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Comportamento

Centenária, dona Bíla espalhou crochê pela cidade e morreu recitando poesia

De tão apaixonada, nome do marido virou apelido da primeira primeira-dama de Bela Vista

Paula Maciulevicius | 10/01/2017 06:05
Abílio e dona Bíla. Apaixonada pelo marido, ela foi apelidada a partir do nome dele. (Foto: Arquivo Pessoal)
Abílio e dona Bíla. Apaixonada pelo marido, ela foi apelidada a partir do nome dele. (Foto: Arquivo Pessoal)

A história da primeira primeira-dama de Bela Vista nem um incêndio foi capaz de destruir. De tão apaixonada pelo marido, Edwirgens Gomes de Sá ganhou apelido a partir do nome de seu Abílio de Sá. Dona "Bíla" nasceu em 1890 e morreu nos primeiros anos de 1990, com 102 completos, recitando versos de um "abcdário" criado por ela mesma, depois de espalhar crochê toda cidade.

É o bisneto dela quem revive o passado de infância na tentativa de não deixar morrer o legado da família. Curitibano, Alexandre Moreira de Medeiros tem hoje 51 anos e desde outubro passou a viver na região de Jardim, onde fica parte das fazendas da família.

"Meu pai era neto da dona Bíla, nascido em Bela Vista, agora que estou morando da fazenda que eles moraram logo que chegaram do Rio Grande. Neste mundo contemporâneo que a gente está, acaba dispersando e essa história nunca saiu da minha cabeça", explica Alexandre.

O que ele sabe se baseia nas lembranças da bisa que morreu quando ele já tinha mais de 20 anos de idade e nas conversas que tem com os familiares. "Sempre gostei dessas histórias, me lembro de sentar em volta e ela contando com a maior alegria do mundo", recorda o consultor jurídico.

Dona Bíla nasceu em São Borja, no Rio Grande do Sul, era pianista e poetisa. Perdeu a mãe no nascimento e fora criada pelos tios como filha, além de ser apadrinhada pela família do então presidente, Getúlio Vargas. 

Teve todos os mimos, mas também foi muito cobrada na sua educaçãoQuando moça, foi apresentada para um amigo de infância e companheiro de Getúlio Vargas e com quem se casou. "No início do século passado, eles deixam para trás, o conforto e as lembranças, seguindo de mudança para o Estado antigo do Mato Grosso em caravanas, junto ao seu piano", conta.

A família chegou com os mais velhos dos cinco filhos que tiveram, de navio pelo Rio Uruguai. "Em volta de seu piano ou na cadeira de balanço, junto aos filhos, netos, bisnetos e tataranetos, com alegria falava do seu passado, e muitas destas histórias coincidiam com as informações cedidas pelas inúmeras cartas de Getúlio com a família", relata Alexandre.

Junto dos filhos e netos, dona Bíla é a senhorinha de branco e óculos redondinho.
Junto dos filhos e netos, dona Bíla é a senhorinha de branco e óculos redondinho.

"Eles tiveram cinco filhos, mas no total criaram 13, entre eles dois netos", contabiliza junto dos adotivos. Alexandre morou em Bela Vista, perto da bisavó até os 11 anos de idade. "Ela morava num sobrado, eu era muito criança, nem tinha entrado na escola ainda e ia comer biscoito e pão na casa dela. Isso eu nunca vou esquecer".

As lembranças aparecem carregadas de saudade do pé de jabuticaba e do som do piano que sempre soava pela casa.

A história documentada foi queimada. Um incêndio na propriedade de um dos netos deu fim a documentos e fotos e o que ficou, parte das correspondências trocadas pelo casal com a família de Getúlio Vargas estão no museu dedicado ao presidente. De registro, restou pouco. Mas na memória, há muito ainda de dona Bíla. 

"Meu bisavô Abílio foi o primeiro prefeito e ela a primeira primeira-dama de Bela Vista, registrado mesmo", relata o bisneto. 

Quando a idade impediu a agilidade dos dedos ao piano, dona Bília se pôs a fazer crochê. O movimento das agulhas não se limitava a trabalhar apenas para a família, é do que se lembra a neta da centenária e tia de Alexandre, a educadora Antonieta Mesquita "Quando eu me casei, ela fez muito crochê para mim. Mas Bela Vista inteira tinha crochê da vovó. Depois que parou de tocar piano, o foco foi o crochê", revela. 

O marido se foi primeiro, de derrame e ela ainda resistiu décadas depois. A cada vez que dona Bíla falava de Abílio, os olhos se enchiam d'água. "Vovó sentava numa cadeira e recitava uns versos. Ela tinha um abcedário onde todas as letras tinham uma fala. A era algo do amor e uma das letras, ela se recordava do vovô. Era algo assim: 'me espera um dia no paraíso' e a hora que ela falou, deixou a cabeça cair. Morreu falando de saudade", conta a neta Antonieta, de 64 anos.

O que ela mais ensinou para a família? "Eu diria que ela foi um referencial para toda família e amigos dentro de toda essa região. Todo mundo fala dela com saudade e olha que ela viveu 102 anos", se orgulha o bisneto. 

Logo que Alexandre escreveu a narrativa nas redes sociais, ganhou elogios e acréscimos a história que começou a escrever nos comentários. Um deles, trazia a foto do crochê da vó Bíla. "Hoje vivo em partes destas terras. Vó Bila morreu com 102 anos de idade. Saudades..."

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