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Comportamento

Tumor raro levou metade de Raphael, quando o irmão gêmeo guerreiro descansou

Paula Maciulevicius | 01/04/2016 06:23
Bruno (à frente) e Raphael em Campos do Jordão, na fase "o que você quiser fazer, nós faremos". (Fotos: Arquivo Pessoal)
Bruno (à frente) e Raphael em Campos do Jordão, na fase "o que você quiser fazer, nós faremos". (Fotos: Arquivo Pessoal)

Raphael e Bruno nasceram no dia 10 de outubro de 1981. Bruno primeiro. Cinco minutos depois, veio Raphael. "Meio cabalístico nascer dia 10 do 10 às 10 da manhã, mas foi assim que aconteceu". Os primeiros filhos de uma casa de três homens, os gêmeos nasceram em Presidente Prudente, no interior de São Paulo, mas passaram boa parte da vida aqui, em Campo Grande, onde Bruno se despediu da família no último dia 23, aos 34 anos.

Nas palavras do irmão gêmeo, Bruno sempre foi uma criança ousada. Menino que gostava de brincar com fogo, queimava os carpetes de casa, principalmente com velas. Gostava de subir no telhado, soltar pipa na linha do trem, era mestre nas brincadeiras de rua: amarelinha, queimada.

"Como éramos gêmeos, ele foi meu primeiro amigo, sendo assim, fazíamos quase tudo junto. Tivemos a fase de rua, depois do vídeo game. O nosso primeiro foi um Atari. O jogo que ele mais gostava era 'enduro', porque era de corrida e o automobilismo foi uma coisa que sempre o fascinou, desde criança", recorda Raphael Lima de Morais Stábile, de 34 anos. 

À memória também vem os cavalos que o irmão amava, filhos de uma infância livre, as férias na casa do avô eram ao redor das celas, montando e trotando pelo pasto. Arteiro, Bruno ensinou o irmão a desenhar estrela de cinco pontas, a soltar pipa na linha do trem e que brincar com fogo, era coisa séria. Também ensinou que a saudade pode ser expressada por lágrimas e descrita em belas palavras.

Em 2011 veio o diagnóstico. Um caso raro caiu no colo da família Stábile, uma doença chamada "hemangioendotelioma epitelióide", que são quando tumores benignos se comportam como malignos. Pouquíssimos casos registrados na Medicina. E em todos eles, segundo Raphael, o paciente morre em até sete meses. Bruno foi guerreiro desde aí, assim como se impunha diante do fogo, desafiou também os anos.

À época, o exame que confirmava a doença foi para o Canadá, porque aqui não havia nenhum laboratório especializado que conseguisse saber do que se tratava. Foi um baque para a família. Não existia tratamento para a doença e os irmãos viveram um milagre.

Os seis meses de vida dados pelos médicos se transformaram em quatro anos e meio. Raphael, à época do diagnóstico, já morava em São Paulo. Tinha terminado a faculdade, se tornou advogado e estabelecido na cidade, acompanhou à distância. Sofrimento duplo pela angústia de não saber o que poderia acontecer e que o fosse acontecer, ele não estaria por perto.

Na praia de Camboriú, em 2012. Um dos sonhos era de conhecer o mar.
Na praia de Camboriú, em 2012. Um dos sonhos era de conhecer o mar.

"Me recordo como se fosse hoje quando o médico disse “É... vamos tentar”". A medicação acabou dando conta do avanço dos tumores, eram cerca de 28 no pulmão e três grandes no fígado. A família tentou fazer com que Bruno entrasse na fila do transplante de pulmão, mas quando foram descobertos os tumores no fígado, ele não era mais elegível.

"Acho que nesse momento foi a única vez em que eu o vi desesperado e sem muita esperança. Nós lidamos da forma que achávamos que deveríamos lidar, dando apoio e buscando formas de manutenção do estado de saúde dele, ou seja, fazer com que a doença não avançasse", descreve Raphael.

Quando não havia muito o que se fazer, a família toda deu início à fase "o que você quiser fazer, nós faremos", mas Bruno não tinha grandes ambições. Queria fazer uma viagem para Joinville, os pais o levaram, quis conhecer o mar e foi. Campos do Jordão, passear por São Paulo, conhecer alguns restaurantes...

"Tudo o que estava ao nosso alcance para fazer com que ele se sentisse feliz, nós fizemos. Até que chegou o momento em que ele não podia mais viajar, aí então, eu e meu marido começamos a ir com mais frequência para Campo Grande", lembra o irmão.

Bruno adorava o cunhado, tinha várias coisas em comum principalmente quanto ao gosto musical, seriados e super-heróis. Até que em junho do ano passado, houve uma piora. Os remédios não faziam mais efeito. Em março deste ano, em uma das crises respiratórias que tinha, Bruno foi para o CTI da Santa Casa. 

Bruno com a sobrinha Céu, aos 8 meses.
Bruno com a sobrinha Céu, aos 8 meses.

"Eu tinha conversado por videochamada com ele poucos dias antes, ele estava na varanda tomando sol, algo que não fazia há 8 meses. Bom, no dia 09 de março, dia do aniversário da minha mãe, eu fui para Campo Grande e fiquei até o dia 18.

Quando o vi pela primeira vez no CTI, entubado, pálido, eu quase voltei para trás... Por um instante eu não quis entrar... Mas, existem enfrentamentos que a gente tem que passar e ninguém passaria aquilo por mim. Foi quando eu entrei e fiquei calado, olhando para ele, querendo ter poderes sobrenaturais para, num passe de mágica, fazer com que ele saísse daquela situação".

O irmão gêmeo o visitou todos os dias. Ao lado do marido, em um determinado dia, quando foram conversar com ele, Bruno abriu os olhos ao ouvir a voz. "Eu me assustei no início e, depois de me acalmar, disse tudo o que queria para ele e ele fechou os olhos. Depois disso eu não o vi mais de olhos abertos".

Na última visita, Raphael deixou a Santa Casa chorando. Sabia que não veria mais o irmão. Cinco dias depois, o telefone tocou enquanto ele estava a caminho do trabalho. Do outro lado da linha, era a mãe com a notícia.

"O guerreiro havia entregado as armas. Algo assim. Saí do metro, tive uma crise de choro no meio da rua e voltei para minha casa", conta. O irmão não conseguiu comparecer ao velório e nem ao sepultamento.

O que ficou de quem partiu? Raphael agora é só metade. "Ele era metade de mim. Acho que a teimosia, ele era muito teimoso, mas também muito generoso.

Meu irmão foi alguém muito especial que precisou de alguma forma, passar pelo que passou para que nós aprendêssemos com ele. Aprendemos a ser mais fortes, mais compreensivos, mais tolerantes, mais pacientes com a vida. Como eu escrevi em uma postagem, ele tinha uma fúria dentro dele e com a doença, teve que desacelerar".

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