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Arquitetura

João jura que não trocaria chácara “Cantinho do Céu” nem por 50 hectares

Combinação pouco provável entre o que ninguém mais quer, flores e frutas formam entrada do lar à beira de estrada

Guilherme Henri | 04/04/2018 08:24
"Cantinho do Céu" fica na MS-080 antes de chegar na rodovia BR-262 perto do Detran (Foto: Direto das Ruas)
"Cantinho do Céu" fica na MS-080 antes de chegar na rodovia BR-262 perto do Detran (Foto: Direto das Ruas)

O nome “Cantinho do Céu” parece pouco provável para quem olha quando passa na MS-080 e vê um amontoado de coisas que ninguém mais quer, ao lado da carcaça de boi e de uma bandeira do Brasil. A estranha combinação dá forma à fachada pouco discreta do pedaço de terra onde vive o casal João Caldas Leonel, 50 anos, e Maria de Jesus Miranda, 56 anos.

É ali onde há cinco anos o casal cria quatro netos como se fossem filhos e João garante: “Não troco isso daqui nem por 50 hectares!”

Maria sorri bastante, mas deixa a cargo do marido o enredo da vida do casal. João conta que a peregrinação dos dois começou antes de erguerem o “Cantinho do Céu”, a poucos quilômetros dali, no bairro Indubrasil.

Lá, ele não sente vergonha nenhuma em dizer que “vivia na cachaça”. "Eu morava com Maria na beira da rodovia. A filha dela se perdeu nas drogas e a gente começou a ver os filhos dela serem separados em abrigos. Pensei comigo que aquilo não tava certo não. Saímos catando todos eles e aí pensei ‘meu Deus e agora o que vou fazer com essas crianças'", detalha o avo postiço, ao falar do neto de 16 anos e das meninas de 15, 12 e 10.

"Faixada de entrada de chácara" ao lado de janela e outros materiais recolhidos por João (Foto: Guilherme Henri)
"Faixada de entrada de chácara" ao lado de janela e outros materiais recolhidos por João (Foto: Guilherme Henri)
Passarela de entrada é 'decorada' com materiais recicláveis e coisas que ninguém mais quer (Foto: Guilherme Henri)
Passarela de entrada é 'decorada' com materiais recicláveis e coisas que ninguém mais quer (Foto: Guilherme Henri)

A situação ficou ainda pior quando o casal recebeu a notícia que teria de deixar o barraquinho, montado em área invadida. Nessa época, João já recolhia materiais recicláveis pelas ruas para o sustento da família. “Nas minhas andança eu só pensava ‘Deus tudo que eu quero é um pedacinho de terra para chamar de ‘meu cantinho’ onde eu quero sossegar”, lembra.

Foi então que de bicicleta no caminho de volta para o barraco que logo seria demolido que João vislumbrou no pedaço de terra sem cuidado algum o que seria hoje o seu lar. “Carpimos tudo, erguemos um barraquinho maior e aí virou o ‘Cantinho do Céu’”, detalha.

Ao se referir sobre a então chácara, que segundo ele, deve ter cerca de 600 metros quadrados, as risadas de João se tornaram mais recorrentes al lembrar que a ‘terra’é de fato abençoada. “Menino do céu, aqui pega é tudo. Tem pé de mamão, maracujá e já penso em fazer uma horta”.

Flores que estão na entrada do 'Cantinho do Céu' (Foto: Guilherme Henri)
Flores que estão na entrada do 'Cantinho do Céu' (Foto: Guilherme Henri)

As frutas ainda dividem espaço com várias espécies de flores, que foram colhidas ao logo do trecho e deixam o lugar ainda mais vivo. Até então a combinação parece formidável para uma chácara convencional, mas o ‘toque’ da “Cantinho do Céu’ é que toda essa beleza compõe o cenário com janelas, blocos, canos, caixotes de madeiras e cadeiras de plástico. “Mexo com reciclável né. Essa é a nossa cara”, diz João.

O “Cantinho do Céu” ainda é lar para dois cachorros, um gato e dois porcos. “A maioria peguei da rua sabe. Bicho que ninguém quer. Um deles, o Tadeu, tem que ficar amarrado quando saio para trabalhar, porque o bicho me segue e depois dá o povo doido na rodovia atrás dele”, conta com uma sonora gargalhada.

Na prosa, a única coisa que fez o som do sorriso se esvair da conversa e que também tira o sono de João a noite foi a incerteza. Segundo ele, o “Cantinho do Céu” na verdade pertence à União e ele sabe que a qualquer momento pode ter que deixar o lugar. “Meus netos estão tudo estudando. Eles pegam ônibus e vão para Rochedo. Trabalho mas, o dinheiro não sobra. Não temos para onde ir”, desabafa.

Barraco onde João, Maria e quatro netos moram (Foto: Guilherme Henri)
Barraco onde João, Maria e quatro netos moram (Foto: Guilherme Henri)
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