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Política

Desde a criação, poder é branco em MS; só 7 negros entraram no Legislativo

Especialistas apontam desequilíbrio e defendem políticas que ampliem a representatividade

Por Inara Silva | 20/11/2025 07:13
Desde a criação, poder é branco em MS; só 7 negros entraram no Legislativo
Parte dos parlamentares de Mato Grosso do Sul durante a posse. (Foto: Alems)

No Dia da Consciência Negra, a composição da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul expõe um contraste entre o parlamento e a população. Dos 24 deputados estaduais, apenas três se autodeclaram negros, o equivalente a 12,5% da Casa. O número está bem abaixo do retrato do Estado, onde 53,4% dos moradores são negros (pretos e pardos), segundo o Censo 2022.

RESUMO

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A Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul apresenta baixa diversidade racial em sua composição. Dos 24 deputados estaduais, apenas três se autodeclaram negros, representando 12,5% da Casa, enquanto 53,4% da população do estado é negra, segundo o Censo 2022. A atual legislatura não possui representantes indígenas ou amarelos, sendo composta por 87% de deputados brancos. Das três mulheres parlamentares, apenas uma é autodeclarada negra. O cenário contrasta com a demografia estadual, onde 42,4% são brancos, 46,9% pardos, 6,5% pretos, 3,5% indígenas e 0,7% amarelos.

A baixa diversidade se repete em outros grupos. A atual legislatura também não tem representantes indígenas ou amarelos. Do total de parlamentares, 21 são homens brancos e apenas três são mulheres, sendo uma delas autodeclarada negra. Na prática, 87% da Assembleia é composta por deputados autodeclarados brancos, enquanto a população sul-mato-grossense é formada por 42,4% de brancos, 46,9% de pardos, 6,5% de pretos, 3,5% de indígenas e 0,7% de amarelos.

Para o professor Lourival dos Santos, doutor em História Social, o quadro reflete o que acontece na sociedade, como no serviço público federal, onde atualmente trabalham 573 mil servidores, sendo que 45% são mulheres e 17,6% delas, mulheres negras. O professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) comenta que a situação na Alems (Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul) é ainda pior que o cenário nacional.

Representatividade - Essa sub-representação, segundo Santos, reforça a necessidade de políticas de reparação, como a adotada no México, onde 50% das candidaturas políticas são obrigatoriamente reservadas a mulheres, o que contribuiu para a eleição da primeira presidente mulher.

“Se déssemos metade das vagas para esta população, ainda assim ela estaria sub-representada”, afirma o professor ao ressaltar que a política é um exercício de poder: “Se eu não me vejo, não me interesso por política. É debate de gente branca. Nossas pautas não vão ser atendidas”, acrescenta o especialista ao explicar que os debates no parlamento podem estar distantes das necessidades dessa minoria, até mesmo pela visão de mundo diferente.

Para garantir maior diversidade na política, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) editou duas resoluções nos últimos anos. A primeira (nº 23.405 de 2014) determina que a autodeclaração de raça passa a ser obrigatória no registro de candidaturas no TSE. A medida ganhou peso a partir de 2020, com a Resolução nº 23.607/2019, que determina que o fundo eleitoral e o tempo de propaganda sejam distribuídos proporcionalmente às candidaturas de pessoas negras.

Desde a criação, poder é branco em MS; só 7 negros entraram no Legislativo
Secretário-executivo da SEDH, Ben-Hur Ferreira (Foto: Monique Alves)

Pluralidade de ideias - Na avaliação de Ben-Hur Ferreira, secretário-executivo de Estado de Direitos Humanos, a baixa diversidade limita a pluralidade de ideias e a riqueza de experiências. “Quanto mais tiver parlamentares mulheres, negros e indígenas, o parlamento fica mais democrático”.

Ben-Hur acredita que o desafio passa pela conscientização dos partidos. “A legislação cria um incentivo; o que falta é que os partidos levem a sério a diversidade e a cultura da diversidade”.

Ele foi um dos primeiros parlamentares do Estado a levantar a bandeira antirracista na Casa de Leis, com mandato entre 1995 e 1999. Mestre em Direito Constitucional e oriundo do movimento negro, Ben-Hur defende não só a formação de pessoas que não pratiquem o racismo, mas de antirracistas, pessoas que ajudem a desconstruir a ideia de uma raça superior à outra.

Quando foi deputado federal, criou a Lei 10.639, de janeiro de 2003, que se tornou um dos grandes orgulhos de sua carreira política. Desde então, tornou-se obrigatório nas escolas brasileiras o estudo da África e da cultura africana, como forma de ensinar a contribuição dos africanos para a sociedade em áreas como matemática e cultura.

Para o secretário, a sociedade vive um momento importante: “Saímos de uma ideia de democracia racial, que não era verdadeira, e conseguimos inserir a ideia de racismo estrutural. As instituições são racistas. A democracia racial não existe, mas é um bom sonho para ser sonhado”, concluiu.

Desde a criação, poder é branco em MS; só 7 negros entraram no Legislativo
Deputados estaduais durante posse na atual legislatura da Alems (Foto: Alems)

Diversidade - Atualmente, a Alems está em sua 12ª legislatura, sendo que em nove delas houve a presença de deputados negros. Até a eleição de 2014, não havia campo para autodeclaração de raça no cadastro do TSE. Antes desse período, a identificação racial ficava restrita ao fenótipo, ou seja, à aparência dos parlamentares.

