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Comportamento

Quem vê Laura sorrindo, não faz ideia dos 25 anos de violência doméstica

De sorriso aberto e contando sobre os bailes que vai, Laura tem uma história que já foi triste, mas é de resistência

Wendy Tonhati | 07/03/2019 07:37
Dona Laura mora em barraco e espera entrega da casa própria (Foto: Wendy Tonhati)
Dona Laura mora em barraco e espera entrega da casa própria (Foto: Wendy Tonhati)

Quem vê dona Laura toda sorridente e falando dos bailes que frequenta não imagina o que ela já passou na vida. Casou-se aos 15 e sofreu durante 25 anos com a violência doméstica. Hoje ela vive em um barraco do Residencial Bom Retiro, para onde foram transferidos os moradores da antiga favela Cidade de Deus e espera para poder entrar na casa própria, que já está construída e ainda aguarda a entrega oficial da Prefeitura.

Laura Umbelina dos Santos tem 69 anos e nasceu em Presidente Venceslau, em São Paulo. Foi criada pelos pais e aos 14 anos começou a namorar o ex-marido. Um ano depois, ela e a família vieram morar no Estado. Ela casou-se e os pais compraram terras na região sul de Mato Grosso do Sul. O que era para ser uma vida tranquila virou um pesadelo que durou 25 anos.

“Quando eu vim para cá, eu tinha 15 anos. Comecei a namorar lá [em Presidente Venceslau] o pai dos meninos. Com um ano eu casei com ele aqui, entre Vicentina e Vila Rica. Ele tinha 30 anos e ele enganou o meu pai, porque ele não bebe, não fuma e é trabalhador. Ele tinha essa 'mostra de bondade', só que quando eu casei, ele foi ser quem ele realmente era e não tinha bondade nenhuma”, conta dona Laura.

Dona Laura diz que foi um casamento tradicional: registro no civil e cerimônia na igreja, de véu e grinalda. “Depois que eu vim, eu sofri e sofri. Ele não tinha paciência comigo e me batia. Eu perdi uma criança, acho que espancada por ele. Agora, eu fico pensando como eu tive paciência. Eu estava criança ainda e ele com 30 anos. Devia ter tido paciência, se eu esquecia alguma coisa para fazer, porque eu estava aprendendo. Casei cedo e a minha mãe ainda não tinha ensinado as coisas”.

Em breve, Dona Laura vai mudar para a casa de alvenaria
Em breve, Dona Laura vai mudar para a casa de alvenaria

Do casamento foram gerados nove filhos e seis nasceram vivos. Todos vieram ao mundo por parteiras, porque o ex-marido não permitia o acompanhamento médico e nem dava condições para dona Laura ter os bebês no hospital. “Todos os filhos nasceram de parteira. Era chá de pimenta do reino e arruda queimada. Foi tudo normal em casa. Eu tive muita sorte de estar viva para contar a história, porque eu vi muita mulher morrer desse jeito”.

Relembrando o passado, dona Laura diz que aguentou tanto tempo por paciência. “Agora eu penso por que eu tive tanta paciência. Eu fui parindo, tendo esses filhos. Pobre, sem roupa, sem médico é pior do que bicho. Ele não me levava no médico. Hoje as mulheres tomam a frente e vão ao médico e tem ajuda de governo. Ela pode se manter sozinha. Casei com 15 anos e fiquei 25 anos casada”.

O casamento durou 25 anos teve muitas agressões. Em um dos episódios mais traumatizantes para dona Laura, ela estava grávida de oito meses, foi agredida e o marido pegou os quatro filhos e foi embora para São Paulo. Ela deu parte e entrou na Justiça.

Poucos meses depois, ele pediu que um parente a buscasse para ir para São Paulo. Ela foi até o Fórum de Fátima do Sul e contou que estava acontecendo. Foi orientada a não embarcar e o ex-marido voltou para casa, prometendo parar com as agressões. A promessa não foi cumprida e a rotina de sofrimento continuou. Somente depois de 25 anos de casados é que ela conseguiu se separar. 

Decoração é feita com objetos recolhidos na reciclagem
Decoração é feita com objetos recolhidos na reciclagem

“Fui de quatro filhos para nove. Ele tinha casa em Dourados e nos separamos e não deixou muita coisa para mim. Eu aguentei dos 15 anos aos 40 anos. É muita paciência. Eu ia à minha família e pedia para juntar roupas para mim e trazia para vestir as crianças”.

“Se fosse eu hoje, que tem Maria da Penha, diria para que não espere não. Se for maltratada pelo marido, saia de perto. Mas eu acho que tem que sair para longe, não dar nem notícia. Porque largar e ficar vizinha não dá. Eu falo para largar mesmo”.

A vinda para Campo Grande aconteceu depois que um dos filhos já estava adulto e veio morar na Capital. Ela veio para ficar com ele e os outros filhos também vieram depois. “Esse filho bombeiro não ficou nem com o pai e nem com a mãe. Ele saiu de Dourados e veio morar aqui sozinho, e eu vim também. Era o mais estudado e que me acolhia". 

Depois, o filho foi transferido para Fátima do Sul e como o mais novo morava no Parque do Sol, dona Laura foi morar por lá também, após de comprar um terreno. Com a transferência para o Residencial Bom Retiro, os dois foram para lá. Dos filhos, há quatro em Mato Grosso do Sul, um em Portugal e uma em São Paulo Capital.

O barraco em que dona Laura ainda vive é bem simples e em dias de chuva, a situação fica ainda pior. Para viver, ela às vezes recolhe materiais reciclados e até faz capina de terrenos. Mas, o que  ela gosta mesmo é dançar no baile.

“Eu gosto muito de dançar e tenho um namorado que tem 85 anos, mas é devagar, coitadinho. Eu danço com ele, mas não me satisfaz, porque, ele não acompanha os meus passos. Quando ele está cansado, eu saio solta na sala, danço sozinha. Dou cada rodada. Eu gosto de um cavalheiro que dança bem, com passos rápidos, mas é difícil aqui. Vou sempre meio-dia e volto 17h30. Por mim eu ficava o dia todo lá.

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