O cheque pré-datado sumiu, mas as histórias de dívida seguem no Centro
O jeito de se endividar mudou e comerciantes relembram como os talões eram o céu e o inferno ao mesmo tempo

Quem viveu a época em que os talões de cheque pré-datado eram sinônimo de dinheiro, ou melhor, de dívida, sabe que o uso deles na “praça” foi um sonho e um inferno ao mesmo tempo. Se a Black Friday acontecesse quando eles estavam no auge, os comerciantes chorariam. Isso porque os queridos, além de ajudar as pessoas a comprar o que não poderiam, já enganaram muita gente e deram prejuízos nas lojas. Hoje, o endividamento também se atualizou: é no cartão de crédito e até no Pix agendado.
RESUMO
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Mesmo depois de tanto tempo, ainda tem gente que insiste em pagar com cheque. O assunto é tão sério que, na loja do comerciante Ivo Rafael Silva, 68 anos, os talões não entram nem com reza brava.
Há 43 anos na Dom Aquino, ele conta que nunca aceitou cheques por lá justamente pelo problema que eles causavam: cheque sem fundo. Por ali, só o dele. Falando nisso, Ivo mostra um cheque datado de 2017, última vez que ele próprio usou um.
“Eu não pegava cheque de cliente, mas eu usava. O último que usei tem 8 anos. Não pego cheque e não aceito de jeito nenhum e não dou cheque também. Agora pelo menos o prejuízo é menor, porque o cheque pré-datado tinha devolução; cheque sem fundo era complicado. Hoje não, o cartão está garantido. Conheci muita gente que sacava cheque pré-datado e não pagava. Naquela época era muita gente no cedo”.
A cultura do cheque era tão forte que até nas escolas se ensinava como assinar um cheque e qual a melhor rubrica para não ter um cheque ‘falsificado’.
Com medo de golpes e má-fé de clientes, Ivo parou de cobrar Pix direto pelo celular e agora só vende dessa forma na máquina. Assim, o comprovante sai e ele tem garantia de que realmente não foi enganado.
“Se não sair comprovante, aqui não tem venda. Tem gente que pergunta se vende no cheque, mas eu não pego; com ele não vendo uma peça. Agora, com o Pix agendado é pior. Se se endivida no cartão, é muito pior. A inadimplência no cartão é alta, por isso o comércio caiu. Tá difícil.”
Ainda na mesma rua, na loja de panelas do Antenor Pereira dos Santos, de 61 anos, os clientes, vira e mexe, pedem para pagar no cheque. Ao contrário de Ivo, o comerciante não nega, mas prefere as outras formas de pagamento.
Para ele, os cheques pré-datados não eram regalias de todo mundo. Ele conta que, quando o cliente era muito parceiro, ele conseguia segurar o pagamento por até 15 dias, mas mais do que isso, não.
“Aqui se comprava muito no cheque. Algumas vezes pedia pra segurar, mas o pré-datado de 30 dias nunca consegui fazer, não. Eu usava cheque e pra mim era ótimo, porque eu comprava muito em São Paulo; aí era o pré-datado porque era muita coisa. Pra mim, essa época do cheque era ótima, mas agora o bom é o Pix.”
Histórias sobre endividamento por causa do cheque pré-datado são inúmeras, mas ele lembra de um amigo em específico que até hoje sofre com as consequências.
“No Pix não conheço ninguém que se endividou, mas no cheque, sim. Inclusive tem um amigo meu que até hoje está enrolado por causa de cheque pré-datado. Ele deve estar há 12 anos pagando dívida, não sei qual. Outros amigos meus se afundaram em dívida por causa de cheque pré-datado. Eu nunca tive problema com cheque pré-datado, sempre recebi à vista. Pix agendado não vi nenhum aqui até hoje.”
Para falar a verdade, ele nem se lembra da cara dos cheques, de tão raro que é alguém pedir para pagar dessa forma. “Esses dias, uma pessoa tentou usar cheque e eu perguntei se ela não tinha cartão de débito. Se pagar no cheque, eu recebo sem problema; tem gente que procura pagar no cheque. Muito raro, mas procura.”
Ainda na região, Manoel Mendes de Souza, 64 anos, é dono de uma sorveteria há 45 anos. Ele conta que nunca gostou e não usava o cheque, mas que a esposa sim. Inclusive achou um talão no guarda-roupa recentemente.

“Vi muita gente se lascar. Eu era só funcionário, nunca tive dinheiro, ganhava para pagar as continhas no final do mês e pronto. Quando meus amigos que trabalhavam com cheque pré-datado não conseguiam pagar, o negócio complicava. Não é fácil, não.”
Para ele, o cartão é o novo cheque. Na sorveteria, as pessoas usam cartão de crédito como forma preferida de pagamento. Manoel já viu gente que não tinha limite para um sorvete de 5 reais.
“O Pix agendado é mais um cartão de crédito. Quem entra nessa é igual agiota: nunca mais sai, é fria. Meu cartão é débito. Se não consigo sobreviver nem no débito, imagina crédito e Pix agendado? Vou morrendo aos poucos. Sou comerciante e a maioria das compras é no cartão. Tem gente que não tem nem o que comer e entra no crédito.”
Longe tanto dos cheques pré-datados quanto do Pix, Vilma Aparecida Silva, de 73 anos, irmã de Ivo, conta que muitas lojas saíam no prejuízo quando pegavam cheques pré-datados.
“Vi muita gente se endividar. Eles falavam: ‘Meu Deus, meu cheque pré-datado e não tenho dinheiro para pagar, e agora, como eu faço?’ Aqui na loja o pessoal não se endivida não, mas em outros lugares sim, com cartão de crédito que não paga. Nunca usei e nunca tive cheque, não gosto. É igual o tal do Pix, eu tô pensando em fazer, mas eu não tenho ainda. Eu gosto de ter o dinheiro na mão. Meu neto faz Pix agendado e ele falou que é uma boa.”

Como não cair nas dívidas na Black Friday?
O economista Eugênio Pavão comenta que com a chegada do ano novo, é momento de avaliar a situação financeira das famílias, que muitas vezes tomam decisões de consumo movidas pela emoção. Pelo “farol econômico”, Para ele, as famílias podem estar em três situações: verde, quando têm superávit; amarelo, quando receitas e despesas estão muito próximas; e vermelho, quando a renda é menor que os gastos, levando ao uso de crédito.
Na época de Black Friday e Natal, é preciso evitar compras por impulso para não comprometer a renda futura, já que juros altos podem fazer dívidas dobrarem em pouco mais de um ano.
"Como a macroeconomia está marcada por juros altos, modalidades como cartão de crédito, cheque especial e créditos do varejo são perigosas. Se necessário, opções como consignado ou ajuda familiar podem ser consideradas. Lembrando que, quanto mais fácil é obter os recursos para o consumo e gastos, é muito mais caro (cheque especial, agiotas, cartões de crédito, cartões de lojas, etc)".
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