ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
MAIO, SÁBADO  04    CAMPO GRANDE 30º

Comportamento

Na quarentena, o que tem pesado mais: crianças, sobrecarga ou culpa?

Depois do anúncio de que as aulas não voltariam no dia 1º de julho, mães se veem sem ajuda e cercadas de sobrecarga e culpa

Paula Maciulevicius Brasil | 28/06/2020 09:14
Quem dera se a gente pudesse fazer isso.
Quem dera se a gente pudesse fazer isso.

As mães vinham se apegando à data da volta às aulas. Dia 1º de julho seria o do retorno, até então informado pelas escolas, Prefeitura e Ministério Público. No entanto, nesta semana a data mudou. Mais uma vez. O adiamento é por conta dos altos números de casos de covid-19 no Estado. Sem entrar no mérito de julgar quem levaria ou não o filho às aulas, porque a situação é muito complexa, a decisão das autoridades deixou o fardo para a mãe que já não tem ajuda e sofre com a sobrecarga acima do "normal", além da culpa.

Os relatos pipocam pelas redes sociais e grupos. Que atire a primeira fralda, mamadeira ou caderno de tarefas a mãe que não está exausta. O acúmulo de tarefas invisíveis, como os cuidados com a casa, família e filhos, além do trabalho remunerado, escancarou-se com a pandemia.

Sem escolas e sem divisões sobre o que é o tempo para nós mesmas, para os outros e para o trabalho, a carga mental das mães e a insistência do famoso mantra “tenho que dar conta de tudo” traz sofrimento e pode até adoecer. O reflexo disso é o cansaço físico e mental absurdo, aquela sensação de não desligar nunca, que acaba exaurindo a mulher.

Psicóloga obstétrica e perinatal, de crianças e adultos, e especialista na saúde mental na gestação e no pós-parto, Pollyana Rocha fala que, de olho nesse contexto, a ONU Mulheres alerta que o período de quarentena pode ser mais difícil para elas, que, além de serem em média três vezes mais responsáveis por cuidados não remunerados em casa do que os homens, ainda são, em boa parte, trabalhadoras informais e mal remuneradas.

Além das tarefas "invisíveis" perante à casa, também ficaram ao cargo das mães o cuidado com as crianças e o trabalho.
Além das tarefas "invisíveis" perante à casa, também ficaram ao cargo das mães o cuidado com as crianças e o trabalho.

"Em última instância, a sobrecarga pode levar à depressão e sintomas de ansiedade. Mesmo quando parceiros ou parceiras estão mais tempo em casa, e dividem as tarefas, mulheres ainda sentem essa carga extra – e até mais potencializada. Em uma situação como a quarentena, a mãe é exposta de forma intensa ao desconforto de ter que refletir sobre o relacionamento que já estava ruim, a divisão desigual de tarefas, sem uma válvula de escape", avalia Pollyana.

A saída mais saudável é o diálogo, por mais desconfortável que ele seja, isso para as mães que têm com quem dialogar em casa. "Esperamos que o outro faça ou perceba que estamos cansadas e ficamos ressentidas quando isso não ocorre. Se a conversa não ocorre, o risco é nutrir ressentimentos que acabam funcionando com uma bomba relógio, que explodirá em brigas pouco produtivas. Minha recomendação é fazer um exercício de listar tudo o que tem ser feito na casa, tudo mesmo, e quem costuma ser responsável por essas tarefas", sugere Pollyana.

O alívio da carga mental não depende só da mulher, mas é fundamental que a mãe passe por um período de reflexão, como: diminuir metas, impor limites, não imaginar que a casa estará perfeita. O trabalho perfeito, a criança impecável... Essas expectativas todas precisam ser repensadas. "Parte do processo é pedir ajuda quando preciso. A mulher assume esse papel de forma crítica, pois quando reclama que tem que fazer tudo, ela também está se vangloriando por conseguir fazer, só que de fato é impossível dar conta de tudo, daí vem o sofrimento", pontua a psicóloga.

Lidar melhor com a sobrecarga também exige resgatar momentos de autocuidado. Quando o tempo é escasso, qualquer minutinho vale. As coisas simples podem faazer uma enorma diferença no dia a dia, como um banho demorado enquanto a criança está dormindo, fazer uma videochamada com uma amiga, passar um creme demorado no corpo ou o simples fato de aceitar a própria dor e chorar sem julgamentos. "Agora, se a estafa levou a um adoecimento físico ou psicológico, com presença de insônia, distúrbios alimentares, sintomas depressivos e crises de ansiedade, o ideal é procurar ajuda profissional. Hoje diversos serviços e entidades estão oferecendo acompanhamento psicológico gratuito de maneira remota", ressalta Pollyana.

