O mito do controle é o que mascara a armadilha silenciosa do álcool
A crença de que é possível beber socialmente para sempre é uma ilusão comum, especialmente entre os jovens
“Eu achava que mandava no copo. No fim, era o copo que mandava em mim.”
RESUMO
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O alcoolismo transformou a vida de Rafael da Silva, que aos 42 anos compartilha sua jornada da primeira cerveja à dependência total. O que começou como diversão na juventude evoluiu para um consumo descontrolado, levando-o a perder família e emprego, até encontrar ajuda nos Alcoólicos Anônimos. Segundo o psiquiatra Marcos dos Santos, o álcool age de forma complexa no sistema nervoso central, criando tolerância e dependência. A condição vai além da força de vontade, envolvendo fatores biológicos e genéticos. Após dois anos de sobriedade, Rafael compreendeu que o verdadeiro controle está em si mesmo, não na bebida.
É assim que Rafael da Silva* começava a descrever os anos em que o álcool parecia apenas mais um facilitador social. Ele tem 42 anos, e conta que foi na juventude, em festas, que o primeiro gole pareceu sob controle, leve, até divertido.
“Quando tomei minha primeira cerveja, tinha certeza de que podia parar de beber quando quisesse. Eu era orgulhoso desse controle”, comenta.
Mas essa sensação era apenas uma ilusão e ele aprendeu da forma mais difícil. Com o tempo, as doses aumentaram, a cerveja virou destilado e as festas viraram rotina. Aquilo que ele dizia controlar se tornou algo que fugia a cada dia do controle.
“Se uma dose matava a timidez no começo, duas me davam coragem. Com o tempo, três já não me bastavam para me sentir bem”, revela. Aos 38 anos, ele percebeu que já não conseguia passar um dia sem beber.
Tentou reduzir sozinho, diminuindo a quantidade, mas a fissura voltava com força. E, quando parava, vinham abstinência, ansiedade, tremores e irritação.
Depois de perder o casamento, emprego e o próprio domínio da vida, Rafael procurou ajuda no Alcoólicos Anônimos, onde, nas reuniões, ouviu outras pessoas com histórias parecidas. O controle era só um mito, compartilhado por muitos, mantido pela negação.
Lá, Rafael aprendeu que a dependência do álcool não é só uma questão de querer ser forte ou fraco; é uma condição que vai além da força de vontade.
O relato de Rafael ilustra uma armadilha muito comum, a da crença de que é possível beber socialmente para sempre, mantendo o controle. Mas, para muitas pessoas, esse controle nunca foi real, e isso está longe de ser só uma questão moral.
“O álcool age no sistema nervoso central de modo complexo. No começo, provoca sensação de relaxamento e descontração. Mas, conforme o consumo se repete, o cérebro se adapta, desenvolve tolerância e, em muitos casos, a dependência, tanto física quanto psicológica”, explica o médico psiquiatra Marcos dos Santos.
Segundo ele, por trás desse processo há componentes biológicos, como vulnerabilidades genéticas, e mecanismos neuroquímicos que minam a noção de “posso parar se quiser”.
Além da fisiologia, o álcool muitas vezes se torna um refúgio para angústias emocionais. Conforme explica o psiquiatra especialista, muitos dependentes utilizam a bebida como alívio para ansiedade, depressão ou estresse, mas esse alívio é temporário e destrutivo.
Embora o álcool seja parte da cultura social em muitos ambientes, os números mostram que o problema pode ser bem mais profundo em Mato Grosso do Sul. Segundo levantamento do CISA (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool), o Estado registrou a 3ª maior taxa de internações por consumo de álcool no Brasil, com 256,3 internações por 100 mil habitantes.
Além disso, a média de internações na ala psiquiátrica para desintoxicação de álcool e drogas vem crescendo: de 17 pacientes por mês em 2023 para 25 internações por mês em 2024.
Para quem conheceu a pior face do vício, pedir ajuda e reconhecer a dependência foi libertador. Hoje, Rafael está há mais de dois anos sóbrio e diz que, ao entrar no AA, experimentou algo transformador. “Entendi que controle não era sobre a bebida, mas sobre mim mesmo. Eu só consegui retomar minha vida quando parei de lutar sozinho contra o copo”, finaliza.
*O nome usado na reportagem é fictício porque membros do Alcoólicos Anônimos não são autorizados a se identificar.
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