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Comportamento

Droga tirou Julian de casa e só o devolveu morto, 20 anos depois

No adeus ao homem perdido para a dependência, mãe fala do amor ao filho, seja como ele for

Danielle Valentim | 17/07/2019 08:32
As drogas o arrastaram Julian para fora de casa aos 13 anos. (Foto: Paulo Francis)
As drogas o arrastaram Julian para fora de casa aos 13 anos. (Foto: Paulo Francis)

O fim da vida foi como morador de rua, morto eletrocutado. Mas Julian Estácio de Souza, de 33 anos, tinha casa e três filhos. As drogas, desde os 13 anos, trouxeram as prisões, as internações, mudaram tudo e só devolveram o corpo em um caixão. A dor é enorme e Marinez Estácio Teixeira, diz que, mesmo antes da identificação do corpo, já sabia que o filho estava morto.

Julian nasceu no Rio de Janeiro, mas aos 8 meses de vida, a família retornou a Campo Grande. O sonho, desde então, era juntar dinheiro para conhecer de fato a cidade onde nasceu. Os pais moraram por lá durante cinco anos e se separaram quando o garoto completou um ano.

“Ele morou comigo até o falecimento do meu segundo marido, que ele chamava de pai. Aos 13 anos ele foi morar com o pai dele. A mãe sente e sabe de tudo, logo em seguida eu já vi que tinha algo de errado, ele já não queria frequentar minha casa. Ele entrou no mundo das drogas cheirando cola”, conta a mãe.

Marinez se culpa por não ter conseguido vencer as drogas. (Foto: Paulo Francis)
Marinez se culpa por não ter conseguido vencer as drogas. (Foto: Paulo Francis)

O pai de Julian, o mecânico Valdecir Nunes, conta que o acidente de trabalho trouxe a família de volta a Campo Grande. Por ironia, o mesmo tipo de acidente que matou o filho. “Eu morava no andar de cima da loja e sofri uma descarga elétrica que me jogou e eu atravessei o telhado. Eu fiquei em coma cinco dias, porque tive uma ruptura craniana interna. Assim que sai do coma e eu me recuperei, nós voltamos para Campo Grande. Julian era um bebê ainda”, relembra.

Valdecir não via o filho havia três meses e na manhã de ontem cortava um pão, quando recebeu a ligação de Marinez. 

“Esse vício maldito levou meu filho. Eu não o via há meses a última vez encontrei ele no trevo do Imbirussu. Ainda perguntei o que ele estava fazendo, o aconselhei a largar o vício, mas não adiantou. A informação que eu tinha era que ele estava frequentando uma clínica. Hoje de manhã eu nem consegui tomar o café. Fui uma noite estranha também, eu não consegui dormir. Minha filha caçula chegou a sonhar com morte. Eu sempre falo para os jovens que droga não leva a nada, só leva a vida das pessoas mesmo”, garante.

O pai de Julian, o mecânico Valdecir Nunes conta que não via o filho há três meses. (Foto: Paulo Francis)
O pai de Julian, o mecânico Valdecir Nunes conta que não via o filho há três meses. (Foto: Paulo Francis)

Destruída pela perda e se culpando por não ter conseguido tirar o filho da dependência, Marinez questiona até o fato de muitos pais rejeitarem os filhos gays e, em meio a dor, fortalece outros pais que enfrentam o mesmo problema com as drogas.

“Se meu filho fosse gay, ele estaria aqui comigo. Pai que rejeita filho gay não sabe o que é perdê-lo para as drogas. Meu filho muitas vezes chegou aqui espancado. Meu filho tinha ficha criminal extensa. Ele roubava. Me roubou várias vezes para usar pasta base de cocaína, mas eu nunca virei as costas. Para os pais que ainda estão na luta, não desistam. Não deixem a droga vencer”, frisa.

Julian abandonou os filhos e a esposa e as tentativas de resgate envolviam toda a família. Os irmãos sempre o encontravam nos semáforos e num ponto frequentado por usuários de droga próximo à UPA do Universitário.

"A gente não conseguiu vencer as drogas”, conta o irmão Júlio Aparecido Estácio Teixeira.(Foto: Paulo Francis)
"A gente não conseguiu vencer as drogas”, conta o irmão Júlio Aparecido Estácio Teixeira.(Foto: Paulo Francis)

“Um dia, fui à Santa Casa reconhecer e cheguei a passar três vezes na frente do quarto, porque ele estava irreconhecível. Já cheguei a tirar ele de um telhado depois de um tiro no joelho. Eu sempre pedia para ele tomar cuidado, mas eu não esperava que a droga fosse fazer isso com ele. Ele não tinha maldade, o que levou ele foi a droga. Infelizmente, a gente não conseguiu vencer as drogas”, conta o irmão Júlio Aparecido Estácio Teixeira.

Marinez conta que o filho passou o último mês internado, mas a abstinência da droga o fez fugir novamente. “Há oito dias ele veio me ver e parece que foi uma despedida. Ele disse que me amava e foi embora. Antes dele sair ele me disse que voltaria para a clínica e eu acreditei. Eu vi meu filho indo com um casaco azul, meia e chinelo. Eu ainda disse para ele enfiar as meias no bolso do casaco, mas ele disse que não precisava", conta.

Julian no ano de 2018. (Foto: Arquivo Pessoal)
Julian no ano de 2018. (Foto: Arquivo Pessoal)

Segundo ela, ele estava dormindo nas ruas há 15 dias e a reportagem da morte de um desconhecido na manhã terça-feira foi só uma confirmação da despedida.

"Hoje cedo quando eu estava assistindo jornal e vi que um homem que sido eletrocutado durante furto de fio de alta tensão. Naquele momento eu disse: é o meu filho. Eu sabia que era meu filho morto. Eu costumava dizer para os meus outros filhos que ele não usava mais droga, que a droga estava usando ele. Ela destruiu meu filho. Eu pedi, implorei e meu sentimento é de que meu amor não venceu a droga”, pontua.

Julian deixou os pais, três filhos e cinco irmãos. O velório ocorre na casa da mãe, no Bairro Los Angeles.

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