Cirlene limpa túmulos há 30 anos, ofício que herdou do avô
Ela cuida de quase 60 túmulos no Cemitério Santo Antônio, alguns que já eram cuidados pelos avós
Sob o sol nada generoso das 10h, Cirlene Vieira dos Santos, de 54 anos, limpa cuidadosamente a entrada de um dos mausoléus do Cemitério Santo Antônio. Há 30 anos, ela realiza o trabalho de limpeza de quase 60 túmulos, um serviço que começou com o avô, passou para as tias, até chegar a vez dela.
RESUMO
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Cirlene Vieira dos Santos, de 54 anos, mantém viva uma tradição familiar de três décadas no Cemitério Santo Antônio, em Campo Grande. Ela é responsável pela limpeza e manutenção de cerca de 60 túmulos, trabalho que herdou de seus avós, Paulo Francisco e Leonísia Luzia. Frequentadora do cemitério desde os seis anos de idade, quando acompanhava os avós em suas tarefas, Cirlene assumiu o ofício aos 24 anos. Seu trabalho inclui limpeza, enceramento e cuidado com plantas, mantendo a confiança das famílias que, em muitos casos, são clientes há mais de 60 anos. Ela acredita que a tradição familiar terminará em sua geração, já que seus filhos seguiram outras profissões.
A camisa de mangas longas e as galochas compõem o uniforme de trabalho, enquanto a carriola, o balde, o regador e o rodo são seus instrumentos. Pelo menos três vezes por semana, Cirlene marca presença no cemitério onde brincava e se divertia quando tinha apenas seis anos, acompanhando os avós, Paulo Francisco e Leonísia Luzia, que realizavam a limpeza na época.
A memória mais antiga que Cirlene guarda do cemitério é a das árvores, hoje, presentes apenas em seu imaginário. O jambo, o abacateiro e a mangueira foram cortados há décadas. É assim que começa a nossa conversa: com ela falando sobre as árvores e sobre as diversas pessoas que tornavam o cenário do local mais movimentado, bem diferente de hoje.
“Eram muitas famílias, assim, que trabalhavam pela prefeitura, igual o meu avô, que veio da Praça Ary Coelho para cá. O seu Orlando, Teobaldo, são pessoas que trabalhavam aqui. Hoje, são todos falecidos, mas trouxeram a família deles. Tanto, que não sou só eu”, conta.
Autônoma, Cirlene realiza o serviço de limpeza particular para as famílias que pagam para que ela mantenha os túmulos e mausoléus limpos, encerados, as plantas regadas e a poeira afastada. São 54, para ser exata, e boa parte é cuidada pela família dela há gerações. “A maioria dos meus serviços são de pessoas que foram do meu avô, clientes”, completa.
O mausoléu que Cirlene estava limpando na quarta-feira (22), quando a visitamos, é um desses exemplos. “Esse aqui antes era um tumulto normal, com planta, tudinho. Meu avô pegou para molhar as plantas e aí pediram para ele manter limpo”, diz.
Mas, como ele também realizava outros serviços no cemitério pela prefeitura, o jeito foi chamar a Leonísia para ajudar. A partir disso, Cirlene comenta que se tornou uma frequentadora do cemitério.
Éramos crianças, pulávamos o muro da Zahran para cá. Acompanhávamos a minha avó para não ficar em casa. Eu tinha seis, sete anos. Para nós, quando criança, era brincadeira”, recorda.
Só deixou de ser brincadeira quando Cirlene completou 24 anos e assumiu o ofício com seriedade, tendo a confiança das famílias que antes contratavam o serviço dos avós. Ela explica como é fazer o que faz e ter assumido o posto deles.

“Você tem aquela responsabilidade e os proprietários têm aquela confiança na família. Confiaram no meu avô isso aqui há mais de 60 anos”, pontua.
O cronograma de serviço, os horários e os dias são todos organizados por ela. Autonomia e liberdade que Cirlene não abre mão, embora tenha tentado deixar o ofício há 10 anos, mas voltou e permaneceu com muito gosto. Embora exerça uma profissão antiga, a mesma ainda é desconhecida para muitas pessoas, o que gera curiosidade e rende muitas perguntas.
Tem quem fale: ‘Mas no cemitério, como você faz, como assim limpeza?’. Eu digo que é uma limpeza normal, igual pegar uma casa para limpar, mas sem as panelas”, relata.

Hoje, Cirlene cuida de túmulos e mausoléus de famílias cujos parentes ela conheceu em vida. Ela cita vários nomes e sobrenomes, alguns de antigos patrões, que deixaram parentes que agora são patrões dela. É o ciclo da vida e da morte, dá para dizer que Cirlene trabalha com os dois.
Ao falar sobre um dos patrões, a autônoma relembra uma conversa que teve sobre esse mesmo assunto. “Muitos deles falam assim: ‘Olha, enquanto estou viva vou manter e confio em você para manter tudo limpinho. Agora, depois que eu morrer, não sei’. Então, eles tinham essa consciência”, afirma.
E, apesar das diversas despedidas, ela revela que ainda não se acostumou com essas ocasiões. “Você pega uma intimidade, um carinho das pessoas. Eu cuido da família do seu Lito e, quando ele faleceu, para mim… Ele era uma pessoa que estava aqui todo mês, conversava, brincava com meus filhos. Então, você passa a fazer parte daquela família”, desabafa.

O Cemitério Santo Antônio também é o lugar de descanso da avó de Cirlene, que nos leva para conhecer o túmulo de Leonísia. O túmulo onde ela está é cuidado pela neta, com rosas, girassóis e outras flores sempre regadas, imagens de santas intactas e a pedra muito bem encerada.
É no silêncio do cemitério que Cirlene trabalha, ainda sem data para parar. Talvez, o ofício que vem sendo passado há gerações termine na vez dela.
“Meus filhos, cada um tem sua profissão. Então, acredito que vá acabar em mim”, conclui.
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