O medo do não rendimento e de perder o trabalho somam à exaustão materna.
O medo do não rendimento e de perder o trabalho somam à exaustão materna.

Estresse com os filhos - A preocupação com os afazeres do trabalho remoto, o medo da perda do trabalho ou ainda a falta de trabalho, podem gerar mais ansiedade, irritabilidade e menor paciência para lidar com o cotidiano e com as necessidades da criança. "É importante que as famílias entendam que é possível perder a paciência e sentir ansiedade e raiva em alguns momentos, afinal, vive-se um período de excepcionalidade. Por isso, manter o diálogo e a acolhida com as crianças poderá ajudá-las a compreender que há momentos difíceis que envolvem sofrimentos, mas que é possível enfrentá-los para que se resolvam".

Neste momento, o uso de telas tem sido um grande aliado dos pais. Seja nas vídeochamadas para manutenção dos laços sociais e afetivos das crianças, como nos vídeos e desenhos. Não se culpe por isso, só observe a adequação dos conteúdos para a idade do filho.  "Há de se ter mais flexibilidade em seu uso", completa Pollyana.

Como lidar com a culpa - Perguntamos para a Ari Osshiro, especialista em Comunicação não Violenta, Educação Emocional e Disciplina Positiva para escolas, famílias e empresas, como lidar com a culpa de uma forma real, sem estabelecer metas ou seguir dicas que estejam acima do que se pode fazer na quarentena.

1. Olhe para você com mais amorosidade:

Pare, respire e diga para você mesma: o que eu estou fazendo de errado? Por que estou carregando toda essa culpa? Uma analogia que é clichê, mas faz todo sentindo, são as máscaras de oxigênio em um avião. Se você não usar a máscara primeiro, não estará consciente para ajudar seus filhos ou as pessoas sentadas ao seu lado. O autocuidado é muito importante para todos e arrisco-me a dizer: princialmente para as mães.

2. Afaste-se das pessoas que só trazem sentimentos de culpa:

Cuide-se e, se possível, afaste-se das pessoas que ativam gatilhos de culpa em você. Se as pessoas que desencadeiam esse sentimento forem membros da família, pode ser mais difícil. Você pode não ter a opção de cortar completamente essas pessoas da sua vida. Se você está perto de alguém que faz uma observação sarcástica, que te chateia ou traz culpa, saia do ambiente e tome um tempo para se acalmar.

3. Conecte-se com seus filhos:

Um dos geradores de culpa materna e a desconexão com os filhos. E aqui vão 4 maneiras de se conectar:

    • Conecte-se com declarações, não com perguntas.

    • Escolha um tempo para vocês se desconectarem das telas.

    • Organize um tempo precioso só pra vocês!

    • Tente arrumar um tempo pra fazer algo que abasteça seu tanque emocional (nem que seja pra ouvir uma música).

4. Abrace o caos e os seus filhos também:

Acolha o choro, acolha a dificuldade de lidar com os sentimentos, combine previamente abraços para momentos que “nada está dando certo”. Nesse momento tire o foco do caos da casa, dos brinquedos ou da louça.

5. Tente programar seu tempo:

Eu sei que é difícil, que as coisas não estão em condições normais, mas se possível, tente organizar seu cotidiano em uma agenda. Isso pode ser muito útil pra lidar com a culpa materna porque no fim do dia você terá uma enorme lista de tudo que você já fez e se sentirá mais produtiva. Não esqueça de colocar tempos de descanso em sua lista.

6. Escolha as batalhas que você quer entrar:

Escolha o que faz sentido para você  e sua família e não lute por batalhas que sejam apenas para atender demandas dos outros. Então o cabelo do seu filho não precisa estar perfeito. Por vezes as meias podem estar incompatíveis. E, se a roupa não estiver combinando, mas você estiver de acordo com isso, tá tudo bem também. Não se trata de permissividade. Trata-se de escolhas e prioridades para investir sua energia. Não deixe o perfeccionismo fazer da sua vida um cenário de guerra. Abra mão da perfeição e permita-se escolher as batalhas que você deseja lutar.

Gostou do tema? Como você está na quarentena? Mande um e-mail para mim: paulamaciulevicius@gmail.com.

Nos siga no Google Notícias