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Comportamento

Guiomar e Luis escolheram a paz do cemitério e ganham a vida limpando túmulos

Ela conseguiu formar uma filha, enquanto ele comprou uma casa com o dinheirinho suado.

Alana Portela | 08/08/2019 07:54
Luis Antônio Corrêa dos Santos jogando água no túmulo  (Foto: Alana Portela)
Luis Antônio Corrêa dos Santos jogando água no túmulo (Foto: Alana Portela)

Fugindo dos empregos convencionais, Guiomar e Luis Antônio preferem limpar túmulos para manter o sustento da família em Campo Grande. É diferente, porém foi na calmaria do cemitério Santo Antônio, caminhando entre os mortos que eles encontraram a paz e não trocam o serviço por nada. “É gratificante porque morto não reclama, quem faz isso são os donos, mas se eles olham e tá tudo limpinhos, agradecem”, disse ela.

Guiomar Garcia Quezine tem 66 anos e logo cedo, às 7h, já está no local fazendo os serviços. Com um chapéu na cabeça, óculos escuros e casaco, ela pega a carriola, vassoura, rodo, pano, os produtos de limpeza e começa o dia. “Cuido de 25 lápides, mas divido e limpo nove por dia. Geralmente venho segunda, quarta e sexta, mas como o pessoal está limpando o cemitério, estou vindo todos os dias”.

Ela trabalha como zeladora de jazigos há 15 anos e já chegou a limpar 50 túmulos. Veio de Mundo Novo, 463 quilômetros de Campo Grande, para a filha estudar fisioterapia. Morria de medo de cemitérios, quando passava em frente, fazia sinal da cruz e saia correndo, até que a necessidade a encorajou.

Guiomar Garcia Quezine varrendo a sujeira do túmulo (Foto: Alana Portela)
Guiomar Garcia Quezine varrendo a sujeira do túmulo (Foto: Alana Portela)
Guiomar conversando com um visitante (Foto: Alana Portela)
Guiomar conversando com um visitante (Foto: Alana Portela)
Ela arranca os matinhos com as mãos (Foto: Alana Portela)
Ela arranca os matinhos com as mãos (Foto: Alana Portela)

“Minha filha entrou pra faculdade, mas não conseguíamos pagar as mensalidades. Até que um dia ela perguntou se teria coragem de trabalhar aqui. Disse que sim e vim conversar com a firma que cuidava do local. Consegui o emprego, mas depois essa empresa parou de cuidar do cemitério e eu continuei como autônoma. Foi com o dinheiro daqui que hoje ela é fisioterapeuta. Não tenho vergonha. Eu pagava mais de R$ 900,00”.

Se engana quem acha que é moleza, pois para ser um limpador de jazigos é preciso estar cedo no local, varrer as lápides, esfregar as placas de nomeações e os túmulos, jogar água, secar e encerar para ficar brilhando. Eles levam suco de limão para tirar a ferrugem dos detalhes de cobre. Dá ainda para plantar flores, rosas para tirar aquele ar de tristeza e alegrar o ambiente. “Trago as mudas de casa, mas em alguns não pegam. Deduzo que a pessoa não gostava quando estava viva”.

Guiomar é responsável por 25 túmulos, porém, limpa cerca de sete a nove por dia. Conquistou os clientes quando iam ao cemitério e assim, apresentava seus serviços. Tem uma carriola que usa para levar seus utensílios, carrega pra lá e pra cá. Ao final, guarda os materiais em uma capela. “Gosto de trabalhar, não quero ficar parada em casa porque começam a aparecer dores”.

Pode até parecer estranho, mas o local, visto por muitos com tristeza, é um ambiente de alegria para os zeladores. Enquanto a equipe de reportagem transitava pelo local, percebeu que todos os trabalhadores estavam sorridentes e animados, limpando com vontade cada pedaço. O vento fresquinho batia no rosto e transmitia tranquilidade, tanto que alguns até dormiram ao lado dos túmulos depois do almoço.

A zeladora carrega sua carriola com os materiais de limpeza (Foto: Alana Portela)
A zeladora carrega sua carriola com os materiais de limpeza (Foto: Alana Portela)

Preço - Por estar relacionado a memória afetiva, os clientes pagam o valor mensalmente de acordo com o amor que sentiam pelo ente que partiu. “Tenho túmulo de R$ 20,00 a R$ 85,00”, afirmou Guiomar. O seu colega de profissão, Luis Antônio Corrêa dos Santos, também comentou. “Tenho serviço de R$10,00 a R$250,00. É questão de confiança, eles vêm conferir o serviço. Depois, a gente vira parte da família deles”.

