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Arquitetura

Atanásio e Iracema desbravaram “brejo” e ajudaram a criar bairro novo

Casas de madeira e alvenaria construídas com retalhos de construção seguem sem rachaduras há 45 anos

Danielle Valentim | 02/06/2019 08:02
Caprichoso e autodidata, Atanásio construiu as duas principais casas do quintal com retalhos de imóveis desmanchadas pelo povo oriental. (Foto: Danielle Valentim)
Caprichoso e autodidata, Atanásio construiu as duas principais casas do quintal com retalhos de imóveis desmanchadas pelo povo oriental. (Foto: Danielle Valentim)

Pássaros de cimento esculpidos à mão e expostos no portão levaram o Lado B à casa de dona Iracema Medeiros Rodrigues, de 66 anos, e Atanásio Rodrigues, de 71. A decoração é um mero detalhe diante da imensidão de histórias de um casal que desbravou junto à colônia japonesa a área hoje conhecida como Campo Novo.

A “nici” fez o patriarca da casa que abrigava dez filhos navegar por diversas profissões, inclusive a que proporcionou a construção da casa, que há mais de 45 anos segue sem rachaduras.

Você deve estar se perguntando quem é “nici”? Uma mulher? A mãe dele? Uma filha? A reportagem fez a mesma pergunta e caiu na pegadinha de seu Atanásio que em meio a gargalhadas respondeu que foi a “nicissidade” de sobrevivência.

Caprichoso e autodidata, Atanásio construiu as duas principais casas do quintal com retalhos de imóveis desmanchadas pelo povo oriental, sem nunca ter feito curso. As janelas, pisos em mosaico espalhados pelo quintal, as telhas, o forro e até as janelas se transformaram em estruturas resistentes e artísticas nas mãos de Atanásio.

Primeira casa feita logo no início do comodato. (Foto: Danielle Valentim)
Primeira casa feita logo no início do comodato. (Foto: Danielle Valentim)
Segunda casa de alvenaria à esquerda. (Foto: Danielle Valentim)
Segunda casa de alvenaria à esquerda. (Foto: Danielle Valentim)

A casa de cinco grandes cômodos é toda forrada em madeira. Na cozinha um balcão em cimento revestido com azulejo dá um ar “das antigas” e a despensa separada do imóvel deixam tudo bem parecido com casa de vó. O quintal grande em um terreno de medidas gigantes também conta com muitos vasos de flores e um altar dedicado à Nossa Senhora Aparecida a qual Atanásio é devoto. Tudo feito à mão.

“Deus ajudou muito porque empregado não passa da comida, roupa se for ganhada. Tem o que comer porque ainda planta. Não tinha um serviço certo”, conta.

Como tudo começou? Aos 6 anos, Atanásio já trabalhava na lavoura e nas plantações de café, bananas e alambique no bairro Estrela do Sul. Tudo dos japoneses que povoavam a região norte. A família de Iracema recém chegada do Ceará também prestavam os mesmos serviços.

O lote em princípio cedido, depois foi comprado por cinco cruzeiros que puderam ser pagos em 5 anos, conta Atanásio. (Foto: Danielle Valentim)
O lote em princípio cedido, depois foi comprado por cinco cruzeiros que puderam ser pagos em 5 anos, conta Atanásio. (Foto: Danielle Valentim)
Iracema e Atanásio se casaram, aos 13 e 17 anos, respectivamente. (Foto: Danielle Valentim)
Iracema e Atanásio se casaram, aos 13 e 17 anos, respectivamente. (Foto: Danielle Valentim)

“Meu pai tinha morrido e minha mãe trazia comida do Educandário para eu e minha irmã comer. Nós caçávamos tatu e como tinha muita cascavel a gente matava e os japoneses comiam. Do Coronel Antonino e Estrela do Sul pra cá tinha japoneses trabalhando. Como eu era criança, boa parte já morreu. Conheci Iracema trabalhando. O pai dela era cearense e trabalhava abanando café. A japonesada gostava de mim e quando a família da Iracema não tinha serviço eu passava um pouco pra eles. Foi aí que ela se apaixonou por mim”, brinca.

