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Comportamento

Regras engraçadas de quem é casado há 50 anos, mas vive como cão e gato

Elverson Cardozo | 15/04/2013 07:50
Aluna do 9º ano, Célia Rondon afirma que voltou para escola porque não suporta o marido. (Foto: Marcos Ermínio)
Aluna do 9º ano, Célia Rondon afirma que voltou para escola porque não suporta o marido. (Foto: Marcos Ermínio)

Nas andanças por Campo Grande, o Lado B encontrou uma história de amor, mas de um amor às avessas, daqueles que parece ter sido retirado de um roteiro de cinema, de uma comédia romântica. Um simples encontro, uma conversa descontraída, informal, e o relato de vidas comuns, de gente como a gente. Impossível segurar o riso e sufocar a gargalhada.

A entrevistada de hoje é com uma senhora de 71 anos, bom personagem para matérias sobre superação e determinação aos estudos na chamada “melhor idade”. Exemplo para novos e velhos, Célia Rondon da Costa é mais uma aluna que integra a turma do período noturno do 9º ano na Escola Estadual Maestro Frederico Lieberman, no bairro Monte Castelo, em Campo Grande.

Ela resolveu voltar para a sala de aula há 3 anos. De lá para cá, nada mudou. A mulher continua dedicada, firme e forte. A vontade de aprender é invejável, digna de elogios, mas o motivo que a fez se debruçar, novamente, sobre os livros, passa bem longe do desejo de se formar e conquistar uma posição no mercado.

É claro que, com o tempo, isso se tornou mais um objetivo a ser alcançado. Quando terminar o ensino médio, a senhora pensa em prestar vestibular para algum curso que permita atuação na área de saúde ou, quem sabe, tentar uma graduação que a qualifique para dar aulas a crianças.

Espontânea, dona Célia arranca gargalhada de qualquer um. (Foto: Marcos Ermínio)
Espontânea, dona Célia arranca gargalhada de qualquer um. (Foto: Marcos Ermínio)

Tudo isso, porém, são planos para o futuro arquitetados agora. A curto e médio prazo, dona Célia quer mesmo é ser ver livre do marido, o garapeiro Sebastião Alves da Costa, de 75 anos, com quem está casada há meio século.

Foi de tanto reclamar do companheiro e tentar “enfiar” o coitado em tudo quanto é resposta sobre os estudos, rotina turbulenta e perseverança, que o Lado B resolveu contar essa história.

Em casa, a situação estava ficando feia com tanta briga. Como já é tarde para se livrar da “encrenca” que entrou há 50 anos, a aposentada não viu saída senão voltar à escola na intenção de “refrescar a cabeça”. Quando mais tempo fica fora, melhor. Pelo menos é isso o que ela prega como teoria. A prática é outro assunto.

“Se você é ruim para sua mulher, acha que ela vai te gavar, moço?”, perguntou ela, logo que começou a reclamar. “Antes eu estar estudando do que meu marido ficar aqui, brigando comigo”, disse.

O casal vive em pé de guerra. Ela jura que casou forçada pelo pai e que nunca gostou do esposo, mas se enrola toda na hora de explicar porque resolveu comemorar as bodas de ouro com ele em dezembro do ano passado.

O clima de “gato e rato” é tanto que dentro de casa há regras definidas, engraçadas por sinal. Ela só toma leite da marca “Garotão”. Ele só consome a bebida se o saquinho, da mesma empresa, estampar a palavra “Mais”. Aí dela se ousar trocar os pacotes. “Nossa guerra começa por aí. Se eu beber o dele é a mesma coisa de sentar uma pedrada nele”, disse.

Aposentada e os saquinhos de leite. Ela só bebe se for "Garotão". Ele só toma o "Mais". (Foto: Marcos Ermínio)
Aposentada e os saquinhos de leite. Ela só bebe se for "Garotão". Ele só toma o "Mais". (Foto: Marcos Ermínio)

Os pratos são separados. Os dela, de porcelana. Os dele, de vidro. Talhares também são divididos. Inexplicavelmente, o casal ainda divide a mesma cama, mas nem tudo são flores.