O zelador torcendo o pano que usa para tirar o pó de cima dos túmulos (Foto: Alana Portela)
O zelador torcendo o pano que usa para tirar o pó de cima dos túmulos (Foto: Alana Portela)

Luis Antônio tem 55 anos e trabalha há 24 anos limpando os túmulos no cemitério. De segunda à sexta, ele limpa 74 lápides. “Minha vida é essa, fico até 12h. Daqui tiro a renda para pagar minha água, luz, internet. Adoro esse serviço, não tenho horário para chegar nem sair, gente enchendo saco. Já cheguei a cuidar de 110 túmulos”. No começo achava tudo curioso, hoje já se acostumou com o movimento do local. “Vejo sepultamento, exumação. Fui ombro amigo, pois têm pessoas que acedem a vela e choram. As pessoas de 70 anos costumam conversar mais, já sentei para ouvir”.

Além do Cemitério Santo Antônio, ele também limpa 30 placas no Cemitério Parque das Primaveras e um no Cemitério Santo Amaro. É suado, mas Luis Antônio tem consciência e parte do dinheiro é aplicado na poupança. “É assim que a gente consegue os bens. A minha casa eu e minha ex-esposa, que também trabalhou aqui, juntamos um dinheiro e compramos no Guanandi II. Tá quitada, depois compramos um carro zero quilômetro, nos separamos e vendemos. Agora estou guardando novamente para comprar outro veículo”.

Ele trabalhava em uma empresa de manutenção de caminhões, mas decidiu largar o serviço de carteira assinada. No começo foi diferente, mas se adaptou. Contudo, relatou que ainda enfrenta piadinhas. “Vem uns e brincam dizendo que é trabalho de mulher limpar, mas não tenho problemas com isso não. Já me acostumei”.

Luis Antônio esfregando um dos túmulos que cuida (Foto: Alana Portela)
Luis Antônio esfregando um dos túmulos que cuida (Foto: Alana Portela)
Com o rodo, ele puxa a água até secar (Foto: Alana Portela)
Com o rodo, ele puxa a água até secar (Foto: Alana Portela)

Assombração - Nesses anos trabalhando, Luis Antônio lembrou de um susto, que quase o fez sair correndo do local. Como há plantas em alguns túmulos, resolveu ir de madrugada regá-las, quando viu uma “assombração”. “Aqui tinha um rapaz chamado Chico. Nesse dia, quando cheguei, vi um homem de costa, estava em pé, parado. Gritei, ‘Chico, caiu da cama?’, mas ficou parado e mudo. Mexi novamente, e continuou calado. Quando deu 8h encontrei com o Chico na entrada daqui e perguntei se estava bem porque de madrugada ficou muito sério. Ele disse que tinha acabado de chegar. Levei um susto”, recordou.

Luis Antônio é contente, com sorriso no rosto contou como é seu trabalho (Foto: Alana Portela)
Luis Antônio é contente, com sorriso no rosto contou como é seu trabalho (Foto: Alana Portela)
Em uma folha de papel ele escreveu o nome dos clientes (Foto: Alana Portela)
Em uma folha de papel ele escreveu o nome dos clientes (Foto: Alana Portela)
O túmulo depois de ser limpo (Foto: Alana Portela)
O túmulo depois de ser limpo (Foto: Alana Portela)

Depois desse episódio, nunca mais viu nada semelhante. Contudo, acredita que em certos horários não é bom estar no cemitério. “A noite e de madrugada os espíritos andam soltos e fazem suas travessuras. Aqui no máximo até ao meio-dia. É um local onde tem gente boa enterrada, mas também pessoas muito ruins”.

O cemitério Santo Antônio tem cerca de quatro a cinco mil túmulos. O espaço é de responsabilidade da prefeitura de Campo Grande, e fica aberto das 6h30 às 16h30. Se você anda desanimado, pensando em mudar de emprego ou em busca de novas experiências, por que não limpar túmulos?.

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No cemitério Santo Antônio tem vários túmulos para serem limpos (Foto: Alana Portela)
No cemitério Santo Antônio tem vários túmulos para serem limpos (Foto: Alana Portela)
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