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Comportamento

Com filho morando na rua, família vive angústia de esperar pior notícia do mundo

Paula Maciulevicius | 18/03/2017 07:05
O maior drama da família são as notícias. "A gente pensa que em qualquer momento vai acontecer uma coisa perigosa", esperam... (Foto: Kisie Aionã)
O maior drama da família são as notícias. "A gente pensa que em qualquer momento vai acontecer uma coisa perigosa", esperam... (Foto: Kisie Aionã)

Quando o telefone toca, quando alguém bate palmas em frente à casa simples do Noroeste, o coração da família Alves dispara. O filho de 28 anos é usuário de drogas desde os 13. Entre idas e vindas do presídio, a cada liberdade ganha, dona Suzana vê o filho passar em casa, dizer que saiu e voltar às ruas.

Suzana tem 68 anos, trabalhou a vida toda de empregada doméstica e hoje é aposentada. Mãe de cinco filhos, o caçula é a que faz chorar e rezar sem parar. Marcos foi apreendido ainda na adolescência, entre os 12 e 13 anos e depois já voltou para o presídio outras três vezes, sempre por roubo. 

Em liberdade há pouco mais de um ano, o ritual é o mesmo. Enquanto ele está atrás das grades, Suzana vai toda semana visitá-lo. Portão afora, o filho passa pela casa, mas segue para a rua. "Que a gente sabe, ele usa desde pequeno", resume Suzana Alves. "A gente percebe, né? Mãe sempre percebe", completa.

Suzana mais chora do que fala. A mãe morre de medo de perder o filho para as drogas. (Foto: Kisie Aionã)
Suzana mais chora do que fala. A mãe morre de medo de perder o filho para as drogas. (Foto: Kisie Aionã)

A irmã Laudinéia narra que de início, havia só a desconfiança. Mesmo diante de tantos relatos de vizinhos, a família custou a acreditar. Preferia que não fosse verdade. "Mas depois das idas dele para a rua... Ele só aparecia no hospital ou preso. Depois que vai para a rua, não aparece mais", explica a diarista Laudinéia Alves, de 31 anos.

Marcos fica junto dos demais usuários de drogas na 7 de Setembro, Centro da cidade. Quando querem saber notícias, mãe e irmã vão até ele, que de longe as manda embora, muitas vezes por vergonha.

"Ele vê a gente e morre de vergonha. De longe, faz assim com a mão para a gente ir embora", descreve Laudinéia. É mais fácil encontrá-lo à noite, durante o dia, ele passa a maior parte do tempo dormindo. "Diz que é em hotel, mas a gente sabe que não", argumenta a irmã.

O pai nunca foi. Nem no presídio, nem nas ruas. "Se eu for, ele corre. Já ajudei muito na cadeia, já paguei dívida na porta de casa para ele não morrer. A gente fica sentido, mas conformado. O que vai fazer?" se pergunta Geraldo Alves, de 65 anos.

O pai nunca o pôs para fora e diz que preferia o filho roubando dentro de casa do que nas ruas. (Foto: Kisie Aionã)
O pai nunca o pôs para fora e diz que preferia o filho roubando dentro de casa do que nas ruas. (Foto: Kisie Aionã)

"Mãe chora, eu desabafo falando. Teve um dia que ele chegou alterado, estava frio e deitou na rede. De madrugada eu fui chamar para ele entrar. Tinha uma mesa de plástico aqui que ele jogou em mim e me xingou tudinho. Ele sai porque quer, não porque a gente manda", desabafa o pai.

Da casa dos pais, Marcos já levou dinheiro e quatro bicicletas. E é justamente por isso que prefere ficar longe. "Ele já me disse que não fica na minha casa, senão ele vai roubar, que ele não quer prejudicar, mas sabe que o vício é maior e prefere pegar dos outros na rua", explica Laudinéia. 

O pai interrompe e por amor, declara que prefere ter seus bens levados, mas o filho em casa. "Porque aqui ele não corre o risco". 

Dona Suzana passa a maior parte da conversa quietinha. Os olhos revelam o que o coração está cheio, de angústia. "Ele me ajuda a cozinhar...", diz como quem tenta falar que o filho não é só usuário de drogas. 

Acredito que a sociedade tinha que olhar para esse lado, porque só sabem julgar. Tem que se preocupar, todo mundo vai ter filho um dia"... (Foto: Marcos Ermínio)
Acredito que a sociedade tinha que olhar para esse lado, porque só sabem julgar. Tem que se preocupar, todo mundo vai ter filho um dia"... (Foto: Marcos Ermínio)

O maior drama da família são as notícias. "A gente pensa que em qualquer momento vai acontecer uma coisa perigosa", revela a mãe. A irmã pontua que na verdade, já acontece. Quando os jornais trouxeram a informação de um morador de rua morto na 7 de Setembro, mãe e filha correram para o ponto de Marcos.

"Cada dia que um morre..." e a frase de Laudinéia fica no ar. "Ele já levou tiro, facada, foi atropelado...", enumera o pai. 

O último episódio de corpo encontrado no lixão, terminou com o pai desesperado. "Podia ser ele, podiam ter carregado ele para lá. A gente só pensa coisa mal, a gente que é pai e mãe, é assim", desabafa Geraldo. Dona Suzana emenda... "Só de falar, eu choro". 

Nesta semana, com a mãe passando mal, Laudinéia foi até o Centro, falou com o irmão que deu um jeito de ligar. "Eu vou amanhã cedo para ver a senhora, ele disse. Mas eu falei que ia ao médico. Ele só falou: 'mãe, eu te amo. Não se preocupa não, que eu estou bem'". 

O maior medo de todos é do pior acontecer. "De matarem, de ser uma morte judiada. Mas o coração tem que estar preparado. A gente fica só esperando", fala a irmã. Laudinéia, quando chega próximo dos demais usuários, conhece a história de cada um. "Cada um foi para lá por um motivo..." 

E o pai consegue, em meio à tanta angústia, fazer um clamor. "Acredito que a sociedade tinha que olhar para esse lado, porque só sabem julgar. Tem que se preocupar, todo mundo vai ter filho um dia".

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