“O dia que ele fica me perturbando eu venho dormir no sofá. Tem dia que é ele que pula fora, está com a cachorra no coro e vai dormir lá. É assim. Essa cachorrada”, revelou.

As brigas, explicou, ocorrem há anos, desde o início do casamento porque o esposo, seo Sebastião, é “bruto”, e quer tratá-la a “rédeas curtas”. “Quem anda nos freios é égua. Não sou égua”, comentou, enfurecida.

Aparecida Rondon da Costa, de 46 anos, é uma das filhas do casal que fica no fogo cruzado. Desde criança, relembrou, o casal troca farpas, mas as discussões, na maioria das vezes, sempre foram provocadas pela mãe, que não aceita ser contrariada e, além disso, é ciumenta.

Filha, Aparecida Rondon, vive no fogo cruzado. (Foto: Marcos Ermínio)
Filha, Aparecida Rondon, vive no fogo cruzado. (Foto: Marcos Ermínio)

Para a dona de casa, Sebastião e Célia se amam, mas são durões e fazem de tudo para não demonstrar o que sentam. Ela, ao invés de se acertar com o marido, parece que fica procurando motivos para brigar. Ele, diante da situação, acaba se retraindo e fica ainda mais distante. “Pelo jeito que a gente se vê eles se amam, mas não querem dar demonstração”, disse.

Aparecida e os outros filhos vivem tentando reaproximar o casal, mas a birra dos dois não deixa. “Depende deles”, sentenciou.

Para não ser injusto e, claro, para ouvir o outro lado dessa história, o Lado B foi atrás do garapeiro. Sebastião, ao contrário de dona Célia, aparenta ser tranquilo e cai na risada quando descobre as reclamações da mulher ditas à reportagem. “Ela está exagerando demais da conta”.

Taxado de mulherengo sem dó ou piedade, ele se defende como pode e brinca que deveria ter sido “biscateiro” mesmo, já que agora está sendo acusado injustamente. Em 50 anos de casado, garantiu, nunca traiu a mulher.

Sorridente, Sebastião conta que a mulher é ciumenta e barraqueira. (Foto: Marcos Ermínio)
Sorridente, Sebastião conta que a mulher é ciumenta e barraqueira. (Foto: Marcos Ermínio)

Mas ele sabe que casou com uma “fera”. Quando noivou, o sogro foi o primeiro a alertar. “Ele falou para mim: ‘vocês vão casar, mas minha filha é birreta e pirracenta’. O pai avisou e ela é assim mesmo. Se você diz que aquilo não é assim, aí que ela quer”, disse, ao desmentir a declaração de que o casamento foi arranjado.

Além da pirraça, a esposa é ciumenta, beira à doença. Faz barracos mesmo. Outro dia, para espantar a clientela feminina, foi a garaparia dele e molhou todos os bancos para que nenhuma “assanhada” pudesse sentar.

“Eu tinha muita freguesia, mas agora não para mais mulher. Ela [a esposa] aparece lá na esquina e vem aqui”, contou.

Mas o problema, a “irritação” da esposa, aumentou de um tempo para cá. Desde que passou por uma cirurgia na próstata, Sebastião “não comparece”.

Garapeiro aguenta a "fera" há 50 anos, mas diz que a ama. (Foto: Marcos Ermínio)
Garapeiro aguenta a "fera" há 50 anos, mas diz que a ama. (Foto: Marcos Ermínio)

Ele não gosta de comentar o assunto, mas a esposa, escandalosa, vive soltando aos quatro ventos a insatisfação. “Eu sei que ela ainda é fogosa, mas ela não quer entender”, lamentou.

Apesar dos problemas, o garapeiro, diferente da mulher que não dá o braço a torcer, declara amor incondicional à Célia e diz que quer estar sempre ao lado dela, especialmente agora, na velhice.

Ela, durona como sempre, não assume a paixão. Prefere dizer que está “meio lá, meio cá”: “Eu, assim... Nem chove, nem molha como diz os antigos”.

“Não sou mais homem para ela e para ninguém, mas temos que terminar agora? Agora que eu preciso dela e ela de mim? Não é como no tempo em que a gente era novo e cada um podia ir para um canto”, finalizou o garapeiro.

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