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Comportamento

Troco solidário é o novo 10% para o garçom em Campo Grande?

Supermercados, lojas de departamentos e farmácias realizam ações, mas tem gente que se incomoda ao ser "cobrado"

Alana Portela | 19/06/2019 09:32
Alguns supermercados e lojas de departamento realizam arrecadações e falam para os clientes no momento da compra  (Foto: Paulo Francis)
Alguns supermercados e lojas de departamento realizam arrecadações e falam para os clientes no momento da compra (Foto: Paulo Francis)

Quem nunca foi questionado na hora de pagar a conta sobre o interesse de reverter o troco para ajuda a uma instituição? Como moeda é relíquia no comércio, alguns locais como supermercados, lojas de departamento e farmácias entraram na onda dos projetos beneficentes em Campo Grande para não ter de devolver dinheiro ao consumidor. Tem gente que concorda, mas outros acham que esse tipo de ação virou o novo 10% do garçom e se sente pressionado ou até constrangido ao ser “cobrado".

O representante comercial de auto peças, Adalberto Lacerda, afirma que é contra as ações que pedem dinheiro aos clientes. “Não aprovo, acho que quem quer fazer caridade, faz por si só, não precisa pegar dos outros. Ficar incomodando o cliente, pedindo o troco todas as vezes, sem mesmo a gente saber para onde vai o dinheiro, se vai ou não, penso que é indevido”, destaca.

Para ele, a ação de pedir o dinheiro na boca do caixa se transformou no novo 10% do garçom, que geralmente é cobrado em restaurantes da Capital. Contudo, ele é categórico, e não adianta empurrar nada. “É a mesma coisa do 10% do garçom que, aliás, não vai pra ele. Se quero ajudar alguém eu faço, não peço para ninguém. Me incomoda ir pagar alguma coisa e falar da ação, digo não. E não adianta insistir. Não importa se é mais ou se é menos”, disse Adalberto.

Carlos Zaffanelli é representante comercial de tintas e também faz comparações. “Não concordo. É a mesma coisa daquele 10% do garçom, que é proibido por lei, e a gente ainda fica sabendo dos garçons que a maioria do valor não vai pra eles. Isso me revolta”.

Luiza e o marido Paulo de Oliveira comentam sobre as ações e fazem comparações com as arrecadações que acontecem em Costa Rica  (Foto: Henrique Kawaminami)
Luiza e o marido Paulo de Oliveira comentam sobre as ações e fazem comparações com as arrecadações que acontecem em Costa Rica (Foto: Henrique Kawaminami)
Adalberto Lacerda se incomoda quando falam do troco solidário  (Foto: Henrique Kawaminami)
Adalberto Lacerda se incomoda quando falam do troco solidário (Foto: Henrique Kawaminami)

Em Campo Grande, algumas redes de supermercados, lojas de departamento, farmácias, entre outras empresas aderiram a proposta do “Troco Solidário”, no qual o cliente acaba deixando aquelas moedinhas de 5, 10, 50 centavos e até mais, de acordo com o “bom humor” da pessoa.

A proposta não é nova, já acontece há alguns anos, e o dinheiro deve ser destinado a uma instituição. No entanto, a finalidade do recurso deixa muitas na dúvida. Também tem aquelas pessoas que vivem com o dinheiro contado na carteira e juram que às vezes, nem retornam ao local.

“É como se fosse a taxa de 10%, às vezes a pessoa deixa de ir a certos locais por conta da cobrança”, afirma o peão de fazenda, Paulo Oliveira. Ele é casado com Luiza da Silva e mora em Costa Rica. Estiveram de passagem pela Capital para uma consulta médica, mas ao ir fazer compra em um supermercado, passaram por uma “saia justa”.

“A gente fica com a cabeça nas compras e te pegam de surpresa, a doação acontece de uma forma não espontânea. O dinheiro está contado, mas ai ficamos com receio de falar não e acabamos cedendo”, contou Luiza. Ela relata que apesar da surpresa, questionou para onde o recurso iria. “Sou curiosa. Em Costa Rica fazem arrecadações de alimentos, mas falam qual será o destino. Entretanto, isso está virando rotina”, disse.

Luzia faz uma comparação. “É igual amor, não se pede e não se compra, a gente ganha. Sou muito de ajudar, mas não gosto de pressão”, frisa. Um funcionário de um supermercado localizado na Avenida Mato Grosso, explica como o projeto funciona. Informa que as doações devem ser realizadas de acordo com cada cliente, com o valor que o mesmo desejar.

