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Comportamento

Marta renasceu depois de doença afastá-la de sua própria vida

Antes de enfrentar uma embolia, jornalista foi diagnosticada com pedra nos rins e infecção urinária

Danielle Valentim | 28/07/2019 08:15
Marta retomou a rotina de trabalho há um mês depois de meio ano afastada.
Marta retomou a rotina de trabalho há um mês depois de meio ano afastada.

Qual será a maior dor da vida? Essa é uma pergunta muito particular já que o assunto paira entre o físico e o psicológico. Para a jornalista Marta Ferreira, o dia mais terrível já vivido a levou à UTI e a afastou do trabalho por seis meses. Os detalhes desse tsunami, ela compartilha no Voz da Experiência do Lado B.

"Eram 2h40 do dia 20 de dezembro de 2018, quando vi, metaforicamente, a vida passar pela frente e “falei com “Deus”. Apelei, para ser mais fiel. Perguntei a ele, sem ninguém ouvir: Por quê? Eu sou uma pessoa boa! Estava num corredor de hospital, sendo transferida do quarto para o CTI, sigla curta, mas uma porrada na alma de quem nunca esteve lá como paciente.

Esse foi o ápice, digamos assim, de mais de um ano lidando com intercorrências de saúde. Começou com a dor agressiva das cólicas derivadas da presença de cálculos renais, passou pelo mal estar de infecções urinárias com bactérias persistentes e, neste dia, às vésperas do Natal, tudo ficou mais escuro.

Veio a falta de ar, o coração pulando, o exame mais dolorido já feito - a retirada de sangue diretamente da artéria, a suspeita do médico de que a bactéria tivesse “subido” do rim para os pulmões e, por fim, o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar. No popular, era a embolia, que já vimos matar tanta gente.

Naquele caminho entre a enfermaria e o leito de UTI, me enxerguei intubada e inconsciente. Pensei nas pessoas às quais não diria “adeus”, na minha mãe, nas minhas irmãs e irmão, nos sobrinhos tão amados pela tia Maita.

Foi desesperador até as coisas começarem a clarear, com a ajuda artificial do oxigênio e da medicação para impedir o avanço do coágulo de sangue. A voz era um fio, mas eu estava aqui, no mundo. Bem assustada, mas viva.

Conto, desde quando “tudo” começou, três procedimentos cirúrgicos e, sei lá, um mês de internação, parte em Unidade de Terapia Intensiva, fora as inúmeras vezes em pronto-socorro e a quantidade incontável de remédios. No hospital, as portas já me conheciam.

Hoje, passados pouco mais de 200 dias do pior dia de todos, se paro pra pensar, refaço o trajeto do quarto para o CTI. Sou capaz de ouvir os barulhos e até sentir o “cheiro” da chegada no ambiente frio, lotado de gente aparentemente moribunda. O vozerio, a preocupação, a luz sempre acesa, os vários exames, a dificuldade em dormir.

Revivo tudo. E agradeço cada um que me atendeu, suportou, aconselhou, levou um livro. Ou só abraçou. Houve indiferenças, conscientes ou não, e até elas têm seu papel. Permitem calibrar a balança dos sentimentos. Decididamente, a Marta de hoje não repete aquela.

Ou melhor, talvez tenha voltado a ser, em essência, quem já fui e deixei escapar pela “correria do dia a dia”, pelo cansaço das derrotas naturais de ser adulto, pelo peso da vida nos ombros.

O vai e vem da balança, que provocou a diabetes, piorou as coisas. Aliás, finalmente falo sem rodeios nem mentir para mim mesma com a tal “pré-diabetes”. Tenho DIABETES e preciso respeitar as restrições impostas por essa doença “silenciosa”, mas poderosa no sentido ruim dentro do nosso organismo.

"Fiz as pazes até com a paisagem da minha cidade. Os ipês espalhados por aí me emocionam".
"Fiz as pazes até com a paisagem da minha cidade. Os ipês espalhados por aí me emocionam".

Também negligenciei a atividade física. E mesmo com esforços frequentes, a alimentação foi sempre com altos e baixos, exageros perigosos. Um outro cuidado foi ignorado: da saúde mental. Ou seja, esses e mais um sem número de fatores me levaram até aquele 20 de dezembro.

Tenho a noção de que, perto das batalhas narradas por vítimas de doenças graves, pelas pessoas alvos da ineficiência do sistema público de saúde, meu testemunho pode soar como “mimimi” de classe média. Não passei por um décimo do que muitos vivenciam.

Para mim, porém, a doença foi renascimento. Sinto isso no meu trabalho, por exemplo. Sempre amei a profissão escolhida, mas quem não se cansa, não desanima, depois de 25 anos em um ofício tão desgastante quanto é o jornalismo?

Há um mês retornei ao batente, depois de meio ano afastada. Com toda a pieguice embutida, digo: voltei para o meu lugar.

Sou uma “nova-velha Marta” também na minha vida particular, na vontade de estar com minha família, com os amigos de verdade, apesar de todos os pesares envolvidos em relações de proximidade e afeto.

Fiz as pazes até com a paisagem da minha cidade. Os ipês espalhados por aí me emocionam. O pôr-do-sol me faz ter vontade de fotografar, sempre.

Não está tudo perfeito. Mas do tsunami na saúde, saí melhor. Sem mais nada para dizer, no momento, só recomendo a quem lê: beba água, não segure o xixi e abrace as pessoas".

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