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Comportamento

Mãe procura emprego que não limite os sonhos de Maycon pela deficiência mental

Paula Maciulevicius | 22/11/2016 06:15
Maycon Willian tem 21 anos e muita vontade de trabalhar. (Foto: Silas Souza)
Maycon Willian tem 21 anos e muita vontade de trabalhar. (Foto: Silas Souza)

Curriculum Vitae
Nome: Maycon Willian da Silva Almeida
Idade: 21 anos
Solteiro, sem filhos
Escolaridade: Apae
Experiência profissional: Estágio na Pró-Reitoria de Ensino de Graduação (UFMS)
Objetivo: Ser advogado

Maycon tem 21 anos e o diagnóstico de deficiência mental desde que nasceu. Mais velho dos três filhos de Marinalva, a explicação dada pelos médicos foi de que faltou oxigênio ao bebê na hora do parto e ele ainda aspirou água. Desde cedo, disseram à mãe que o retardo mental acarretaria em um desenvolvimento mais lento e "limitações" que os sonhos do rapaz desconhecem. 

Foi Marinalva, a mãe, quem ligou para a redação do Lado B para falar que apesar das limitações que impõem ao filho dela todos os dias, seus sonhos são iguais ao de todos nós.

"Eles não se limitam, são como os nossos. As pessoas acham que porque ele é deficiente, vai estar sempre na aba de alguém. O cérebro do Maycon não tem uma limitação de 'ah, só vou fazer isso e tal'. Não, ele quer ser alguém, ele quer aparecer e eu acho bonito isso, ele quer achar o caminho dele e encontrar uma coisa que seja boa para ele", desabafou. 

Hoje o mais afetado é a fala de Maycon. Mas se falta compreensão da parte de quem ouve, há de sobra vontade de ser entendido. Nós fomos até a casa dele, na Chácara dos Poderes, em Campo Grande. "Vin-te e um a-nos" é a primeira resposta. As palavras saem por sílabas e para entender é preciso juntá-las no pensamento. 

Estudante da Apae há sete anos, Maycon diz que gosta de lá e procura um novo trabalho, depois que o contrato de um ano de estágio na UFMS acabou há um mês.

Ao lado da mãe e do irmão caçula, ele mostra que domina a tecnologia.
Ao lado da mãe e do irmão caçula, ele mostra que domina a tecnologia.

Os médicos recomendaram, ainda na infância, que apesar do problema na fala, Maycon não deveria se comunicar por libras, porque ouvia e precisava exercitar a fala. "Aprendi a conversar com ele na medida. Tanto é que ele fala e a gente entende. A compreensão é igualzinha a nossa e às vezes eu acho que até melhor", descreve a mãe, Marinalva Souza Pereira, de 39 anos.

Ainda menino, ele aprendeu a ler, escrever e que não é menos que ninguém. "Você é menos que alguém?" pergunta Marinalva. "Não". "Você sofre preconceito?" "Sim". "Mas você não acha que as pessoas sejam melhores que você?" "Não". Perguntas e respostas que sempre foram rotina no diálogo de mãe e filho. "E o que você deseja para a sua vida?" "Tenho vontade de casar e ser advogado".

Como mãe, Marinalva teve de aprender a não criar um filho como casulo e sim ensiná-lo a se defender contra o preconceito quando a família não estivesse por perto para resolver a situação. Por isso ele vai ao shopping sozinho, de ônibus, e também até a Apae. 

Os lugares para onde ele vai sempre tem relação com alguma coisa ou alguém. No caso de um dos shoppings, é lá que a mãe trabalha e o que ele mais gosta é de ir à biblioteca. "Biblioteca?" pergunta a mãe, que depois se recorda de ser a livraria Saraiva. 

De experiência profissional, Maycon era praticamente um "office boy" pela Universidade, levando documentos de um lugar para o outro. "Assina e depois carimba", explica o jovem. E ao mesmo tempo em que ele fala, também gesticula, porque sabe que os gestos podem ajudar a se fazer entender.

O gosto pelo trabalho era recíproco. Os colegas organizaram uma festinha de despedida quando o contrato acabou. "No último dia - interrompe Maycon e diz: quarta-feira - é, quarta-feira, ele é muito bom com datas, pediram para ele ir até o final da semana porque fariam uma despedida", conta Marinalva, mais orgulhosa do que tudo.

Maycon também fez Enem, porque sonha em fazer Direito na UCDB, para ser advogado. Para a gente, ele comenta que não achou a prova tão difícil assim. "Quero ser advogado, igual eu vejo na televisão. Advogar e ajudar as pessoas", completa.

O que mais quer no próximo emprego é mexer mais com notebook.
O que mais quer no próximo emprego é mexer mais com notebook.

Em casa, todo dia Maycon chega com uma ideia nova e pronto para contar em detalhes tudo o que fez e viu. Tem Facebook, baixa músicas e quer no próximo emprego, trabalhar mais com computador. "Não é só pelo dinheiro, é pela independência, pelo fato dele saber que tem que trabalhar, que é importante para a vida adulta", justifica a mãe sobre a procura desenfreada da família.

Onde pode, Marinalva entrega currículos e também espera os encaminhamentos vindos da Apae para as entrevistas. E se Maycon chega pontualmente ao trabalho? "Só quando o ônibus não quebra, mas tem quebrado muito", narra.

Do Ceinf ao mercado de trabalho, em todos os lugares onde Maycon chegou a mãe recorda de ter o primeiro embate, sempre, com o preconceito. "É a resistência das pessoas aceitarem. O que ninguém entende é que ele não é doente mental, ele nasceu diferente, tem limitações por conta da deficiência que afetou partes do cérebro dele", reforça a mãe. 

A última entrevista de emprego foi na sexta-feira e para casa ele voltou com uma recomendação: "preciso melhorar na digitação", fala. A semana está começando e Maycon tem esperança de conseguir outras. 

"A gente recebe dádivas na vida, a minha foi o Maycon. Por um filho você quer crescer, ser alguém melhor para dar coisas melhores para ele", insiste a mãe que só quer um emprego que não limite os sonhos do filho. 

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Maycon foi a dádiva de Marinalva, sonha como todos nós como se não houvesse nenhuma limitação.
Maycon foi a dádiva de Marinalva, sonha como todos nós como se não houvesse nenhuma limitação.
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