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Comportamento

Querido na UFMS, Antônio foi o motorista que aprendeu fórmulas para ajudar aluno

De motorista a técnico de laboratório, seu Antônio estava na universidade há 37 anos

Thailla Torres | 03/05/2017 06:05
Seu Antônio se aposentou depois 37 anos na UFMS e agora coleciona homenagens, além da saudade dos alunos. (Foto: Marcos Ermínio)
Seu Antônio se aposentou depois 37 anos na UFMS e agora coleciona homenagens, além da saudade dos alunos. (Foto: Marcos Ermínio)

As turmas de Medicina Veterinária e Zootecnia que se formaram nos últimos 37 anos na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) passaram pelos ensinamentos e se depararam com o sorriso de Antônio Peres Stravi, o técnico do laboratório de nutrição animal da faculdade. Mas há um mês ele se aposentou, deixando saudade em quem viu de perto o compromisso e o amor que Antônio tinha, acima de tudo, pela profissão.

Antônio se recorda de quando se tornou motorista na reitoria da universidade, em 2 de junho de 1980. "Eu trabalhava na Andorinha e decidi que faria o concurso para trabalhar com Edgard Zardo, que era reitor na época e já faleceu. Trabalhei um tempo como motorista e depois fui colocado nos serviços gerais", lembra.

A dedicação de Antônio no trabalho despertou atenção na professora doutora Maria das Graças Moares, do curso de Medicina Veterinária, por quem ele tem grande admiração desde que foi convidado a ser auxiliar em suas pesquisas e no laboratório da faculdade.

Com olhos cheios de emoção ele disse que vai sentir  falta dos alunos. (Foto: Marcos Ermínio)
Com olhos cheios de emoção ele disse que vai sentir falta dos alunos. (Foto: Marcos Ermínio)

"Ela foi fazer o doutorado e fiquei um tempo trabalhando na fazenda escola de Terenos. Depois vim para a FAMEZ, que era o hospital veterinário na época, onde passei a auxiliar nas pesquisas dela", conta.

Em ambiente desconhecido, Antônio confessa que pela primeira vez teve receio de encarar o desafio pela falta de conhecimento. "Eu fui, mas minha vontade naquela hora foi de ir embora porque eu não conhecia nada, era muito diferente do mundo que eu cresci", diz.

Nascido no interior, Antônio veio de uma família humilde e cresceu trabalhando na roça desde os 9 anos de idade. Na infância encarava 17 quilômetros até a escola. Pausou os estudos na quinta série por conta do trabalho e só conseguiu voltar a escola na década 80.

"Era uma tristeza porque eu não entendia nada. Mas como eu fui criado na roça, desde menino a gente nunca teve preguiça. Então eu comecei a me virar e prestar atenção em tudo que a professora me explicava. No começo ela me ensinou muita coisa, depois eu me virava com todos os catálogos que tinha no laboratório".

Autodidata, Antônio decidiu devorar os livros. "A professora ia embora e eu pegava tudo que tinha de explicação sobre as vidrarias de laboratório, balança, volumes e reagentes para ler. Assim eu fui aprendendo cada vez mais, porque eu não tinha má vontade", afirma.

Depois fez o curso de Análises Clínicas para ter um conhecimento profundo das atividades do laboratório. "Meu serviço era dar suporte. Então por exemplo, o aluno montava sua tese, mas não sabia mexer no equipamento, então eu orientava, ensinava e dava suporte dependendo da atividade que o aluno ia desempenhar".

Uma das homenagens feita pela turma de Zootecnia.
(Foto: Marcos Ermínio)
Uma das homenagens feita pela turma de Zootecnia. (Foto: Marcos Ermínio)

Determinado, ele aprendeu também as fórmulas necessárias para contribuir com os acadêmicos dentro do laboratório. "Lá tem o catálogo do Ministério da Agricultura com todas as fórmulas, por exemplo, para fazer um reagente e que deve ser feito com exatidão. Então eu estudava para desenvolver, achar fatores e correções. Com o tempo fui me esforçando e muita coisa ficou gravado na memória", descreve.

Antônio contribuiu com a educação e foi também exemplo de perseverança. Ele se emociona ao lembrar de quantas vezes ajudou um aluno através de uma conversa como amigo.

"Cada um tem uma história diferente e sempre converso com aqueles que estão pensando em desistir. Um dos momentos marcantes pra mim foi quando um aluno disse que ia trancar o curso porque não tinha o que comer. A gente que nasceu numa vida humilde sabe como é difícil e aquilo cortou o meu coração. Infelizmente esse aluno se foi um tempo depois, num acidente de carro, mas nunca deixei de falar para eles seguirem em frente", recorda.

Casado há 22 anos, Antônio é pai de 3 filhos e em breve será avô. Depois de anos como técnico de laboratório, ele comemora ter concluído o curso de Gestão Pública. A convite dos alunos, coleciona plaquinhas que foram homenagens das turmas de Zootecnia e Medicina Veterinária. "Acho que eles me convidam pela humildade. Sempre fui assim com os alunos e quando vejo alguém triste, não deixo de tomar um tereré e sentar para uma conversa. Sempre fui assim com todos". 

Nessa nova fase ele já pensa no que vai fazer ao lado da família, enquanto os tempos de UFMS ficam na saudade. "Do que sinto falta? Principalmente dos alunos. A gente acaba sonhando junto com eles durante esses anos. Não fui só um técnico, quem trabalha em faculdade sabe que vira um pouco amigo, tio e paizão de muita gente".

A aposentadoria chegou aos 66 anos de idade, mas ele garantia que continua disposto a qualquer ajuda e torce pelos alunos. "A vida passa e parece que foi ontem que entrei na universidade. Desejo boa sorte a todos e que todo mundo corra atrás dos seus objetivos, porque na verdade não existe gente burra, apenas pessoas acomodadas e se a gente tentar, com certeza vai conseguir", finaliza.

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