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Comportamento

Quinze anos após a morte, filho vai a Machu Picchu realizar sonho do pai

Apesar de não ter sido o lugar mais alto, foi o lugar onde Rafael se sentiu mais perto do céu e do pai

Thailla Torres | 14/10/2019 06:45
Última foto de pai e filho, dias antes do acidentes. (Foto: Arquivo Pessoal)
Última foto de pai e filho, dias antes do acidentes. (Foto: Arquivo Pessoal)

São 15 anos de uma saudade e uma viagem de mais de dois mil quilômetros de Campo Grande até Machu Picchu, no Peru, para um reencontro que nem o DJ Rafael Brunetto imaginava que seria tão forte. Ele perdeu o pai em 2004, em um trágico acidente, e desde então, nunca esqueceu a viagem que Osni, aos 29 anos, planejava até Peru, mas que não houve tempo para pegar a estrada.

Neste ano, em julho, Rafael realizou este sonho, que nunca esteve adormecido. Desde que a namorada Talita Moutinho Teixeira começou a planejar a viagem, ele só conseguia pensar neste passeio.

Rafael era pequeno, mas se lembra com detalhes do pai sentado à frente do computador planejando os detalhes da aventura. “Ele estava planejando fazê-la de moto já havia muito tempo, lembro que ele tinha todo o roteiro, mapa, dicas e até a data marcada, era algo pelo meio do ano, mais ou menos nessa época em que eu fui”.

Rafael visitou Machu Picchu em junho deste ano. (Foto: Arquivo Pessoal)
Rafael visitou Machu Picchu em junho deste ano. (Foto: Arquivo Pessoal)

O rosto de Osni sentando em frente do computador e falando com o filho sobre Machu Picchu ainda não saiu da memória. “Na época, parecia algo muito distante para mim, não conseguia acreditar direito que era real aquele lugar”.

Embora algumas lembranças apareçam embaralhadas na cabeça, o filho não tem dúvidas que a viagem era para Osni algo mais profundo do que um simples roteiro turístico. “Ele queria ir de moto, sozinho, talvez fosse uma espécie de descoberta que ele precisava fazer, não sei, por algum motivo tenho essa sensação comigo”.

Osni era funcionário público, trabalhava na agência fazendária. Ele estava voltando da faculdade, em Dourados, para Rio Brilhante onde morava com a família, quando sofreu um acidente de moto na rodovia. Faltava poucos meses completar 30 anos de vida.

Com a tragédia, ele não teve a oportunidade de fazer a viagem, mas Rafael prometeu que realizaria esse sonho. “Essa ideia ficou guardada dentro de mim e eu prometi que um dia iria fazer essa viagem”.

Os motivos de realizar o sonho também vão além de uma saudade. “Meu pai foi meu primeiro melhor amigo, sem clichês”, justifica. “Apesar de ter tido menos tempo de vida com ele, do que sem ele, meu pai me ensinou muita coisa que moldou o homem que sou hoje”.

Rafa e anamorada Talita. (Foto: Arquivo Pessoal)
Rafa e anamorada Talita. (Foto: Arquivo Pessoal)
Amigos feitos em um bar do Peru. (Foto: Arquivo Pessoal)
Amigos feitos em um bar do Peru. (Foto: Arquivo Pessoal)

Osni deixou no filho as marcas de um homem gentil, alto astral e sempre muito educado, independentemente da situação. “Sempre esteve disposto a ajudar o próximo, sempre tentou levar a vida mais leve, sempre brincalhão, rindo, sorrindo, meu pai era a pessoa que arrancava gargalhadas de todo mundo, ele com toda certeza iluminava os lugares onde passava”.

Até hoje o filho encontra amigos que confirmam tudo o que ficou no peito. “Esse ano aconteceu um episódio que me marcou. Eu estava em Rio brilhante e uma pessoa que não conheço veio até mim, me cumprimentou, perguntou se eu era filho dele e disse que estudou com ele, e que o enxergava em mim e pediu um abraço. Coisas assim reafirmam a pessoa maravilhosa que ele era”.

