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Política

Fator Eduardo Bolsonaro pressiona direita de MS a definir estratégia para 2026

Movimento bolsonarista no Estado enfrenta desafios internos e risco de desconexão com o eleitor

Por Vasconcelo Quadros, de Brasília | 03/10/2025 17:34
Fator Eduardo Bolsonaro pressiona direita de MS a definir estratégia para 2026
Governador Eduardo Riedel (PP); vice-governador Barbosinha (PSD); Valdemar da Costa Neto, presidente do PL e o ex-governador Reinaldo Azambuja, além de outras figuras políticas de MS durante evento de filiação na Capital (Foto: Divulgação)

O movimento acelerado das principais lideranças políticas de Mato Grosso do Sul rumo ao bolsonarismo num momento em que há um turbilhão pressionando o cenário nacional pode esconder um risco político considerável. Especialistas ouvidos pelo Campo Grande News alertam que a equação formulada pelo líder do grupo dominante, o ex-governador Reinaldo Azambuja, que comandou a migração em bloco do PSDB para o PL, pode não se confirmar, e a base social sul-mato-grossense, conservadora, mas pragmática, pode não acompanhar de forma automática a guinada partidária de seus líderes.

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O movimento político em Mato Grosso do Sul enfrenta desafios com a migração em massa de lideranças do PSDB para o PL, liderada pelo ex-governador Reinaldo Azambuja. Especialistas alertam que a base social conservadora do estado pode não acompanhar automaticamente essa mudança partidária. A atuação controversa de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos tem gerado preocupações na direita brasileira. Analistas políticos apontam que o foco excessivo em pautas ideológicas, em detrimento de questões práticas como saúde e emprego, pode resultar em desconexão com o eleitorado, especialmente em um estado tradicionalmente conservador como Mato Grosso do Sul.

Mesmo tendo avaliado a vantagem de ter um cabo eleitoral como o ex-presidente Jair Bolsonaro ou que seria pífio o efeito do tarifaço e as sanções dos Estados Unidos, Azambuja não contava com o fator Eduardo Bolsonaro: na posição de franco atirador posicionado em território estrangeiro, o filho Zero 3 do ex-presidente, com seu fogo amigo, já feriu gravemente a candidatura presidencial do governador paulista Tarcísio de Freitas, ameaça implodir o PL e virou um grande problema para a frente nacional de direita que até há poucos dias se imaginava em vantagem para competir com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no ano que vem.

Ricos para a direita - O cientista político Leonardo Barreto, da consultoria Think Policey, de Brasília, avalia que o resultado do movimento de Eduardo nos Estados Unidos deu a Lula a possibilidade de requentar a bandeira da democracia de 2022, adotando agora o lema da soberania, e voltou-se de forma perigosa para a própria direita. “Existe uma disposição de Eduardo criar uma rachadura institucional. Para ele, as eleições já não são mais críveis. Se ele apertar o botão do apocalipse, como fez o ex-presidente da Bolívia, Evo Morales, 20% do eleitorado se perderiam. Na cabeça do Eduardo, ele é o candidato.”

Fator Eduardo Bolsonaro pressiona direita de MS a definir estratégia para 2026
Cientista político Leonardo Barreto, da consultoria Think Policey de Brasília (Foto: Divulgação)

Barreto acrescenta que a atuação internacional do deputado acelerou um processo silencioso de ruptura. “No momento em que Eduardo foi para fora do país, criando boicote ao Brasil, o rompimento da direita com o bolsonarismo se tornou inevitável. Ele só não é declarado, mas está aí — e já custou, por exemplo, a candidatura do Tarcísio.” Na sua visão, Eduardo é o filho mais radical da família Bolsonaro. “A direita morre de medo do Bolsonaro apertar o botão do apocalipse, dizer que eleição sem ele não é eleição. Isso poderia gerar um colapso na direita. Se Flávio Bolsonaro entrar na disputa, ainda vai; mas o Eduardo só volta preso.”

Esses movimentos, afirma, expuseram fissuras internas no PL. “Pode acontecer da família Bolsonaro querer implodir o partido. O Eduardo fala: ‘eu vou sair do PL e vou levar todo mundo comigo’. Mas vai levar pra onde?” Para Barreto, a decisão do grupo de Reinaldo e Riedel de migrar em bloco teve racionalidade, mas também riscos. “A ida em bloco do grupo do Reinaldo para o PL tem duas variáveis: grana, porque o PL é quem mais acessa fundo eleitoral; e política, porque a relação do Valdemar da Costa Neto (presidente do partido) com Bolsonaro é boa, mas com a família Bolsonaro é completamente tensa.”

