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Comportamento

Foto tocante de 1990 foi chance para João Roberto revelar tristeza em MS

A imagem foi registrada na Fazenda Financial em Ribas do Rio Pardo e ajudou a libertar Genivaldo e sua família do trabalho escravo

Alana Portela | 09/06/2019 07:45
Genivaldo segurando garfo de forcado durante o trabalho na fazenda em Ribas do Rio Pardo (Foto: João Roberto Ripper)
Genivaldo segurando garfo de forcado durante o trabalho na fazenda em Ribas do Rio Pardo (Foto: João Roberto Ripper)

Tirada em 1990, a foto emblemática do menino Genivaldo em uma carvoaria segurando um garfo forcado nas mãos foi à chance do fotógrafo, João Roberto Ripper, revelar a tristeza e denunciar o trabalho escravo infantil em Mato Grosso do Sul. Na época, a criança tinha 9 anos e sonhava em ser jogador de futebol, mas foi obrigada a pegar no batente para ajudar a família. O fato aconteceu na Fazenda Financial, em Ribas do Rio Pardo, 103 quilômetros de Campo Grande. A imagem gerou repercussão nacional e contribuiu para que ele, seus pais e mais dois irmãos fossem libertados.

“A fotografia como boa história vale muito. Genivaldo ficava trabalhando com os pais e irmãos, inclusive tinha um bebezinho que eles revezavam para tomar conta. Tudo isso para tentar tirar o sustento e, muitas vezes, ganhavam para o empregador. Era mais caro do que o suor do trabalho deles”, conta o Ripper sobre a época.

O fotógrafo relata que o menino tinha que encher e esvaziar os fornos de carvão da fazenda. “Era trabalho pesado, para adulto, e muito degradante. Era só olhar no rosto e nos olhos para perceber a tristeza, como se dissesse ‘me ajude’. Estava envelhecendo antes do tempo pelo esforço do trabalho”, diz.

Na imagem registrada, Genivaldo está apenas de bermuda no meio da sujeira. Com um chinelinho nos pés, ele trabalhou pesado e teve que segurar um garfo forcado quase do seu tamanho para dar conta do recado. O olhar sofrido gera indignação e tristeza ao imaginar que uma criança pequena teria tanta responsabilidade. 

Carioca, João Ripper é jornalista, fotógrafo documentarista, humanista, que tem como objetivo colocar a fotografia a serviço dos Direitos Humanos. Esteve em Mato Grosso do Sul na década de 90, com a intenção de denunciar trabalho escravo. No período trabalhou ao lado do Ministério Público e da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e ficou da Fazenda Financial através dos órgãos. 

Quando chegou na fazenda em Ribas do Rio Pardo, acompanhado de outro fotógrafo, disse para o proprietário que queria gravar um documentário falando sobre a importância da matéria prima que era usada na carvoaria.

“Menti, falei que ia registrar a importância da matéria prima, metais mais leves e o produto inicial. Achei um absurdo quando vi, estava diante de um crime, e o que poderia fazer era fotografar e tentar ajudar com a foto. A comunicação é feita para aproximar as pessoas e tem verdades duras, que são difíceis documentar”, afirmou.

Ao ver a família naquela situação precária, ele resolveu conversar para saber o motivo de tanto sofrimento. “Contaram que não conseguiam pagar a dívida com os donos por falta de dinheiro. O pai trabalhava na fazenda com motosserra e precisava de óleo para usar na máquina. Necessitvam de comidas e remédios que também eram cobrados dele”, recordou.

Ripper conta que antigamente, muitas pessoas eram retiradas de seus lares com a proposta de uma vida melhor, no entanto, isso não acontecia. “Promessas que não foram cumpridas”.

Foram cinco dias na fazenda até voltar para o Rio de Janeiro com as imagens e fazer a denúncia, para ajudar a libertar a família do trabalho escravo. “Temos que fazer mais, usar as fotos para serem vistas publicamentes e usadas em processos. Com fiscalização eles foram libertados e os patrões tiveram que levá-los para a terra deles, em Ribas do Rio Pardo. Foi a primeira ação popular e parlamentar contra o trabalho escravo”, recorda.