Cada um dos trabalhadores conseguiu uma área, na época, cedida pelo prefeito Marcelo Miranda. O primeiro comodato da cidade. Foi quando Iracema e Atanásio se casaram, aos 13 e 17 anos, respectivamente. Mesmo sem saber pintar, os primeiros materiais para a construção da casinha de madeira foram adquiridos após um serviço de pintura. O imóvel está do mesmo jeito e no mesmo quintal onde a estrutura de alvenaria foi erguida pouco tempo depois.

“Nós casamos no dia do meu aniversário, dia 4 de maio. As necessidades da época possibilitavam poucas coisas ou comprava um lote ou comprava um carro. Mas fui economizando até que eu tinha o lote e o carro”, conta Atanásio.

Nas horas vaga ainda produz peças na madeira. (Foto: Danielle Valentim)
Nas horas vaga ainda produz peças na madeira. (Foto: Danielle Valentim)
Portão guarda as obras de Atanásio. (Foto: Paulo Francis)
Portão guarda as obras de Atanásio. (Foto: Paulo Francis)

O lote em princípio cedido, depois foi comprado por cinco cruzeiros que puderam ser pagos em 5 anos. “Era muito dinheiro na época, uma prestação de cerca de dois centavos por mês”, lembra.

Os anos se passaram e em meio a muita peleja, Atanásio decidiu deixar de ser empregado e entrar no mundo da jardinagem. Naquela época, meados de 1972, para ganhar 600 cruzeiros com os serviço na lavoura somavam uns dois meses. Os trabalhos com jardim passaram a render 600 cruzeiros por dia.

“Depois de dois anos na jardinagem passei a fazer vasos de pneu, vendemos muito em Campo Grande. Eu tinha quatro entregadores e não dava conta. Depois andando na rua um dia vi um pássaro de cimento e colorido e decidi fazer igual. Foi um sucesso passei a fazer os pássaros e também vendi muito. Até a produção de mudas que já abasteceram as avenidas Afonso Pena e Mato Grosso. Modéstia à parte muita gente formada não descobre o que se passa com a planta, enquanto só de olhar eu já sei o que é. Tudo que temos foi conquistado no suor”, diz Atanásio.

Aos 26 anos, Iracema deu a luz ao oitavo filho, operou, mas adotou outras duas crianças. (Foto: Danielle Valentim)
Aos 26 anos, Iracema deu a luz ao oitavo filho, operou, mas adotou outras duas crianças. (Foto: Danielle Valentim)
Iracema aponta para as panelas que alimentavam os filhos. (Foto: Danielle Valentim)
Iracema aponta para as panelas que alimentavam os filhos. (Foto: Danielle Valentim)

Aos 26 anos, Iracema deu a luz ao oitavo filho, operou, mas adotou outras duas crianças. Iracema recorda da trabalheira que era alimentar todo mundo. “Eu tinha um tapete grande e eu ia servindo, quando terminava a fila tinha que voltar de novo”, lembra Iracema.

São 53 anos juntos, dez filhos, mais de 30 netos e oito bisnetos. A casa hoje vive no silêncio, mas a barulheira já foi grande. O casamento de mais de meio século é baseado na compreensão e respeito a individualidade.

“Primeiro que a gente se gosta e depois que ela nunca brigou comigo”, diz. “Quando ele tá nervoso eu deixo ele de lado. Se for depender de eu me estressar nunca vamos brigar”, completa Iracema.

Todo sábados e domingos, o casal sai para dançar na Bolero Casa de Shows ou Clube União dos Sargentos. Atanásio ainda trabalha quando surge bicos, mas atualmente recebe o benefício do Loas.

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