Desde 1979, na primeira formação de deputados, até a 9ª legislatura, Mato Grosso do Sul teve sete parlamentares negros identificados pela reportagem do Campo Grande News por meio das características físicas. São eles: Sérgio Cruz (MDB), Daudt Conceição (PTB), Ben-Hur Ferreira (PT), Pastor Barbosa (PMDB), Professor Rinaldo (Podemos), Amarildo Cruz (PT) e Cabo Almi (PT). Entre esses, três tiveram mais de um mandato: Professor Rinaldo (atualmente no quinto mandato), Amarildo (falecido em 23 de março de 2023, no quinto mandato) e Cabo Almi (três mandatos).

Desde a criação, poder é branco em MS; só 7 negros entraram no Legislativo
Sérgio Cruz e Daudt Conceição estão entre os primeiros deputados negros de MS. (Foto: Alems)

Primeiros negros - Na primeira formação do parlamento estadual, em 1979, o jornalista e membro da ASL (Academia Sul-Mato-Grossense de Letras), Sérgio Cruz, foi o único negro eleito. O segundo deputado negro foi o baiano Daudt Conceição, ex-prefeito de Mundo Novo e figura conhecida na região de fronteira com o Paraguai, onde vivia desde 1960.

A partir da 10ª legislatura, formada nas eleições de 2014, os candidatos passaram a ter a obrigatoriedade da autodeclaração de raça. Naquele ano, entre os eleitos autodeclarados como pretos e pardos estavam os veteranos Professor Rinaldo, Amarildo Cruz e Cabo Almi, além dos estreantes João Grandão (PT) e Coronel David (PL).

Na eleição seguinte, a 11ª legislatura (2019-2023), foram reeleitos Professor Rinaldo, Amarildo Cruz, Cabo Almi e Coronel David. A novidade foi a autodeclaração do deputado Zé Teixeira (PSDB), antigo integrante da Casa e atualmente em seu sétimo mandato. Também estreou Marçal Filho (PSDB), autodeclarado pardo.

Na atual formação, que vai até janeiro de 2027, estão Professor Rinaldo, em seu quinto mandato, e Coronel David, no segundo mandato, ambos autodeclarados pardos, e Gleice Jane (PT), autodeclarada negra, que assumiu a vaga deixada por Amarildo Cruz. Nesta legislatura, o deputado Zé Teixeira aparece como branco no cadastro do TSE, após ter se declarado pardo no mandato anterior.

Autodeclaração - Pela orientação do TSE, a autodeclaração é tratada como um ato individual. Cabe ao próprio candidato definir como quer ser identificado. O TSE não revisa nem confronta essa informação e só intervém quando há indícios de fraude envolvendo cotas ou outras políticas de ações afirmativas. No entanto, alguns casos levantam questionamentos, como o de Coronel David, que afirma ser comum ter sua autodeclaração como pardo ser questionada porque tem olhos claros. Ele esclarece que sua miscigenação reflete a própria formação do povo brasileiro.

“Sou neto de negro, de indígena e de descendente de italianos. Meu avô paterno era branco, minha avó paterna era negra; do lado materno, minha avó era indígena e meu avô, gaúcho descendente de italianos, branco de olhos claros. Estou registrado como pardo na certidão”, disse.

O parlamentar ressalta que não usa essa diversidade como ferramenta de vitimização ou divisão. "Nunca obtive vantagem ou privilégio sendo pardo, nem nos concursos que fiz e muito menos nas eleições que disputei. A única vez que recebi fundo eleitoral foi em 2022 e recebi o mesmo valor que os deputados do partido receberam", afirma.

Desde a criação, poder é branco em MS; só 7 negros entraram no Legislativo
Três parlamentares autodeclarados negros na atual legislatura. (Foto: Alems)

Para o parlamentar, o racismo existe e deve ser combatido sem ideologias. Ele afirma que a falta de oportunidades, muitas vezes, é mais financeira do que racial. Dias atrás, inclusive, ele e outros deputados de direita teriam votado a favor de um projeto da deputada Gleice Jane sobre o combate ao racismo. “Fui criado para ser justo, para não discriminar ninguém, e é assim que me porto”, afirmou o deputado.

A deputada estadual Gleice Jane afirma que ser mulher negra na Assembleia é um sentimento duplo, que mistura a alegria e a possibilidade de ocupar os espaços e servir de representação. Ela vê a posição como grande responsabilidade, somada à cobrança que já existe sobre as mulheres na política de provar constantemente sua competência. Isso se vincula diretamente à luta antirracista e feminista.

Para a parlamentar, seu trabalho visa garantir que mais pessoas negras e mais mulheres cheguem à Casa, transformando a Assembleia em um espaço de diversidade.

Em sua avaliação, a "Casa do Povo" não representa, de fato, a população de Mato Grosso do Sul, pois tem uma grande maioria de homens brancos ocupando o espaço. Gleice Jane destaca que o número de negros eleitos tem caído a cada eleição (de seis pardos e dois pretos em 2014 para apenas dois pardos e um preto em 2022), mostrando que o Estado está indo na contramão da representatividade.

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