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Comportamento

Onda de suicídios assusta população de cidade turística de MS

Desde o início de novembro a 5 de janeiro deste ano foram registrados cinco casos, entre 18 e 36 anos

Izabela Cavalcanti | 07/01/2023 09:07
Grupo de pessoas se reúnem para orar por Bonito (Foto: Reprodução/Bonito Informa)
Grupo de pessoas se reúnem para orar por Bonito (Foto: Reprodução/Bonito Informa)

Bonito, a capital do ecoturismo, tem enfrentado o luto da maneira mais trágica nos últimos dias. Do início de novembro de 2022 a 5 de janeiro de 2023, cinco pessoas cometeram suicídio na cidade, que tem 22 mil habitantes. O número representa, em média, um suicídio a cada 12 dias.

Conforme apurado pelo Campo Grande News, os casos começaram há 60 dias, quando Gabriel, de 18 anos, perdeu a vida. No dia 25 de novembro de 2022, Diego, de 36 anos, entrou para a estatística. No dia 29 de dezembro, Fabrício, de 20 anos, foi vítima da depressão. No dia 1° de janeiro, Joilson, de 18 anos, se matou, e no dia 5 de janeiro, foi registrado o suicídio de Valdir, de 36 anos.

Nos dados da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), foram registradas quatro ocorrências, em Bonito, sendo duas em 2022 e duas em 2023, com idades de 18, 20, 24 e 36 anos. Mas a população contabiliza um morador que estava em Porto Murtinho quando morreu.

Diante do cenário, o padre Israel Moura, da Paróquia São Pedro, de Bonito, decidiu entrar em contato com o Corpo de Bombeiros do município, pedindo ações contra o suicídio. Ele conta que participou do sepultamento de Fabrício e de Joilson.

“O clima está pesado, as pessoas estão preocupadas, alguns pais estão preocupados com seus filhos. Andei atendendo alguns casos de adolescência de crise de ansiedade. Eu conversei com o capitão do Corpo de Bombeiros para tentar alguma ação de instrução contra o suicídio, para a gente fazer algum evento, alguma coisa para instruir as pessoas. A religião, a fé e Deus ajudam muito”, pontua.

Além disso, na segunda-feira (2), após a “onda” dos casos, membros de várias igrejas do município se juntaram para orar pela saúde emocional dos jovens e de toda a população.

Funcionária de uma escola de Bonito, identificada como Ana Lúcia, se limitou ao entrar no assunto. “Ficamos sabendo dos sucessivos casos de suicídios entre jovens no município. É muito triste. A cidade é pequena, é fácil cruzar com as pessoas, mas eu não os conhecia", lamenta.

Em resposta ao Campo Grande News, a Prefeitura de Bonito informou que essas cinco pessoas não chegaram a buscar ajuda no Caps (Centro de Atenção Psicossocial) do município. Depois do ocorrido, foi feita a busca ativa das famílias para atendimento psicológico.

“Essas pessoas que cometerem suicídio não passaram pelo Caps e nem por nenhuma rede pública em busca de tratamento psicológico. Eles não eram pacientes”, informou a prefeitura.

“As famílias desses pacientes estão sendo acolhidas no Caps, todos estão recebendo acompanhamento psicológico, tratamento, conforme a demanda. Foi feita a busca ativa dessas famílias. Todos estão sendo atendidos”, diz parte da nota enviada.

O Poder Executivo lembra que o município tem psicólogos e psiquiatras disponíveis no Centro para atender essas demandas, recebendo o acolhimento imediato.

Além disso, existem grupos ativos de prevenção, de mulheres, homens, jovens e adolescentes, para rodas de conversas.

Dados – Conforme dados do último boletim epidemiológico, divulgado em 2021, pelo Ministério da Saúde e da Secretaria de Vigilância em Saúde, Mato Grosso do Sul é o 4° estado brasileiro com o maior número de suicídios, por 100 mil habitantes. O primeiro estado é o Rio Grande do Sul, em seguida Santa Catarina e Piauí.

As mulheres são as que mais tentam suicídios e os homens são os que mais consumam o ato. A faixa etária de 10 a 25 anos são os que mais tiram a vida.

Ainda conforme a pesquisa, enquanto um caso é confirmado outros 20 são registrados como tentativa.

