Cercada pela soja, aldeia tem agrotóxico na água de beber, na chuva e nascentes
Realizada entre 2021 e 2024, pesquisa acompanhou o ciclo do grão que rende bilhão a MS
Espremida entre as lavouras de soja em Caarapó, a terra indígena Guyraroká, cujo processo de demarcação se arrasta desde 2009, tem agrotóxico em todas as águas: da torneira (vinda de poço artesiano), nascentes e chuva. A constatação é da pesquisa “Agrotóxicos e violações nos direitos à saúde e à soberania alimentar em comunidades Guarani Kaiowá”, realizada entre 2021 e 2024.
RESUMO
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Pesquisa realizada entre 2021 e 2024 revela presença de agrotóxicos em todas as fontes de água da terra indígena Guyraroká, em Caarapó. O estudo detectou substâncias tóxicas na água de poço artesiano, nascentes e até mesmo na água da chuva, afetando diretamente a comunidade Guarani Kaiowá. Em fevereiro de 2022, foram identificados 11 tipos diferentes de agrotóxicos na água da chuva, incluindo o 2,4-D, componente do "agente laranja". Os moradores relatam sintomas como coceiras, náuseas, diarreia e dores, consequências da exposição aos produtos químicos provenientes das lavouras de soja que cercam a aldeia.
Na pele, os indígenas, incluindo bebês, crianças e idosos, sentem sintomas como coceiras, náuseas, diarreia e dores. O veneno também cai do céu com a pulverização de agrotóxicos nas plantações vizinhas.
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“A pesquisa encontrou quantidades alarmantes de agrotóxicos diferentes. Em poucas amostras foi detectada concentração acima do máximo permitido. Mas ficamos muito assustados com a quantidade de agrotóxico. Inclusive na Guiraroká”, afirma a pesquisadora Alexandra Penedo de Pinho, que é bióloga, doutora em engenharia agrícola e professora no Instituto de Biociências da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).
As amostras foram colhidas seguindo o ciclo da soja, a commodity vice-líder nas exportações no 1º semestre de 2025, que rendeu 1,8 bilhão de dólares na balança comercial de Mato Grosso do Sul.
A primeira coleta foi no início do plantio (novembro/dezembro de 2021). A segunda aconteceu no período da colheita (fevereiro/março de 2022) e a terceira na época do vazio sanitário da soja (agosto de 2022), quando não é permitido o plantio do grão em MS.
Em fevereiro de 2022, encontramos 11 agrotóxicos diferentes na água da chuva. E é importante ressaltar que não tem legislação que diga qual o valor máximo permitido. A contaminação da água da chuva é totalmente difusa. Porque ela cai em todos os lugares: no sistema aquático, em cima da casa das pessoas”, diz a pesquisadora.
Segundo o estudo, a chuva com agrotóxicos é uma situação muito grave, pois indica que há contaminação em todos os ambientes, podendo alcançar locais onde não há aplicação direta. Os ventos e as chuvas têm fluxo livre na região, potencializando a dispersão da chuva tóxica.
Conforme Alexandra, há ingrediente ativo como o 2,4-D, o mesmo presente na composição do “Agente Laranja, desfolhante químico altamente tóxico usado pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. O veneno resultou em má-formação nas crianças. “O 2,4-D também foi usado na capina química do Pantanal em Mato Grosso”, lembra a professora.
Além disso, o 2,4-D e a atrazina apresentam alta capacidade de infiltração e alcance de águas subterrâneas.
Na nascente do Córrego Ypytã, um dos achados em fevereiro de 2022 foi o propiconazol, com efeitos endócrinos reconhecidos em pesquisas. A pesquisadora destaca que na pulverização aérea podem ser adicionados os surfactantes, que são responsáveis por aumentar a absorção dos agrotóxicos nos seres vivos.
As amostras foram enviadas ao Laboratório de Análise de Resíduos de Pesticidas do Departamento de Química da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), no Rio Grande do Sul. Alexandra explica que a longa viagem é necessária porque não há laboratórios que analisem agrotóxico em Mato Grosso do Sul nem no Centro-Oeste, principais produtores de grãos no Brasil.
O levantamento, que percorreu aldeias e assentamentos em Mato Grosso do Sul, foi financiado com recursos vindos da Alemanha e Suíça.
“A gente tem dois tipos de contaminação. A aguda, que acontece quando a deriva atinge uma aldeia, com grandes concentrações, provocando vômito, coceira, diarreia. E a crônica, com um pouquinho de contaminação todo dia. Vai contaminando pela água da chuva, pela água que bebe, a água do rio onde toma banho, os alimentos”.
Para que as comunidades passem por exames laboratoriais, será necessário um novo financiamento. Mas essa modalidade de pesquisa encontra dificuldade de obter dinheiro no País, mais uma lacuna providencial para que não haja referência científica da quantidade de herbicidas, fungicidas e inseticidas.
“Acho que o governo não quer que a gente descubra esse tipo de contaminação. Porque a presença do agro é importantíssima no Brasil, é muito forte. Mas está sendo feito de maneira não saudável”.
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