Após a fiscalização, os proprietários da fazenda foram penalizados. “Fecharam até que os donos arrumassem os termos de ajustes de conduta, que foram encontrados errados”. Depois de ajudar a criança e seus pais, o fotógrafo nunca mais soube de notícias do garoto que sonhava em ser jogador profissional. Atualmente, Genivaldo estaria com 38 anos de idade.

Recentemente a foto viralizou no Facebook depois da publicação da página Imagens e História 2.0. A postagem foi realizada no dia 25 de maio e teve mais de três mil curtidas, 612 compartilhamentos e chuvas de comentários, muitos recordando da época trágica e outros ironizando a situação.  

João Roberto conta que as fotos mostram a dura realidade (Foto: Núcleo de Piratininga de Comunicação)
João Roberto conta que as fotos mostram a dura realidade (Foto: Núcleo de Piratininga de Comunicação)

Fotógrafo - A foto tirada por Ripper gerou comoção nacional e foi usado por muito tempo como abertura do site da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Ele também usou para matéria sobre trabalho escravo na Marie Claire, e a imagem até hoje é lembrada. O fotógrafo publicou o livro “Retrato Escravo”, lançado em 2010, em parceria com Sérgio Carvalho.

Na década de 90, ele trabalhou denunciando focos de trabalho escravo em minas de carvão no interior do país, e fotografou durante duas décadas as histórias dos índios Guarani Kaiowá, em busca de direitos básicos, como terra, saúde e alimentação.

Já recebeu prêmios Interpressphoto, Waldimir Herzog; o Nacional de Fotografia da Fundação Nacional de Arte e do Instituto Nacional de Fotografia; o Agenda Latino-Americana, João Canuto – Homenagem da organização Humanos Direitos e o Prêmio Marc Ferrez.

João Roberto trabalhou nos jornais O Globo, Última Hora, Luta Democrática e Diário de Notícias e Criou a ONG (Organização Não Governamental) Imagens da Terra, que tem como proposta colocar a fotografia a serviço dos direitos humanos.

Objetivo - O trabalho de Ripper continuou e ele registrou mais casos de trabalho escravo em outros estados do país. Sempre com a câmera nas mãos, ele relatou que fotografando percebeu o quanto as pessoas são fortes, mesmo em situação degradante.

“Elas têm teimosia de serem felizes. Fui aprendendo com a população mais pobres, que tem mais resistência. Já chorei muito fotografando”.

Ripper destaca que o país deveria investir mais em educação, desde os primeiros passos das crianças, para que no futuro tenha menos diferença social. “Que elas se tornem doutores, pois a maioria delas nascem na pobreza e certamente terão que trabalhar de forma intensa pela minoria do país”, diz.

“Penso em continuar fazendo com que meu trabalho possa e incentivar outros fotógrafos a fazerem isso”. Ripper ainda conta que no Rio de Janeiro, interior de São Paulo e Minas Gerais também foram encontrados casos de trabalho escravo.

Depois do episódio com Genivaldo, o fotógrafo retornou outras vezes para Mato Grosso do Sul para registrar casos das histórias dos indígenas.

Para ele, o trabalho escravo não acabou. “Diminuiu o trabalho escravo e infantil. Agora está tendo um retrocesso e voltando a existir violência contra essas pessoas e ao mesmo tempo em que tem relação com o trabalho escravo e infantil, tem a ver com reforma agrária”, falou.

Doação - Recentemente ele fez uma campanha para doar todo o seu acervo de imagens para a Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, que serão disponibilizadas para consultas e pesquisas do no site de Ripper. “É um órgão público e para as intuições de direitos humanos, cada um com o tema que trabalham e espero com isso incentivar outros fotógrafos e pessoas que estão comprometidas com uma mudança social”, concluiu.

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Foi através das lentes de sua câmera que João Roberto registrou momentos impactantes (Foto: Reprodução TV Rede Globo)
Foi através das lentes de sua câmera que João Roberto registrou momentos impactantes (Foto: Reprodução TV Rede Globo)
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