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Comportamento

Para turma de aposentados, música é maneira de recomeçar a vida depois dos 60

Depois de anos de uma rotina corrida, eles aprenderam nas aulas de violão a reordenar o tempo com disposição renovada.

Kimberly Teodoro | 01/03/2019 08:05
Mais da metade da vida de Alba foi voltada para o trabalho, com a aposentadoria ela precisou aprender novas formas de ocupar o tempo (Foto: Kísie Ainoã)
Mais da metade da vida de Alba foi voltada para o trabalho, com a aposentadoria ela precisou aprender novas formas de ocupar o tempo (Foto: Kísie Ainoã)

Os acordes do violão se fazem ouvir do corredor durante as aulas de música de uma turma que já passou dos 60, mas que preserva a animação de quem acabou de descobrir uma nova forma de encarar a vida. Alba, Raul e José têm histórias de vidas bem diferentes, mas se "esbarram" duas vezes por semana no Centro de Convivência do Idoso “Vovó Ziza”, para com o som do dedilhar das cordas dar ritmo a rotina.

Alba Alves da Rocha, de 61 anos, nunca foi de ficar parada. Funcionária pública por mais de 30 anos, ela conta que mais da metade da vida foi dedicada ao trabalho. "O horário de entrada para bater o ponto era 7h30 da manhã, o dia em que eu chegava tarde, ainda faltavam 15 minutos para as 7h. Sempre fui a primeira a chegar", relembra com orgulho. Quando a aposentadoria chegou, foi mais por obrigação do que vontade, a tendinite foi o preço pago por anos lidando com folhas de pagamento atrás de uma mesa de escritório. 

Depois de procurar um médico com fortes dores na mão direita e na extensão do braço, o veredito foi claro: "Ele me disse que eu não poderia mais trabalhar com nada que usasse as mãos, eu olhei para ele e perguntei que tipo de trabalho eu iria conseguir fazer sem usar as mãos?". Foi aí que Alba decidiu que era hora de parar e aproveitar o tempo para ficar com a mãe, que na época já tinha problemas no coração, rins e pulmão. A dedicação que a funcionária pública tinha com o escritório passou a ser da mãe.

Ela sempre gostou de música, mas o tempo para se dedicar ao violão só veio depois da aposentadoria (Foto: Kísie Ainoã)
Ela sempre gostou de música, mas o tempo para se dedicar ao violão só veio depois da aposentadoria (Foto: Kísie Ainoã)

A realidade da aposentadoria só atingiu Alba 6 anos depois, quando perdeu a mãe e precisou lidar com dias inteiros ociosos. "Sempre fui de sair muito para cuidar das minhas coisas, conversava com os vizinhos e conhecia todo mundo na rua, sempre adorei dançar e só não sabia tocar violão. Quando perdi minha mãe, de quem eu era muito próxima, esses dias ficaram vazios", conta. Há mais ou menos 1 ano, ela decidiu procurar o centro de convivência para fazer a "Oficina da memória" e por acaso, encontrou as aulas de violão. Hoje, duas vezes por semana, espanta a solidão com música, conversa e muita animação.

Sorridente, ela é uma das mais falantes na turma em que conhece todo mundo. Quando a equipe do Lado B entrou na sala, foi a primeira a se apresentar e ir deixando claro que estava voltando às aulas agora, já que no fim do ano passado a tendinite resolveu dar as caras de novo, mas com o tratamento médico, em breve ela estará boa para tocar um baile inteiro, até lá ela acompanha a turma com a voz puxando sem cerimônia os versos da "Chalana", conhecida na voz de Almir Sater.

É no ritmo das cordas do violão que Raul consegue, por algumas horas, esquecer a saudade (Foto: Kísie Ainoã)
É no ritmo das cordas do violão que Raul consegue, por algumas horas, esquecer a saudade (Foto: Kísie Ainoã)
Aos 87 anos Raul não perde aula nem em dia de chuva (Foto: Kísie Ainoã)
Aos 87 anos Raul não perde aula nem em dia de chuva (Foto: Kísie Ainoã)

Mais reservado que Alba, Raul Costa, de 87 anos, não deixou de sair de casa nem com a chuva forte que começou por volta do meio-dia de ontem (28). Morador da região, ele preferiu deixar o violão em casa, mas foi até o centro a pé com a ajuda do guarda-chuva para ouvir os colegas tocarem. Raul ficou viúvo há 4 anos, mas ainda usa a aliança da esposa ao lado da dele em respeito a mulher com quem compartilhou a vida. 

Na velhice, além da esposa ele perdeu também um filho, fazendo da saudade uma companhia constante que ainda traz lágrimas aos olhos. Com orgulho, ele conta que a outra filha é dentista e tem até o próprio consultório, mas com a correria do dia-a-dia ele acaba preenchendo as horas com as atividades do Vovó Ziza, passeios no shopping e almoços acompanhados da taça de um bom vinho, porque "faz bem para a saúde".

Depois de anos na sala de aula como professor, hoje José é aluno, mas nem por isso perde a majestade de quem lida com as cordas desde criança (Foto: Kísie Ainoã)
Depois de anos na sala de aula como professor, hoje José é aluno, mas nem por isso perde a majestade de quem lida com as cordas desde criança (Foto: Kísie Ainoã)
José conhece os acordes, o professor Anderson conhece as cifras, juntos eles aprendem um com o outro a cada aula (Foto: Kísie Ainoã)
José conhece os acordes, o professor Anderson conhece as cifras, juntos eles aprendem um com o outro a cada aula (Foto: Kísie Ainoã)

José Francisco Satelis, de 65 anos, é da turma da manhã, mas costuma passar o dia no centro ao lado da esposa, que faz hidroginástica. Ele mantém o título de "professor", não pelos anos em que deu aula de português e sim pela habilidade com o violão, instrumento que toca "de ouvido" desde criança. 

Quando questionado sobre as primeiras lembranças dedilhando as cordas, ele diz ser impossível ter certeza. "Cresci na fazenda, com a família grande e que se reunia sempre. Lembro que meus tios tocavam nessas reuniões e eu ficava aperto aprendendo a tocar". O primeiro violão só veio aos 18 anos. Antes disso, o instrumento era sempre emprestado de alguém. No repertório estão as duplas favoritas como Milionário e José Rico, e outros grandes nomes do "modão de viola", mas "tocador de ouvido", ele sabe tirar qualquer música sem precisar das cifras.

Aposentado há 5 anos, José chegou ao centro para participar do coral e descobriu as aulas de violão dadas pelo professor de música e sociologia, Anderson Salgado Lobato, de 31 anos, que leciona em duas turmas, às terças e quintas das 10h às 10h50 e das 15h às 15h50. José diz não entender das cifras, enquanto Anderson afirma aprender com a experiência do aluno em todas as aulas.

Para se inscrever nas atividades do Centro de Convivência de Idosos Vovó Ziza, é necessário ter mais de 60 anos e apresentar uma foto 3x4, documento de identidade e CPF (original e cópia), comprovante de residência, número de telefone celular ou fixo de 2 filhos ou parentes próximos, atestado médico e uma cópia do número do NIS. Mais informações no telefone: 3314-3059.

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Com músicas dos bons tempos do sertanejo, a turma leva os encontros semanais com muita animação (Foto: Kísie Ainoã)
Com músicas dos bons tempos do sertanejo, a turma leva os encontros semanais com muita animação (Foto: Kísie Ainoã)

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