Embora o Estado seja majoritariamente conservador, analistas políticos e até aliados admitem que há um risco de “bolha” sustentada mais por alianças de cúpula e pela reprodução de discursos ideológicos do que por uma escuta efetiva das demandas da população. Problemas reais como saúde precária, carências em infraestrutura, desemprego e violência acabam ofuscados por uma pauta cada vez mais marcada por disputas simbólicas. Na avaliação de analistas, o eleitor já deu sinais de cansaço com o radicalismo da polarização.

Reconexão com o eleitor - O dilema de Mato Grosso do Sul se conecta, assim, ao problema maior da direita brasileira. A oposição a Lula, que poderia explorar fragilidades do governo na economia e na gestão pública, preferiu concentrar energia em bandeiras como a anistia e a chamada PEC da blindagem, aprovada pela Câmara, mas rejeitada no Senado. Para Barreto, foi um erro fatal. “O grande erro foi a PEC da blindagem. O Congresso aprovou para se proteger do STF, mas o timing coincidiu com a operação contra o PCC. O eleitor leu como defesa do crime organizado. Ali foi o nocaute da direita e a esquerda voltou às ruas.”

Quem faz diagnóstico semelhante é Duda Lima, estrategista de Bolsonaro na campanha de 2022. Em entrevista ao jornal O Globo, que ele confirmou ao Campo Grande News, mas não quis dar mais detalhes por ter assumido compromissos de compliance, o marqueteiro reconhece que a direita “errou demais” ao se perder em pautas ideológicas e deixar de falar dos problemas concretos do país. “Não se fala mais dos problemas do governo. Quanto mais temas como julgamento do Bolsonaro ou anistia se estenderem, pior para a oposição. Há uma coluna do meio que deveria estar sendo impactada com os erros e acertos do governo. Se continuarmos nesses temas apenas, lá na frente não estaremos mais debatendo se o terceiro mandato do Lula foi bom ou ruim”, afirma.

Fator Eduardo Bolsonaro pressiona direita de MS a definir estratégia para 2026
Encontro do presidente Donald Trump com Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos (Foto: Reprodução)

Duda recorda que, em 2022, Bolsonaro só não venceu Lula porque episódios circunstanciais — como o ataque de granadas do ex-deputado Roberto Jefferson contra a Polícia Federal na véspera do segundo turno — afastaram eleitores indecisos. Para ele, a insistência em defender Donald Trump diante de medidas como tarifas e sanções, somada à atuação confusa de Eduardo Bolsonaro nos EUA, tem o efeito de “uma nova granada no pé” da oposição.

O estrategista defende que o PL retome uma agenda ligada ao dia a dia do eleitor, como inflação, fraudes no INSS e problemas que atingem aposentados. Esse raciocínio dialoga diretamente com o risco enfrentado pelas lideranças sul-mato-grossenses: ao ignorar a agenda cotidiana da população, podem descobrir que a adesão automática ao bolsonarismo não basta para manter o eleitor fiel.

A estratégia para enfrentar Lula - Nesse contexto, o Capitão Renan Contar, pré-candidato ao Senado, hoje no PRTB, mas preparando as malas para o PL, destaca que a direita precisa atuar de forma organizada e estratégica: “Qualquer movimentação política tem que ser feita com cautela para não fortalecer o Lula. A direita deve parar de se fragmentar e se unir em torno de um propósito para 2026”, afirma.

Contar reforça que ações no Congresso, como na CPI da INSS, são essenciais para descredibilizar o governo, e que o alinhamento em torno de bons nomes, como Tarcísio de Freitas, é fundamental. “A união entre Zema, Tarcísio e Ratinho Júnior dá esperança. Sem união, entregamos de graça a reeleição do Lula”, alerta.

Ele acrescenta que, mesmo com a complexidade nacional, Mato Grosso do Sul mantém uma direita forte e consolidada, em grande parte ligada ao agronegócio: “O Estado é conservador. O PL assumido pelo Reinaldo precisa manter as bandeiras e valores defendidos por Bolsonaro. O eleitor espera compromisso ideológico e pragmático de seus políticos”.

Nesse cenário, Mato Grosso do Sul se torna um laboratório da guinada à direita. De um lado, elites políticas tradicionais apostam no carisma residual de Bolsonaro para preservar o poder; de outro, uma população que, mesmo conservadora, pode cobrar resultados concretos em saúde, emprego e segurança. Se a guinada se mostrar desconectada da realidade social, abre-se espaço para novas lideranças moderadas ou até de fora do bloco bolsonarista.

As próximas eleições serão um teste decisivo. Se a aposta no PL for bem-sucedida, Azambuja e Riedel terão consolidado uma hegemonia duradoura. Se falhar, terão dado um passo maior que a perna — e provado que, no eleitorado, a onda bolsonarista já pode ter passado.