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Meio Ambiente

Poluição contamina rios do Pantanal e já reflete na saúde da população

Sem saneamento, ribeirinhos recorrem à água contaminada e relatam diarreia e infecções

Por Inara Silva | 28/07/2025 08:56
Poluição contamina rios do Pantanal e já reflete na saúde da população
Testadora coleta água do rio para fazer análise (Foto: SOS Pantanal)

A qualidade da água na BAP (Bacia do Alto Paraguai) tem se deteriorado de forma preocupante e afetado diretamente comunidades ribeirinhas da região do Pantanal. Relatório do projeto “Águas que Falam” revela a presença de poluentes como nitrato e fosfato em níveis elevados, além de baixa oxigenação e alta turbidez nos rios.

RESUMO

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A qualidade da água na Bacia do Alto Paraguai (BAP), região do Pantanal, apresenta alterações preocupantes que já afetam a saúde das comunidades ribeirinhas. Segundo relatório do Projeto "Águas que Falam", foram detectados problemas de turbidez, baixa concentração de oxigênio e níveis elevados de nitrato e fosfato, tornando a água imprópria para consumo. Os moradores relatam odor, espumas e sedimentos nos rios, além de problemas de saúde como diarreias, doenças de pele e gastrointestinais. O projeto monitora 14 comunidades vulneráveis em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, onde a falta de saneamento básico agrava a situação. Uma central de potabilização foi instalada na Aldeia Mãe Terra, beneficiando 400 pessoas, enquanto outras localidades ainda aguardam soluções.

Os efeitos já são sentidos no cotidiano e os moradores relatam cheiro forte, espuma, sedimentos e o surgimento de doenças como diarreia, problemas de pele, pedras nos rins e distúrbios gastrointestinais.

Segundo a bióloga Daniella França, coordenadora de Programas de Conservação da SOS Pantanal, a correlação entre a contaminação da água e a saúde da população se baseia em evidências empíricas. “Até os testadores desenvolveram problemas de pele durante as coletas, pois entraram no rio com a água na altura do joelho”, afirma.

Análises 

Em parceria com os ribeirinhos, os pesquisadores atuam em 14 comunidades, sendo sete em Mato Grosso e sete em Mato Grosso do Sul. O trabalho é desenvolvido em duas frentes: o monitoramento da qualidade da água e a educação ambiental. Na ausência dos pesquisadores, os próprios ribeirinhos fazem a coleta mensal e enviam o material para a análise.

“Todas são comunidades em vulnerabilidade socioambiental”, alerta França, que também é coordenadora de Educação para a Conservação do projeto Chalana da Esperança. Segundo ela, a Chalana foi o primeiro contato com muitas dessas localidades, o que facilitou a aproximação e a adesão de voluntários para efetivar o “Águas que Falam”.

Poluição contamina rios do Pantanal e já reflete na saúde da população
Arte: Thainara Fontoura

Desequilíbrio

Conforme a coordenadora do Programa, o excesso de nitrato está relacionado ao uso de fertilizantes nas lavouras, detergentes e dejetos humanos. Já o fosfato se refere aos dejetos humanos e fertilizantes. A região pesquisada não dispõe de qualquer saneamento básico, com tratamento de água e esgoto.

Sem a infraestrutura, muitos ribeirinhos acabam usando a água do rio para beber, como é o caso do Povoado Salobra, em Miranda, onde vivem 200 pessoas e o curso d’água tem odor e espuma. Alguns recorrem a poços artesianos ou compram água mineral. Os que não têm alternativa consomem diretamente do rio.

Ainda em Miranda, a Terra Indígena Cachoeirinha (Aldeia Mãe Terra) é outro ponto de atenção. As 68 famílias utilizam água de caminhão pipa e poço artesiano. Eles costumam ferver a água para o consumo, pois o rio da localidade apresenta sedimentos e coloração amarela. Por consequência, as principais queixas de saúde são diarreia, doenças de pele, doenças gastrointestinais, anemia e pedra na vesícula.

