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Arquitetura

Desde incêndio no Mandela, vida em tenda passa longe de ser lar

Famílias que decidiram permanecer na comunidade têm vivido em acampamento temporário

Por Aletheya Alves | 28/11/2023 07:33
Deuzele é uma das moradoras que permaneceram na Favela do Mandela em tendas. (Foto: Aletheya Alves)
Deuzele é uma das moradoras que permaneceram na Favela do Mandela em tendas. (Foto: Aletheya Alves)

No canto da tenda, o fogão recebido por doação não pode ser usado, a hora de almoçar já não é mais livre, a pia é coletiva e nem a antiga rotina de limpeza consegue ser colocada em prática. Olhando para o espaço que divide com as outras famílias que decidiram permanecer ao lado da área destruída na Favela do Mandela, Deuzele dos Anjos Moia desabafa que os últimos 12 dias no acampamento deixam o sentimento de lar distante.

Quando as chamas se espalharam pelos barracos no dia 16 deste mês, a cabeleireira viu suas conquistas se desfazendo. Desde então, os sentimentos de desespero, tristeza e saudade de se sentir em casa se misturam enquanto novas definições sobre moradia definitiva não são colocadas em prática.

Assim como a ‘casa’ temporária é dividida, todas as outras estruturas básicas também são. O banheiro, que antes era privado, se tornou um químico, a hora do banho é em uma estrutura montada para duas pessoas e a pia para coletar água ou lavar os itens fica a céu aberto.

Visão da janela mostra tentativa de melhora com construção de varanda. (Foto: Aletheya Alves)
Visão da janela mostra tentativa de melhora com construção de varanda. (Foto: Aletheya Alves)

“A gente ficou aqui principalmente porque tem medo de sair. Cada dia fica mais difícil porque você não tá na sua casa. Meu barraco tinha tudo, não era nada novo, mas tinha”, explica Deuzele.

Durante o dia, a moradora do Mandela compartilha a tenda com uma colega, mas pela noite outras nove pessoas se reúnem para dormir. E, enquanto não consegue estabelecer seu cotidiano da forma com que deseja, os dias têm passado arrastados.

Se o espaço fosse seu, alguma decoração já teria sido colocada, móveis seriam angariados e as paredes, de tapumes ou outro material que também aparenta ser temporário, tomaria características pessoais. Enquanto esse momento não chega, as paredes seguem lisas e a tenda aparenta guardar tanto os poucos itens quanto as pessoas.

Explicando sobre a dinâmica de morar na tenda, Deuza, como é chamada na comunidade, relata que acorda cedo, por volta das 5h, não por ter compromissos, mas por não conseguir se manter dormindo. “Os dias têm continuado muito quentes, a gente não consegue dormir por muito tempo”.

Durante o passar das horas, o calor enfrentado sob a tenda continua fazendo efeito na programação limitada. Antes, após acordar, a moradora prepararia seu próprio café, mas hoje precisa aguardar pelas refeições oferecidas em horários pré-definidos.

“Eu pego só um copo de café e depois como no almoço. Hoje mesmo, eu fiquei enjoada e não tive vontade de comer, mas não posso fazer minha própria comida do meu jeito em outro horário. Aí espero a próxima refeição”, diz Deuza.

Tanque é compartilhado entre os moradores que decidiram permanecer. (Foto: Aletheya Alves)
Tanque é compartilhado entre os moradores que decidiram permanecer. (Foto: Aletheya Alves)
Estrutura para tomar banho foi adaptada para a comunidade. (Foto: Aletheya Alves)
Estrutura para tomar banho foi adaptada para a comunidade. (Foto: Aletheya Alves)

Entre o período de refeições, a rotina tem consistido em entrar e sair da tenda, ao menos aproveitando a varanda que foi improvisada pelos próprios moradores. De acordo com a cabeleireira, pedaços de madeira que restavam na comunidade foram unidos com lonas recebidas em doação para fazer a cobertura.

Por ali, do lado de fora, ela e outros vizinhos também se juntam quando o sono vai embora ou as horas passam mais lentamente. Questionada sobre seu trabalho realizado antes do incêndio, Deuza pontua que com a perda de seus equipamentos e estrutura, o ânimo das clientes também diminuiu.

“Quando aparece alguma das meninas que querem se arrumar, preciso sair daqui e ir até a casa da minha filha que é próxima daqui. Lá eu consigo trabalhar, mas no meu barraco eu tinha montado um espaço para isso também.”

Outro ponto narrado por ela é a tristeza de estar ao lado da antiga área de casas, mas ir para um alojamento também não é algo desejado pela moradora. “No dia do incêndio, eu fiquei vendo tanto o desespero dos outros que não consegui nem chorar pelo meu. Depois é que entrei e vi como tudo tinha ficado, aí sim fiquei mal”.

Desde então, ela narra que vem se recuperando das memórias correndo com botijão de gás para que ele não estourasse e com medo de ver suas amigas perdidas dentro dos barracos.

Com essas cenas na mente, Deuza garante que não sente vontade em reconstruir o lar ali, no cenário das chamas. “O cheiro de fumaça e imagina você construir com medo de tudo isso acontecer. Tem tudo isso, então a gente precisa continuar aqui, rezando pelo nosso terreno de verdade para eu fazer minha casa do meu jeito. Aí sim”.

Sem muitas novidades até o momento, Deuza e os outros moradores ainda devem seguir na rotina temporária por tempo indefinido.

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