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Comportamento

Sem cerca elétrica, morar em região barra pesada pode ser lição de humanidade

Enquanto a maioria da população ataca, quem mora em regiões consideradas violentas defende quem é visto como "problema"

Thailla Torres | 30/03/2017 07:30
Dona Conceição mora por ali há 50 anos e não há perigo que faça ela arredar o pé. (Foto: Marcos Ermínio)
Dona Conceição mora por ali há 50 anos e não há perigo que faça ela arredar o pé. (Foto: Marcos Ermínio)

Uma das regiões fadadas ao abandono em plena área central de Campo Grande tem problemas, mas também muita gente que resiste. Com dependentes químicos acampados nas calçadas e violência, falar dos arredores da Orla Ferroviária e do antigo Terminal Rodoviário é chover no molhado, mas o Lado B foi buscar as histórias de moradores que querem uma segunda chance para o lugar, porque há muitos anos escolheram viver ali.

Muitos herdaram os imóveis dos pais e depois de mais de 50 anos não querem ou não podem abandonar a região. É claro que alguns vizinhos já mostraram uma face hostil ao que consideram "pessoas mal intencionadas", mas basta uma volta pela região para perceber que nem todo mundo pensa assim. Apesar da má fama, chama atenção que grande partes das casas nem possuí cerca elétrica, um indício de que conviver pode ser menos perigoso do que a gente imagina.

Para Conceição a região "perigosa" não tem nada de ruim, só precisa de uma segunda chance. (Foto: Marcos Ermínio)
Para Conceição a região "perigosa" não tem nada de ruim, só precisa de uma segunda chance. (Foto: Marcos Ermínio)

Dona Conceição Pereira, de 69 anos comemora bodas de ouro com a Rua Dom Aquino, quase em frente ao antigo terminal. 

A casa dela é simples, mas de uma graça indiscutível aos olhos de quem adora a natureza. Nos fundos da residência, o encontro é com o verde das plantas por todo quintal. "Foram plantadas pela minha mãezoca", se orgulha Conceição. No bairro tomado pela alvenaria, quintais como o dela são raridade, o que faz Conceição não arredar o pé dali, ao lado dos irmãos. 

A casa foi herança dos pais que eram portugueses e chegaram na região do Amambaí jovens. "Meu pai viu isso daqui crescer, ele viveu aqui uns 80 anos", afirma.

Das recordações, Conceição fala das mudanças e dos melhores momentos vividos na região. Entre eles a construção da Rodoviária que na década de 1980 era o "shopping" de Campo Grande. "Tinha música, diversão e ali era o nosso ponto de encontro. Melhor época", acredita.

Local virou abrigo de moradores de rua. (Foto: Marcos Ermínio)
Local virou abrigo de moradores de rua. (Foto: Marcos Ermínio)

Questionada sobre a a violência e a presença de usuários de drogas, pontos enfatizados pelas pessoas quando se fala no lugar, Conceição não enxerga a situação como um perigo. "Isso é um problema social, eles não fazem mal para gente. Só precisam de ajuda".

Ao contrário de hostilizar e chamar a polícia sempre que um situação acontece, Conceição age com humanidade. "Sempre vou atrás da Assistência Social. É o único jeito deles receberem ajuda, eles são usuários, estão doentes e precisam de tratamento, não de violência", reflete.

E olha que por ali a vizinhança já presenciou de tudo, mas nada que os façam mudar de ideia. "Eles (usuários) me reconhecem pelo nome. Sempre que passo me cumprimentam e eu ajudo com algo quando posso", diz a dona de casa.

Dona Maria mora ali há 32 anos e só tem um episódio triste na ligação com o bairro. (Foto: Marcos Ermínio)
Dona Maria mora ali há 32 anos e só tem um episódio triste na ligação com o bairro. (Foto: Marcos Ermínio)
Carlos já viu gente levando roupas do seu brechó, mas para ele é o melhor ponto da cidade. (Foto: Marcos Ermínio)
Carlos já viu gente levando roupas do seu brechó, mas para ele é o melhor ponto da cidade. (Foto: Marcos Ermínio)

A cabeleireira Maria Yoshie, de 78 anos, tem só um episódio de transtorno nos 32 anos morando próximo a antiga rodoviária. "Uma vez estava cheio de moradores de rua aqui na frente do salão. Aí eles pediram dinheiro e como a gente não tinha, um deles acabou quebrando o vidro de nervoso. Mas foi só essa vez", conta.

Ela lembra que o bairro faz parte da história da família. "Aqui é muito bom para gente. Nunca entraram na minha casa e na rua nunca aconteceu nada". diz.

Quando o assunto é violência, as histórias são sempre muito parecidas. Usuários furtam objetos e o que tem acesso fácil para trocarem por drogas. É difícil alguma invasão de residência, mas até chachorro já foi furtado.  "Um dia, eu olhei na varanda e vi que roubaram meu cachorro na varanda. Fui na polícia e eles disseram que já conheciam quem tinha pegada. Era um usuário que ia trocar ele por droga", conta Margarete dos Santos de 56 anos, que depois recuperou o cãozinho. 

Assim como o vira-lata não escapou, nem as roupas do brechó tem sossego. O quadrilátero da antiga rodoviária é conhecido pela venda de roupas usadas e para os comerciantes é um dos melhores pontos, apesar das situações de furto. "Eles passam aqui correndo e levam as roupas com cabide e tudo. Eu chamo a polícia, mas isso não é sempre que acontece", afirma o proprietário de um brechó, Carlos Antônio da Costa, de 38 anos, que prefere ficar ali a passar aperto com comércio em outro ponto da cidade.

E até quem já ouviu falar muito mal da região, não abriu mão de alugar uma casa por ali. Paulo Henrique dos Santos é um dos moradores mais recentes. "A gente escuta muita história. Mas a verdade é que a região só precisa de atenção como outros bairros da cidade. E não é só de policiamento, mas um olhar para o comércios, para quem mora há muito tempo e essas pessoas que vivem na rua. Só isso", acredita.

Margarete teve o vira-lata roubado na varanda de casa. (Foto: Marcos Ermínio)
Margarete teve o vira-lata roubado na varanda de casa. (Foto: Marcos Ermínio)
Boa parte das residências não tem cerca elétrica. (Foto: Marcos Ermínio)
Boa parte das residências não tem cerca elétrica. (Foto: Marcos Ermínio)
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