a constatação de fratura em 1957. Como as formas mais adequadas de tratamento na época demandariam muito tempo, no mínimo dois meses, e o objetivo era voltar o mais rápido possível às atividades, afinal, tinha uma Copa do Mundo pela frente, ele próprio avaliou que o dedo mínimo não interfere na ação de um goleiro e decidiu pela amputação. Teve até que assinar um termo de responsabilidade civil porque os médicos do clube não concordaram, afinal a cirurgia significaria mutilação para o resto da vida. E foi um sucesso, tanto que duas semanas depois já estava de volta ao gol do Fluminense e acabou disputando a Copa do Mundo de 1958, na Suécia, como reserva imediato do também lendário Gilmar dos Santos Neves.

Castilho ainda com o curativo no dedo logo depois da cirurgia em 1957 (Foto: Google)
Castilho ainda com o curativo no dedo logo depois da cirurgia em 1957 (Foto: Google)

O livro tem um depoimento de Castilho sobre os bastidores da amputação do dedo, concedido à revista Manchete Esportiva, de 15 de junho de 1957, enquanto se recuperava em casa. Diz que antes da anestesia ainda ouviu a última frase do médico do Fluminense, Dr. Newton Paes Barreto: “Castilho, você é louco”.

No Operário, Castilho fazia questão de dar treinamento para os goleiros. Nos dias de treino físico, era comum ver o preparador físico Willian Puia fazendo a parte dele com os jogadores de linha, e o Castilho trabalhando com os goleiros.  Além de todo o cartaz que tinha na função, talvez fosse uma maneira de se sentir na ativa como goleiro, e ninguém poderia querer melhor conselheiro. Exigia o máximo de coragem e decisão dos seus pupilos nas saídas do gol, e muitas vezes ouvi ele dizer: “Goleiro tem que ser louco, goleiro que não é louco é viado”.

NOTA - Em 2 de fevereiro de 1987, o carioca Carlos José Castilho cometeu suicídio, aos 60 anos de idade. Se jogou do sétimo andar do apartamento da ex-mulher, Vilma, em Bonsucesso, no Rio de Janeiro. Sua morte ainda é cercada de muito mistério sobre o motivo que o levou a essa decisão fatal. Na época, ele era treinador da seleção da Arábia Saudita e repetia por lá a parceria de sucesso no Operário de Campo Grande com o preparador físico campo-grandense, Willian Puia.

Como treinador, além de levar o Operário de Campo Grande ao terceiro lugar no Brasileiro de 1977, ficando atrás apenas do São Paulo, campeão, e do Atlético Mineiro, vice, Castilho foi campeão paulista de 1984 dirigindo o Santos. Como jogador, disputou quatro Copas do Mundo -1950, 1954, 1958 e 1962, das quais, uma na condição de titular, a de 1954, na Suíça. Pelo Fluminense, clube que defendeu de 1946 a 1964, com 699 atuações, foi tricampeão carioca, bicampeão do Torneio Rio-São Paulo e vencedor da Copa Rio.

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