Na comunidade quilombola Águas de Miranda, em Corumbá, os moradores relatam odor, sedimentos e espuma na água, fato que prejudica a principal atividade econômica, baseada na pesca e no turismo. Quanto à saúde, eles relatam diarreia, pedras no rim e vesícula.

No Passo do Lontra, que vive basicamente do turismo, o esgotamento sanitário é composto de fossa séptica, fossa rudimentar e esgoto a céu aberto. As famílias reclamam que o rio tem odor, sedimentos, sal e cor alterada. Os moradores apresentam sintomas como diarreia, lesões na pele e distúrbios estomacais.

Poluição contamina rios do Pantanal e já reflete na saúde da população
Pesquisadores reúnem-se com a comunidade pantaneira (Foto: SOS Pantanal)

Monitoramento da água 

De acordo com o documento, embora a maioria dos parâmetros avaliados esteja dentro dos padrões considerados aceitáveis para a saúde ambiental, há desvios significativos relacionados ao oxigênio, nitrato e fosfato presentes na água.

A concentração de oxigênio dissolvido, por exemplo, que é vital para a vida aquática, apresentou redução acentuada no período chuvoso, a partir de outubro de 2024,  caindo abaixo do padrão mínimo estabelecido pela Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), 5 mg/L. Essa queda pode ser resultado da turbidez causada pelo escoamento superficial e da intensificação dos processos de decomposição, comuns na estação chuvosa, afetados também pelo desmatamento e assoreamento dos rios.

Outro ponto são os níveis elevados de nitrato, frequentemente acima do limite de 10 mg/L do Conama, com concentrações que ultrapassam 40 mg/L em alguns meses. O índice sugere forte influência de fontes de poluição, como o uso intensivo de fertilizantes nitrogenados e o escoamento de resíduos orgânicos.

As concentrações de fosfato ultrapassam o nível seguro, pois mantém-se acima do limite de 0,15 mg/L, com registros variando entre 1 e 7 mg/L. O levantamento mostra que o período chuvoso coincide com um aumento do elemento, o que indica grande volume de esgoto doméstico lançado sem tratamento nos rios e fertilizantes fosfatados.

Esses níveis elevados representam risco ao meio ambiente, pois favorecem a eutrofização, como proliferação de algas e plantas aquáticas, que reduzem a passagem da luz e afetam a biodiversidade.

Poluição contamina rios do Pantanal e já reflete na saúde da população
Vista área de uma das 14 comunidades atendidas pelo projeto (Foto: SOS Pantanal)

Soluções

Um exemplo claro da vulnerabilidade hídrica enfrentada pelas comunidades é a Aldeia Mãe Terra, na Terra Indígena Cachoeirinha. O local sofre com a escassez hídrica e a falta de saneamento básico. Por isso, o projeto priorizou a instalação de uma central de potabilização, em março de 2025, beneficiando 400 pessoas com acesso à água potável. Contudo, a Comunidade de Passo do Lontra, em Corumbá, ainda aguarda uma solução.

Após o levantamento que traça o panorama da água na BAP, está previsto para o dia 23 de agosto uma reunião on-line com todas as populações envolvidas a fim de ouvi-las e orientá-las. As sugestões que surgirem no encontro devem fazer parte de uma cartilha que vai apontar possíveis soluções para cada caso identificado.

Poluição contamina rios do Pantanal e já reflete na saúde da população
Pesquisadores fazem coleta de material (Foto: SOS Pantanal)

Sobre o projeto

Daniella França ressalta que o monitoramento da qualidade da água é uma ferramenta fundamental para orientar decisões, proteger os rios e garantir a conservação do bioma e o bem-estar das comunidades. Por isso, a iniciativa tem como ponto principal o engajamento comunitário para ajudar a identificar os problemas e implantar medidas que garantam o acesso à água potável e a preservação dos rios.

O projeto “Águas que Falam” é uma ação do Instituto SOS Pantanal, em parceria com a Chalana Esperança e a Fundação SOS Mata Atlântica, e atua na BAP para monitorar a qualidade da água em comunidades vulneráveis, desenvolver soluções de acesso à água potável, engajar a população na governança hídrica e promover a educação ambiental para valorizar e conservar o bioma pantaneiro e as paisagens ao redor.