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Comportamento

Sem cobrar cachê, Cartola esteve em Campo Grande e fez até música para a cidade

Paula Maciulevicius | 26/08/2015 07:12
Música "Cidade Morena", composição de Cartola e Nuno Veloso. (Foto: Fernando Antunes)
Música "Cidade Morena", composição de Cartola e Nuno Veloso. (Foto: Fernando Antunes)

O ano era 1962, o mês: agosto. Em comemoração ao aniversário da cidade, o então prefeito Wilson Barbosa Martins, faria a inauguração da Praça do Rádio, de nome oficial "Praça da República". Como era o último ano à frente da administração, o desejo era de fechar com chave de ouro. A programação que trouxe à Capital o mestre Cartola junto de outros 14 integrantes da Mangueira, começou a ser preparada 1 ano antes, no Rio de Janeiro.

Secretário da Fazenda da cidade à época, Arthur Martins de Barros, foi quem fez o convite a Cartola e Nuno Veloso para trazer para Campo Grande algo popular e "à altura" das comemorações. À escola de samba Mangueira, o então secretário resumiu a cidade em dados, pequena, com pouco mais de 65 mil habitantes. 

Cerca de um ano depois, o avião vindo do Rio de Janeiro desembarcava no aeroporto de Campo Grande, com 15 integrantes da Mangueira, entre eles, Cartola, que foram recebidos pelo prefeito com direito até a entrega da chave da cidade.

Imagem da Praça do Rádio na década de 60. (Foto: Arquivo Pessoal)
Imagem da Praça do Rádio na década de 60. (Foto: Arquivo Pessoal)

"Eles chegaram no dia 25, ficaram 26 e 27. Nessa época, dos anos 60, que alguns grupos de escolas de samba do Rio de Janeiro estavam vendendo a sua imagem", conta o pesquisador da história, Celso Higa, de 61 anos. Conforme levantado por ele, o grupo não recebeu cachê, mas já bastavam os três dias de comida e bebida pagas, além da viagem de avião para o Estado do Mato Grosso.

Em pesquisas, Celso Higa encontrou um relato de Cartola no livro "Cartola - Os tempos idos", de Marília Trindade Barboza da Silva e Arthur Loureiro de Oliveira Filho, de 1983, onde declarou: "Saímos daqui de avião e no aeroporto o prefeito estava nos esperando. Farreamos, andamos por todo canto, botequins, tudo.

E onde nós entrávamos não nos cobravam nada. Até na farmácia o empregado dizia: "está tudo pago". Na feira, os japoneses também não cobravam. Só que quando a gente foi embora, o prefeito falou: "Tá tudo muito bom, o pessoal é ótimo, mas como essa turma bebe..." Também, a gente saía de manhã, bebia no boteco. De tarde, também, e de noite, idem. Três pileques por dia."

Praça do Rádio hoje, 63 anos depois. (Foto: Vanessa Tamires)
Praça do Rádio hoje, 63 anos depois. (Foto: Vanessa Tamires)

Foi movido pela curiosidade de menino que Celso Higa passou a se dedicar à pesquisa da visita de Cartola a Campo Grande. Economista e engenheiro de formação e pesquisador do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, Higa é filho de alfaiate e a tarefa de todo domingo, quando menino, era de limpar a alfaiataria.

A trilha sonora eram os programas de rádio, que tocavam os velhos sambas dos anos 30 a 60. "Foram fatos fortes que marcaram a minha infância. Ficou impregnado em mim que música boa, de referência, era Noel Rosa e Cartola, aí fui pesquisar", conta.

Mais tarde, Celso leu uma entrevista dada ao Jornal do Brasil nos anos 70, onde Cartola conta que das cidades onde mais guardava boas lembranças, Campo Grande era a primeira.

Em estudos do pesquisador, um dos fatos que talvez tenham marcado a vinda dos músicos foi também ver japoneses pela primeira vez. "Conversando com a Zica, mulher de Cartola, ela me disse que foi a primeira vez que viu japonês na vida, ao vivo e em cores. Até fui checar pela data, se porventura Cartola e a delegação da Mangueira experimentaram o famoso sobá da feira, que na época funcionava na rua Antônio Maria Coelho, entre as ruas Rui Barbosa e Pedro Celestino...", relata Higa. Como o sobá entrou no circuito comercial da feira apenas na década de 70, não foi dessa vez.

Na apresentação na Praça do Rádio, a Mangueira aproveitou para divulgar o compacto simples que trazia a faixa "Cidade Morena". Apagada pela renúncia de Jânio Quadros, a canção para a cidade poderia até ter ganhado mais visibilidade. Isso porque Jânio Quadros, nascido em Miranda e registrado em Campo Grande, ganhava homenagem.

Cartola veio a Campo Grande em 1962 para inauguração da Praça do Rádio. (Foto: Fernando Antunes)
Cartola veio a Campo Grande em 1962 para inauguração da Praça do Rádio. (Foto: Fernando Antunes)

“CIDADE MORENA”
(Nuno Veloso e Cartola)

“És Cidade Morena,
muito embora pequena,
de valor tradicional.
Do Oeste és a fronteira,
modesta e bem brasileira,
graciosa e sem rival.
Berço nobre de um presidente,
a quem felizmente,
dá-se o seu valor.
Campo Grande, és o progresso,
prá quem de coração peço
um futuro promissor”.

Celso Higa tinha apenas a letra, mas não a melodia. Foram precisos 7 anos de garimpo até ouvir do parceiro de Cartola e coautor da música, Nuno Veloso, cantarolar por telefone, depois de nove interurbanos para o Rio de Janeiro.

"Fiz uma gravação de forma artesanal (a minha voz é miúda), só para registro e para guardar no meu arquivo pessoal. O violão solo (com os fraseados) é do José Boaventura Sa Rosa (meu finado amigo e uma referência cultural no MS, que era engenheiro eletricista como eu) e na voz/base sou eu. Cartola chegou em 1962 para participar das festividades do aniversario da cidade, veio para inaugurar a Praça do Rádio (Praça da República). Isso há 53 anos atrás", finaliza Higa.

Sete anos garimpando e nove interurbanos permitiram Celso Higa de reproduzir a música. (Foto: Fernando Antunes)
Sete anos garimpando e nove interurbanos permitiram Celso Higa de reproduzir a música. (Foto: Fernando Antunes)
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