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Comportamento

Cadeira na calçada ficou vazia, depois de 20 anos ocupada por seu Hermínio

Paula Maciulevicius | 25/01/2017 06:15
Família continua tradição de décadas de seu Hermínio e até hoje tomam mate em frente de casa. (Foto: Alcides Neto)
Família continua tradição de décadas de seu Hermínio e até hoje tomam mate em frente de casa. (Foto: Alcides Neto)

A matemática já transformou 10% do tempo em que a cadeira na calçada era ocupada por seu Hermínio, em saudade. Depois de mais de 20 anos sentando todos os dias, no final da tarde, em frente à garagem e com chimarrão para ver o movimento, desde 2015 um dos assentos está vazio. Os portões da casa quase da esquina da Argemiro Fialho não se abrem mais para os cabelos brancos do velhinho que viu a cidade crescer para os lados da Vila Bandeirantes. 

O que ficou de quem partiu é explícito na cena. Filhos, genro e neta sentados no mesmo lugar onde passaram as últimas décadas ouvindo as histórias do patriarca e passando o chimarrão de mão em mão. Descendente de gaúchos, era para o mate que ele se sentava ali, como também era para cumprimentar os amigos que a rua lhe deu. 

Seu Hermínio ficou viúvo por duas vezes, teve sete filhos e somando netos e bisnetos, são 11 herdeiros. De câncer, depois de sete meses de uma parada cardíaca, ele partiu deixando um banco de madeira da Noroeste da década de 40 como legado e a cadeira lá fora para o mate. 

Seu Hermínio no último ano em que esteve na calçada, a olhar o movimento.
Seu Hermínio no último ano em que esteve na calçada, a olhar o movimento.
E a cadeira que hoje está vazia, mas continua lá na frente. (Foto: Alcides Neto)
E a cadeira que hoje está vazia, mas continua lá na frente. (Foto: Alcides Neto)

"Em 1951 ele construiu a primeira casinha dele aqui", começa a contar o filho caçula, Jeter Souza Machado, de 55 anos. À época da compra, a escolha de fixar moradia ali é justificada pelo preço. "Devia ser um dos terrenos mais baratos recentemente abertos", acredita o genro Valdecir José da Costa, de 60 anos. 

Seu Hermínio começou a trabalhar ainda menino, depois de perder o pai aos 9 anos de idade. Como tinha muitos irmãos, foi pego por um tio para tocar boiada, profissão que exerceu no Pantanal. Do boi para a plantação, quando jovem Hermínio passou pela lavoura até chegar ao cargo de motorista da primeira empresa de ônibus de Campo Grande. 

Dos anos em que atuou na Noroeste, a memória sempre foi material. Parte do trilho da madeira virou um banco datado de 1941. "Esta é minha herança", apresenta a filha Janes Machado da Costa, de 57 anos.

Descendente de gaúchos, tereré não saía das mãos do senhorzinho. (Foto: Alcides Neto)
Descendente de gaúchos, tereré não saía das mãos do senhorzinho. (Foto: Alcides Neto)

Quem sempre passou ali na frente, acompanhou por anos a tradição do senhorzinho. Juntar os familiares para contar sua história não era tarefa difícil, porque o costume passou de pai para filho e os portões da garagem nunca deixaram de estar abertos no final de dia. 

"Quando ele veio para cá isso aqui era uma chacrinha, tudo era de terra, um chão de areião. Ele trouxe gado leiteiro e criava aqui. Depois foi vendendo os lotes. Ele não achava que o progresso ia ser tão rápido", narra o filho Jeter.

Por gostar tanto do bairro que escolheu para ser endereço de casa, seu Hermínio abriu um comércio no terreno vizinho, uma mercearia que vendia de chapéu a arroz de saco. "E naquela época tinha uma estrada boiadeira que passava aqui próximo e cortava lá para o Pantanal. Os boiadeiros vinham comprar mantimento com ele", recorda o filho. 

Foi daí que surgiu o hábito de sentar em frente à rua. 

Banco de madeira de 1941, feito com madeira dos trilhos da Noroeste. (Foto: Alcides Neto)
Banco de madeira de 1941, feito com madeira dos trilhos da Noroeste. (Foto: Alcides Neto)

"A gente aprendeu a chimarrão tomar desde cedo. E ele morreu tomando. Tinha tantos amigos e conhecidos aqui, todo mundo gostava dele", adianta a história a filha Janes. Nos últimos meses de vida, a cadeira de plástico fora substituída por uma de rodas, mas sem nunca deixar o mate sair de cena.

O comércio montado ao lado de casa persiste hoje no segmento de material de construção e até pouco tempo antes de partir, se alguém precisasse sair, era seu Hermínio quem ficava de olho. "Ele me chamava de filho e dizia: 'meu filho, vai empacotar sua areia que eu estou cuidando da loja'. Eu sempre deixava uma campainha sem fio para ele apertar o botão", recorda o genro Valdecir.

O lugarzinho dele de sentar tanto lá fora como na mesa de jantar está guardado. "Tudo lembra ele. Onde ele gostava de se sentar, as histórias que vivia contando. Meu pai, apesar de ter tido uma vida sofrida, foi um grande herói na minha vida", declara Janes. 

Na simplicidade, seu Hermínio fez grandes amigos que até hoje sentem saudades de o ver tomando mate na frente de casa. "As pessoas perguntam: cadê o senhorzinho que sentava aqui?', repete Janes. E a resposta é: 'seu Hermínio morreu em 23 de maio de 2015, tem quase dois anos, aos 95, mais lúcido que a gente". 

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