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Comportamento

Aos 104 anos, Delarinda não abre mão do jornal e da cervejinha na hora do almoço

Thailla Torres | 18/02/2017 07:05
Trabalho e alegria de viver são, na opinião de dona Delarinda, segredos para preservação da vida. (Foto: Alcides Neto)
Trabalho e alegria de viver são, na opinião de dona Delarinda, segredos para preservação da vida. (Foto: Alcides Neto)

Delarinda aparece na sala do apartamento onde vive fazendo força para se levantar da cadeira de balanço e dar um abraço ao saber da entrevista. Ela, que nunca gostou de mencionar a idade, comemora hoje 104 anos de vida. É de 18 de fevereiro de 1913. Mas as felicitações já começaram há semanas na família que guarda lembranças de um mãe e avó batalhadora.

Com sorriso tímido e um jeito contido, Delarinda Bruno Szachalewicz vive em Campo Grande ao lado da filha Sônia Szachalewicz Loureiro, de 78 anos. O sobrenome difícil de pronunciar tem explicação no casamento. “Meu marido era russo”, explica Delarinda.

Apesar da idade, ela escuta bem, mas faz um esforço para responder tudo. As vezes, a memória vai ficando para trás. Mesmo assim, tem coisas que ela nunca esquece. “A cabeça é cheia de memórias e uma atrapalha a outra”, justifica.

Na rotina além de tomar uma cervejinha, Delarinda lê jornal todos os dias. (Foto: Alcides Neto)
Na rotina além de tomar uma cervejinha, Delarinda lê jornal todos os dias. (Foto: Alcides Neto)

Dos 20 irmãos, só Delarinda está viva. Das gerações que vieram depois, a mãe de três filhos já conta 7 netos, 8 bisnetos e 4 trinetos.

Bem vestida e com vaidade aparente, dona Delarinda segura o jornal que faz questão de ler todos os dias. A rotina é levantar cedo, ver televisão, muitas vezes até conversa com o apresentador. Também curte os amigos e, claro, não abre mão da cervejinha gelada na hora do almoço. “Eu gosto, mas é só um pouquinho”, garante.

A filha Sônia ajuda nas lembranças. Ela conta que a mãe nasceu me Cuiabá e, antes de chegar a Campo Grande, foi morar em Corumbá em 1936, logo que casou.

“Ela conheceu meu pai em Cuiabá, ele veio da Rússia refugiado do período de guerra. Meus avôs mandaram o meu pai para cá. Naquele tempo, ele trouxe também muito ouro, eu não sei como, mas trouxe. Quando chegou aqui, até vendia ouro para médicos e dentistas. Quando casou com a minha mãe, vieram para Corumbá, foi ali que a nossa família praticamente se criou”, recorda Sônia.

Delarinda e Sônia moram juntas em Campo Grande. (Foto: Alcides Neto)
Delarinda e Sônia moram juntas em Campo Grande. (Foto: Alcides Neto)

Durante a vida, a mãe sempre manteve o jeito exigente para que tudo fosse feito da maneira correta. Trabalho sempre esteve no sangue e, desde que Sônia se entende por gente, lembra dos pais batalhando para dar uma vida digna aos filhos. 

“Minha mãe sempre foi dona de casa, mas também trabalhava com a culinária, fazia salgados, bolos e doces para festas. Eram receitas de família. Ela sempre gostou muito de cozinhar. Fazia uma empada como ninguém e uma saltenha de carne de dar gosto”, elogia a filha.

“Sempre fui de cuidar crianças e atender os que precisavam”, lembra Delarinda sobre os anos de dedicação.

Sônia recorda que, enquanto o pai trabalhava em um bar em Corumbá, a mãe distribuía os salgados. Cansaço, foi palavra que nunca existiu. "Ela estava sempre disposta e preocupada conosco. Ela e meu pai queriam o melhor pra gente. Foi no trabalho que eles formaram três filhos. Eu em Pedagogia, um Medicina e outro em Administração", se orgulha. 

O pai faleceu aos 68 anos, em 1975. Delarinda continuou trabalhando firme. Alguns anos depois, quando o filho caçula morreu, deixou de se dedicar à culinária. "Foi um momento muito difícil para ela, era nosso irmão caçula e ela tinha todo apego. Quando ele se foi, ela não quis mais fazer nada. Mesmo assim, continuou sorrindo", diz.

Delarinda ao meio, ao lado de uma das irmãs e o marido Bonifácio.
Delarinda ao meio, ao lado de uma das irmãs e o marido Bonifácio.

De vestido estampado, perfumada e unhas feitas, ela que nunca gostou de falar da idade, faz questão de deixar a vaidade à mostra. "É só a vontade de viver", justifica rapidamente sobre o segredo da longevidade. 

De um jeito simples, fala das razões que preservaram a vida e deram à ela o privilégio de chegar ao 104 anos. "Eu sempre fiz tudo com muita vontade e amor. É isso que mantém. A gente tem que fazer o que gosta, não é", reflete. 

Sônia lamenta não ter o registro de nascimento original para exibir e diz que muitas vezes se sente mais fraca que a mãe. "Eu acho que é a vontade de viver e a cabeça jovem que a mantém viva. Ela nunca se entregou, sempre gostou de trabalhar e as vezes, quando eu falo que estou cansada, ela fica até brava comigo", conta.

Dentro do apartamento, Sônia sente falta da cantoria nos dias em que a mãe perde a energia. "Tem dias que está toda faceira, mas em outros ela esquece as palavras. Ela sempre gostou muito de falar, cantar e fazer poesias. Até hoje ela canta, o dia que eu não escuto uma música, eu fico triste", lamenta a filha. 

Com ajuda de Sônia e as mãos na cabeça, como quem faz de tudo para lembrar as palavras, Delarinda dispara uma poesia antes da despedida:

"Quem canta seus males espanta
Quem chora seus males alimenta
Eu canto para disfarçar
Uma saudade que me atormenta
Choro dia e choro noite
Sem haver consolação
Por ver ausente aquele, que dei meu coração..."

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