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Sabor

Mais que o sabor, dona Elvira queria a companhia da neta em receita de bolo

Paula Maciulevicius | 24/07/2016 07:05
Flávia ralando uma laranja para ser detalhe do bolo da fruta, receita da avó. (Foto: Simão Nogueira)
Flávia ralando uma laranja para ser detalhe do bolo da fruta, receita da avó. (Foto: Simão Nogueira)

O telefone tocou de manhã. Do outro lado da linha, era a vó Elvira pedindo para a neta ir até a casa dela fazer um bolo. Às 10h da manhã de um sábado, Flávia entendeu que depois que o avô foi internado, dona Elvira queria além do sabor da receita, companhia. 

A avó tem 81 anos e uma saúde que resiste à qualquer problema. De embolia pulmonar até a última situação, de cair e quebrar o fêmur. Essa, ela ainda está se recuperando. Campo-grandense, a senhorinha é uma das moradoras mais antigas do bairro São Francisco. São quatro décadas na mesma casa tipicamente de "vó".

O quintal divide lugar com o pomar, a hortinha, flores e plantas e também os gatos de um dos filhos e as galinhas dos bisnetos. De herdeiros da força e das receitas, dona Elvira tem seis filhos, 10 netos e cinco bisnetos.

Dona Elvira tem 81 anos e se sentindo só, ligou para a neta fazer uma de suas receitas. (Foto: Simão Nogueira)
Dona Elvira tem 81 anos e se sentindo só, ligou para a neta fazer uma de suas receitas. (Foto: Simão Nogueira)

"Eu falei: Flávia vem fazer um bolo aqui pra mim, porque eu ainda não posso, estou melhorando", conta Elvira Pinto de Araújo Alarcon. A neta pensou que, ao aceitar, faria a receita que aprendeu ainda menina, de bolo de cenoura. Mas de última hora, a avó quis mudar e ensinar algo novo e tão simples: um bolo de laranja.

"É muito simples, você pega uma laranja inteira, lava bem, tira a pontinha, o fundo e abre ela em quatro", começa a avó. Dona Elvira diz os ingredientes junto do modo de fazer e nem precisa separar em etapas, de tão facinho.

"Você tira o miolinho e as sementes da laranja, corta picadinho e joga no liquidificador, põe um copo de óleo, quatro ovos, dois copos de açúcar e bate tudo", prossegue a avó. Depois, é só pegar um tijela, despejar e mexer acrescentando dois copos de trigo e um de fermento.

"Aí mexe e pronto, só por no forno. Quanto tempo? Não sei dizer não. Nunca calculo, eu ligo e quando vejo que está assado, já tiro", explica Elvira. A neta quem contou, mais ou menos, 25 minutos de forno.

Neta, Flávia brinca na "cadeira do julgamento", de onde avó "manda" fazer as receitas na cozinha. (Foto: Simão Nogueira)
Neta, Flávia brinca na "cadeira do julgamento", de onde avó "manda" fazer as receitas na cozinha. (Foto: Simão Nogueira)

Depois da receita, Elvira conta que mora ali junto do marido, que está internado no hospital. "A gente não sabe se ele vai voltar, né? Se for da vontade de Deus que ele fique mais..." Diagnosticado com Alzheimer, ele tem o posto oficial na cozinha: a cabeceira, o que faz com que a senhorinha sente na "cadeira do julgamento".

O apelido foi dado pela neta, Flávia, numa brincadeira. "Ela gosta de cozinhar, mas agora só manda. Ela põe a cadeira bem aqui, porque aquela lá é do meu avô e vai ensinando", narra a neta, Flávia Laís Alarcon Costa, de 27 anos. "Ela quem me ensinou a cozinhar tudo, sabe? Eu fui criada nessa casa, morei aqui até casar e com quase 30 anos, ela fica 'amassa direito esse alho', 'lava bem o arroz', 'olha o bolo'", imita.

Dona Elvira não tem um livro de receitas, ela é o livro. Sabe tudo de cabeça e volta à memória quando precisa consultar algum prato. "Essa cadeira... É, eu sou chata nesse ponto... Fico falando para lavar a mão, para ter cuidado com o liquidificador", assume aos risos a senhorinha.

Hoje, cozinhar teve outro significado para a neta. "Quando ela me ligou eu até falei: 'acho que a avó está inventando... 10h da manhã para eu fazer um bolo?", comenta. Dona Elvira emenda e justifica "é porque eu estou sozinha aqui".

Para a avó, os ingredientes do bolo de laranja lhe trouxeram companhia. Para a neta, foi nostalgia.

"Fazia anos, mas muitos anos que eu não fazia bolo aqui e quando eu entrei na cozinha e com ela me ensinando, fiquei lembrando do dia que aprendi a fazer a receita do bolo de cenoura. É engraçado como o tempo passa, os filhos crescem, os netos crescem, todo mundo tem seus afazeres. Fiquei olhando as flores da minha avó da janela, essa casa já foi tão cheia de gente..."

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Primavera de dona Elvira, um dos coloridos do quintal que lembrou a neta do quanto casa já foi cheia. (Foto: Simão Nogueira)
Primavera de dona Elvira, um dos coloridos do quintal que lembrou a neta do quanto casa já foi cheia. (Foto: Simão Nogueira)
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