Casos de suicídios por estado brasileiro (Foto: Reprodução/Ministério da Saúde)
Casos de suicídios por estado brasileiro (Foto: Reprodução/Ministério da Saúde)

Fatores - Para quem vem de fora, é a cidade dos sonhos para se morar, com belezas naturais, mas para quem vive por lá, a situação e a rotina pode ser totalmente diferente.

O coordenador do curso de prevenção de suicídio da UFMS (Universidade Federal Mato Grosso do Sul) e coordenador do Núcleo de Ensino, Pesquisa, Extensão e Assistência do Luto, do Hospital Universitário, Edilson dos Reis, explicou ao Campo Grande News os desafios escondidos por trás de um cenário “adorável”.

“Nós temos que entender que o suicídio é um fenômeno mundial. Bonito, realmente, é um ponto turístico mundial, mas para a população que mora no município não tem atrativo nenhum. Nós precisamos esclarecer alguns pontos sobre o cenário local. O que chama atenção que é um número muito alto para um município pequeno”, destaca.

O profissional, que também é pós-graduado em saúde mental e especialista de gerenciamento de crise e prevenção ao suicídio, descreve sobre o alto custo de vida, infraestrutura e rede de apoio, na região.

“O custo de vida é caríssimo, a infraestrutura precisa melhorar para o turista e para a população local muito mais, a água não é uma água que pode tomar direto. É um município que oferece, sim, uma rede hoteleira, rede de serviços na estrutura alimentícia, tem emprego, mas o salário, por muitas vezes, é comercial. Ou seja, para a população de Bonito não tem uma perspectiva de futuro. Algumas cidades turísticas no Brasil não têm essa estrutura que é ofertada”, explica Edilson.

“Nós vemos o caso consumado, o suicídio em si, mas quantas tentativas que tiveram e como essas pessoas tiveram tratamento para isso. Quando um caso é registrado, até 20 tentativas ocorrem e às vezes não são notificados”, completa.

No entanto, o profissional questiona sobre o apoio que o município oferece para quem está em sofrimento. “Qual a estrutura que o município tem ofertado para essas pessoas em sofrimento psíquico? Em Bonito, tem psiquiatra que reside na cidade para os atendimentos de urgência e emergência?", indaga.

Ainda de acordo com Edilson, 90% dos casos de suicídio tem uma doença de base, que seria a depressão, ansiedade, transtorno bipolar, esquizofrenia e síndrome de borderline. Além da questão do alcoolismo e dependência química que acomete 35% dos suicidas.

Ademais, existem casos em que a pessoa não tem uma doença determinada, mas age por impulso, que segundo o médico especialista, são pessoas que não medem as consequências e que não sabem lidar com frustração. Ele cita também sobre o efeito imitativo, quando um caso chama o outro.

“Uma pessoa com transtorno mental, com doença de base, está em um caso de desesperança. Qual apoio que essa pessoa tem na família? Família é fator de proteção, tem que ter acolhimento, incentivar a buscar uma ajuda. A depressão é uma doença de uma alteração bioquímica, a depressão entra em um quadro de desesperança. A pessoa não vê perspectiva com o seu futuro. Por isso que ela tem que ser muito bem acolhida e ter o diagnóstico para começar a tratar".

Sinais – O médico especialista alerta para alguns sinais. Mudança de comportamento, angústia, medo, vergonha no ambiente familiar, privação do sono, instabilidade, impulsividade, agressividade, são alguns dos alertas.

“Mudou o comportamento daqueles prazeres que ele tinha antes por mais de uma semana contínua já é um sinal de alerta. A dor e a angústia vai ser depois das 19h. A pessoa deita, não dorme, tem alteração do sono. Qual o apoio que essa pessoa tem quando chega em casa?”, questiona.

Campo Grande News - Conteúdo de Verdade

Ajuda - Em Campo Grande, o GAV (Grupo Amor Vida) presta apoio emocional gratuito a pessoas em crise por meio de atendimento telefônico pelo número 0800 750 5554. Ligue sempre que precisar! O horário de funcionamento é das 7h às 23h, inclusive sábados, domingos e feriados.

Vítimas de depressão e demais transtornos psicológicos podem também buscar ajuda em escolas-clínicas de Psicologia, no Núcleo de Saúde Mental, CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) ou pelos telefones 141 e 188 CVV (Centro de Valorização da Vida), 190 da PM e 193 dos Bombeiros, que ajudam pacientes a romper o silêncio.

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