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Comportamento

Entre o filho gay e a filha freira, vida impôs escolhas difíceis a Shirley

Anos depois da revelação de um e despedida da outra, mãe sente o conforto ao ver a felicidade dos filhos

Danielle Valentim | 28/08/2019 07:54
Dia de visita. (Foto: Arquivo Pessoal)
Dia de visita. (Foto: Arquivo Pessoal)

Toda revelação seja ela planejada ou não projeta efeitos distintos nas pessoas. Quando se trata da relação familiar, as ações podem causar transformações extremas. Na casa da secretária Shirley Moreira Rocha, de 38 anos, por exemplo, o mais difícil até hoje não foi apoiar a orientação sexual do filho, mas respeitar a decisão da filha, que se despediu de casa há quatro anos para se tornar freira enclausurada.

Ao Lado B, Shirley garante que não há fronteiras no coração de uma mãe e, que por amor, escolheu respeitar decisões, por mais difíceis que elas sejam. 

Mãe aos 15, 17 e depois aos 29 anos, Shirley sempre foi muito unida aos filhos e afirma nunca ter percebido a orientação sexual de Marcos Vinícius, de 22 anos. Quando o garoto completou 14 anos, a secretária chegou a desconfiar, mas ele negou. Bastou mais um ano, para que a revelação acontecesse de forma bombástica.

“Fui mãe cedo, mas eles cresceram na igreja foram coroinhas. Até ele se apaixonar por um homem mais velho e decidir contar a verdade. Em princípio, eu não aceitei pelo fato da outra pessoa ser mais velha e não por preconceito. Ele revelou a todos, publicou nas redes sociais e eu senti medo de como a sociedade iria reagir. Esse era meu medo como mãe e, que por um momento, eu achei que fosse preconceito. Mas fui trabalhando isso e percebi que era receio do que a sociedade impõe”, lembra.

“Foi mais fácil lidar com a homossexualidade do Vinícius do que com a decisão da Lorrane", diz Shirley.
“Foi mais fácil lidar com a homossexualidade do Vinícius do que com a decisão da Lorrane", diz Shirley.

Muito mais difícil foi respeitar a decisão da filha mais velha, hoje prestes a completar 24 anos. A secretária admite que em toda visita, o desejo é de levar Lorrane para casa, mas a ver feliz atualmente conforta seu coração.

“Foi mais fácil lidar com a homossexualidade do Vinícius do que com a decisão da Lorrane de ir para o convento, aos 19 anos. Ela tomou a decisão dela e para mim a revelação foi da noite para o dia. Eu soube um pouco pelos amigos, mas em nenhum momento ela sentou e conversou comigo. Brigamos, porque eu não aceitava, mas hoje aprendi a respeitar. A partir do momento que você vê o filho feliz, isso te conforta. Vejo o brilho no olhar. A vontade é de pegar e levar para casa. Mas hoje eu respeito”, conta.

A jovem escolheu o Mosteiro Cisterciense Nossa Senhora Aparecida, a congregação mais fechada da cidade. Shirley conta que a filha encontrou a vocação religiosa, enquanto trabalhava como auxiliar de professora na escola da igreja.

“Foram seis meses de mudanças até a despedida de casa. Ela passou a mudar as vestimentas, deixou as maquiagens e quando eu soube da decisão ela já tinha dado entrada no processo e passava por um acompanhamento para saber se era aquilo o que queria. Ela também deixou o cabelo curtinho. Foi bem difícil, queria que ela estivesse vivendo esse momento da vida comigo, aqui fora. É claro, que ela pode desistir a qualquer momento, mas se isso chega a acontecer, a fase da juventude terá passado”, lembra.

Família completa em dia de visita a Lorrane.
Família completa em dia de visita a Lorrane.

O nome de batismo também ficou para a família, pois a jovem passou a ser chamada no convento de irmã Maria Alice. Essas alterações acontecem como um marco do início de uma nova vida, mas é importante lembrar que a alteração acontece apenas de forma simbólica, no registro civil permanece inalterado.

“Apesar de saber que faz parte da doutrina, a troca do nome me magoa. Eu fui criada na igreja e o batismo tem todo um significado. Como ela vive em clausura, que é essa situação fechada, quando fui visitar e a vi pela primeira vez vestida com o hábito, eu só chorava”, lembra.

Hoje, há cerca de 12 freiras enclausuradas na congregação, irmã Maria Alice é uma das mais novas. O ritmo, além de estudar muito sobre o evangelho, é aprender afazeres domésticos. Shirley conta que após quatro anos, a filha começou a cursar a faculdade de Música. “Depois de alguns anos no convento, elas podem fazer faculdade, numa área que ajuda a igreja como psicologia. Elas também viajam para estudar em outras congregações”, frisa.

Na clausura, as freiras têm permissão para deixar o convento para tratamentos de saúde e até quando um familiar está doente. Mas as visitas acontecem em dias marcados. "Na época da adaptação cheguei a ficar seis meses sem falar com minha filha", lembra.

O filho caçula Antônio Gabriel, de 9 anos, é muito ligado aos irmãos e também sofreu o impacto com a despedida da irmã. “Eu vinha de uma separação e um ano depois a irmã saiu de casa, então foi bem difícil para ele. Com relação ao Vinícius esses tempos ele disse: não sabia que meu irmão era gay. Eu perguntei se isso o incomodava e ele respondeu que, não”, relata Shirley.

A secretária lembra que Marcos Vinicius foi quem melhor aceitou a decisão da irmã mais velha, fato que na época gerou até discussão.

Julgamentos – Ao mesmo tempo em que Shirley passou a ser parabenizada pela escolha da filha, também foi julgada por não aceitar a decisão. “As pessoas sempre me falam: que bom que ela escolheu ser freira, melhor que estar na rua usando drogas! Eu não gosto de fazer essa comparação porque parece que só existem dois caminhos na vida: entrar no convento ou usar drogas e não é assim. No início fui muito criticada. As pessoas queriam me forçar: como assim você não entende? Então me irritava”, frisa.

Sonhos adiados – A secretária sempre sonhou com a mesa cheia de netos. Um desejo que no momento está adiado. “Eu sou filha única então eu sonhava com mesas de Natal e almoços de família cheios de gente, porque eu nunca tive. Fiz três filhos e falei: vai dar certo, mas não deu. Não queria ser avó velha (risos), mas a esperança agora é o caçula”, ri.

Shirley pontua que todo filho dá trabalho, mas ressalta a felicidade de ser mãe de Lorrane (irmã Maria Alice) Marcos Vinícius, e Antônio Gabriel transpõe qualquer dificuldade. “Só eu sei como fiquei na época, mas agora estamos na “paz do senhor” como diz ela, que também sempre tem uma palavra de conforto para nos dizer”, finaliza Shirley.

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