Carlos Zaffanelli é contra os pedidos de doações (Foto: Henrique Kawaminami)
Carlos Zaffanelli é contra os pedidos de doações (Foto: Henrique Kawaminami)
José Roberto de Souza fala sobre solidariedade (Foto: Henrique Kawaminami)
José Roberto de Souza fala sobre solidariedade (Foto: Henrique Kawaminami)

No supermercado, o dinheiro vai para o caixa, que atualiza no sistema a doação. O valor arrecadado no local é repassado a cada dois meses para uma instituição diferente, e neste mês, será a vez da Fraternidade Despertar.

Uma loja de departamento, na Avenida Ernesto Geisel, também faz a campanha e é o mesmo procedimento durante o atendimento no caixa. Neste mês, a empresa informou que está arrecadando para ajudar a Associação Pestalozzi de Campo Grande.

Revista é vendida em farmácia de Campo Grande por R$ 4,20 para arrecadar doações (Foto: Henrique Kawaminami)
Revista é vendida em farmácia de Campo Grande por R$ 4,20 para arrecadar doações (Foto: Henrique Kawaminami)

Revista - Ao entrar em uma farmácia localizada na Avenida Afonso Pena, é só comprar um produto, passar no caixa que logo o comentário sobre a doação aparece. Em seguida, oferecem uma revista por R$ 4,20. As informações sobre a destinação do dinheiro arrecadado não são informadas com clareza, apenas afirmam que vai para uma Associação de Assistência à Criança Deficiente.

Ao conversar com o gerente do local, é dito que quem cuida das doações é a matriz da farmácia, que fica em São Paulo. É a central também quem define as datas e meses das doações, porém isso é mantido em “segredo” entre os responsáveis.

As opiniões sobre esse tipo de arrecadação divergem, e o autônomo Higino Maciel acredita que muitos arrumam desculpas para não colaborar. “Quando a pessoa não quer ajudar, arruma um jeito de falar algo. Acha uma desculpa. Tem instituição que dependem do governo e se a gente não for ajudar, estão perdidos”, falou.

O aposentado, César Boneatti relata que não vê problema em fazer uma boa ação. “Sempre pergunto para onde vai o dinheiro. Não tenho problema em ajudar. Já vi locais vendendo revistas por um certo preço, mas sou livre para fazer escolhas e se concordo colaboro, mesmo porque são valores até insignificantes. Contudo, raramente acompanho a ação”, disse.

César Boneatti relata que costuma ajudar as ações (Foto: Henrique Kawaminami)
César Boneatti relata que costuma ajudar as ações (Foto: Henrique Kawaminami)
Higino Maciel é autônomo e diz que muitos reclamam de doações  (Foto: Henrique Kawaminami)
Higino Maciel é autônomo e diz que muitos reclamam de doações (Foto: Henrique Kawaminami)

Já o aposentado, José Roberto Souza, acredita que as pessoas veem a ação com “maus olhos”. “Infelizmente, existe no diário das pessoas, em função de mazelas que vemos por ai. Mas, não podemos levar isso em consideração porque ficamos sem colaborar com pessoas que precisam. É uma coisa boa, e na pior das hipóteses um mal necessário”, afirma. “No meu ponto de vista, isso é válido. A gente prega tanto a solidariedade. Não existe um manual, existem formas e essa é uma forma”, completa.

O empresário Ulisses Menegel conta que conhece várias ações de “troco solidário”, porém pouco colabora porque sempre está com cartão de crédito. “Raramente sobra. Acho que tem que clarear mais as informações sobre essas organizações, local, valor, dia. Sou mais do rápido, vai e paga, quer, não quer e vamos embora. Não penso em comprar a revista porque é mais um gasto”.

Ulises Menegel comenta sobre as doações (Foto: Henrique Kawaminami)
Ulises Menegel comenta sobre as doações (Foto: Henrique Kawaminami)

Beneficiadas - O Lado B entrou em contato com três instituições que já foram beneficiadas com as arrecadações. A Associação Juliano Varela recebeu 20 mil de ajuda há uns oito anos, na época, a administração comprou equipamentos para salas de exames do local. Contudo, para conseguir dinheiro, a instituição realiza ações beneficentes por conta própria, pois atende 250 pessoas com síndrome de Down.

O Asilo São João Bosco de Campo Grande recebe doações em dinheiro e usa para pagar os funcionários. “Sempre falta para folha de pagamento, e o valor dos fazemos eventos beneficentes de churrasco, almoço que fazemos usamos com os idosos”, disse a superintendente do asilo, Cleo Shamah.

O gestor administrativo a AACD (Associação dos Amigos das Crianças com Câncer) diz que a instituição também já foi uma beneficiada com o “Troco Solidário”. “Ganhamos uma vez e utilizamos o valor para a manutenção da casa de apoio”, contou.

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Muitos usam as moedas para dar colaborar com as ações (Foto: Henrique Kawaminami)
Muitos usam as moedas para dar colaborar com as ações (Foto: Henrique Kawaminami)
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