A viagem -  Rafael brinca que é suspeito para falar, mas de todos os lugares que já visitou, Machu Picchu é o mais incrível. “Eu pude ter uma experiência muito mais profunda do que apenas observar e conhecer sobre aqueles que ali viveram”.

Na arquitetura simplicidade é o que encanta. “Aprender de perto como eles conseguiam construir tanta coisa maravilhosa usando apenas técnicas rudimentares e sem nenhum auxílio de ferramentas tecnológicas foi um aprendizado ótimo”.
A cultura peruana traz cores, tradições antigas e, todo dia, segundo Rafael, era possível ver nas ruas podíamos crianças ensaiando danças, cantos, todos sempre com trajes típicos. “Tudo muito colorido, lindo”.

Na gastronomia “eles são privilegiados em alguns aspectos”, diz. “Lá existem inúmeros tipos de frutas e legumes que aqui não temos. Eu não achei muito diferente os pratos, tirando os porquinhos da Índia que eles comem assados”.

O povo peruano é muito receptível, o casal fiz que foi bem recebido e atendido em todos os lugares. “Eles amam os brasileiros, demos sorte ainda que no dia em que chegamos era a final da Copa América com Peru e Brasil, fomos assistir ao jogo em um bar cheio de peruanos, eles também são fanáticos por futebol, foi outra experiência bem interessante. No início, confesso que estava um pouco tenso, afinal, só eu estava com camiseta do Brasil, no fim do jogo já estávamos todos amigos e conversando, mesmo com a vitória brasileira”.

O reencontro com o pai - No último dia de aula, às vésperas de iniciar o Vale Sagrado, foi conhecer um bar e pediu uma cerveja para apreciar a vista e esperar o horário para a próxima aula. Por alguns minutos, enquanto esperava Talita terminar sua tarefa, Rafael ficou em silêncio e viveu a experiência que esperou durante anos, mas parecia inimaginável.

“Pode parecer loucura, mas por aqueles instantes, eu senti que todos ao meu redor sumiram, enquanto tudo estava lento, eu senti meu pai sentado ali comigo”, conta. Rafael narra com detalhes como tudo se passou tão nítido. “Eu e ele tomamos juntos a cerveja que nunca bebemos. Eu queria ficar vivendo aquele instante o maior tempo possível. Sem que ninguém percebesse eu terminei aquela cerveja chorando e curtindo com meu pai e pelo meu pai”.

Na pedra, o reecontro que ele não imaginava. (Foto: Arquivo Pessoal)
Na pedra, o reecontro que ele não imaginava. (Foto: Arquivo Pessoal)

Rafael diz que já tinha tido algumas experiências semelhantes, mas nunca com aquela força. No dia seguinte, ao iniciar a ida ao Vale Sagrado, Rafael só conseguia pensar no pai. À noite, em Águas Calientes, na véspera de subir a Machu Picchu, passou a ter a sensação de ver Osni em todo lugar, nos bares, na rua e nas lojinhas fazendo palhaçadas. “Essa noite eu mal dormi”.

Quando finalmente chegou o dia, Rafael não se aguentava de ansiedade. “Saímos era escuro ainda, pegamos o ônibus e durante a subida, o dia foi clareando, revelando parte da beleza daquele lugar”, revela.

Chegando à fila para entrar no primeiro horário, enquanto a namorada olhava para um lado, Rafael ficou sozinho por alguns minutos e teve um reencontro ainda mais emocionante. “Naquele lugar praticamente vazio, naquele silêncio, naquela paz, eu posso jurar que vi meu pai, não era sensação de quase ver, eu juro que eu vi, ele estava ali sentado numa pedra, observando, realizando seu sonho, vendo o quão maravilhoso era aquele lugar, eu me aproximei, sentei na mesma pedra, e sem dizer nada um ao outro, apenas ficamos ali. Isso foi tão real, eu sentia seu cheiro, sua respiração, sua presença. Finalmente, ele estava realizando seu sonho e eu também. Apesar de não ter sido o lugar mais alto, foi onde eu me senti mais perto do céu”.

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