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1994-2011: inflexões de um Brasil em construção

Por Rodrigo Santos de Faria (*) | 06/03/2011 07:44

O ano de 2011 representa para o Brasil o início de uma terceira inflexão na história política e social desde a redemocratização pós-regime militar de 1964. As duas primeiras inflexões ocorreram justamente no arco temporal aqui proposto (1994-2010) para pensar um Brasil em construção: são os governos FHC e Lula. A terceira inflexão passa pela eleição da primeira mulher como Presidente do Brasil em 2010 e a expectativa do início da sua gestão em 2011, no que isso pode significar em relação às continuidades e às rupturas aos dois governos anteriores.

Nota-se que a inflexão que cada governo anterior representou e que interessa enunciar foi construída historicamente, são processos históricos particulares e com suas especificidades, fundamentalmente por passar pelo ser social que cada presidente (FHC e Lula) significa para a história política brasileira. Convém, todavia, uma explicação: não existe nenhuma pretensão em elaborar análise mais profunda sobre as conjunturas e estruturas do período enunciado. A única consideração de fundo, quiçá a hipótese ou proposta interpretativa, está orientada na seguinte idéia: não é possível pensar o Brasil em construção e desenvolvimento (unicamente) a partir dos referenciais partidários (PSDB e PT), pois são referenciais elaborados e enunciados pela contradição, pela negação, pela não aceitação do processo histórico em sua completude.

Os referenciais partidários são construções geralmente restritas aos seus tempos históricos como Governo, pouco afeito à aceitar continuidades (ainda que benéficas para o Estado Nacional) de outro Governo, que ao longo de sua existência, pauta ações e discursos pela negação (ou a tentativa de desvinculação de suas ações) do outro: “a política econômica do último governo (Governo Lula) é a mesma implementada desde o Plano Real”, isto pelo lado do tucanato café com leite; “nunca antes na historia desse país” contra a “herança maldita” pelo lado do lulismo-sindicalismo.

O pressuposto desta análise passa pelo entendimento do período como uma grande conjuntura, um processo não determinado nem determinista, que não é espelho ou reflexo do outro, mas em suas contradições e especificidades históricas representaram conjuntamente a construção e o desenvolvimento de um novo Brasil. Uma construção não terminada (deve permanecer em construção), que passa pela instauração da estabilidade monetária e política, e pela consolidação da economia nacional ao iniciar a redistribuição da renda (ainda que fortemente pautada em ações assistencialistas) e a reestruturação do mercado interno em todas as regiões do país. Nesta análise, o Brasil em desenvolvimento não é aquele restrito às ações de um ou outro partido político, mas fundamentalmente produto da sociedade brasileira em todas as suas aproximações e distanciamentos, sejam econômicos, políticos, culturais, entre outras categorias.

Obviamente que excluir integralmente a categoria político-partidária da análise é algo sabidamente restritivo. Todavia, romper com as análises deterministas que partem justamente das premissas partidárias e sua ações como Governo para pensar o Brasil, implica não aceitar visões polarizadas sobre (e para) o desenvolvimento nacional desde o início da década de 1990.

É nesse sentido que as trajetórias pessoais e profissionais dos dois últimos presidentes e da primeira mulher presidente do Brasil a partir de 2011, oferecem matéria prima para análise do Brasil como espelho e reflexo de si mesmo, do seu povo. Suas escolhas, democraticamente implementadas pelo resultado das urnas, explicitam os movimentos da sociedade brasileira, de como, a cada processo histórico, os desejos da população (ainda que contraditórios) enunciam o amadurecimento político para aceitar os encaminhamentos deliberados pela maioria, sem que isso represente o silêncio daquelas que, também democraticamente, devem manter suas posições e reivindicações, como uma cidadania participativa.

De FHC, passando por Lula, e agora Dilma, não existe um processo aleatório, do desejo dos deuses ou algo equivalente a uma “evolução natural”. Existem processos sociais, processos políticos, processos culturais, processos educacionais em contínua construção, com seus conflitos e pelo que a democracia apresenta de mais rico, que é o direito à expressão, o direito à oposição - ainda que nas permanentes injustiças nacionais, parte importante da população não tenha direito à existência mínima digna de moradia, trabalho, saúde e educação. O que não deve significar descrença com o Brasil, pois em nossa história desde os anos de 1500, certamente as duas últimas décadas são fundamentais para acreditar que a construção e o desenvolvimento em vigência ampliará os direitos constitucionais a toda população. Construção que passa pelos dois últimos presidentes e passará pela presidente eleita em 2010.

O primeiro, intelectual e acadêmico, foi agente central na consolidação da democracia pós-transição difusa e contraditória da década de 1980, assim como, e na solidez das instituições no Brasil. Indevido desconsiderar sua relevante atuação na estabilização monetária e na contenção da histórica e degradante inflação da economia nacional, ainda que ao custo social da recessão e inibição da economia interna, do mercado interno, pois fundamentalmente pautado pela articulação internacionalista e exportadora da produção e do mercado nacional.

O segundo, nordestino e retirante, seguiu em seu retiro o caminho da concentração espacial do capital produtivo na região sudeste do Brasil, particularmente a Região Metropolitana de São Paulo, base locacional central da industrialização da economia pós-1930, desde o Plano Nacional de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional de 1939, ou mais especificamente, o Programa de Metas no âmbito do Plano de Desenvolvimento Econômico de 1956. Sua inserção profissional, igual a muitos milhares de brasileiros que enfrentaram a migração para as áreas urbanas em industrialização, foi justamente na atividade produtiva secundária, como operário, construindo aí sua trajetória política inicialmente sindical, até ocupar a cadeira da Presidência da República, naquela que foi a segunda inflexão da histórica política nacional, ao receber o cargo num processo de transição que explicitou o claro amadurecimento da democracia brasileira.

Por fim, uma mulher, cuja vida pessoal esteve atrelada aos movimentos sociais e políticos contrários ao regime militar, representa importante indicativo de que aos processos políticos e de governança não cabem mais à unicidade masculina dos coronéis, que fortemente caracterizou a vida pública e política brasileira. Seu governo está aberto, estamos em março de 2011, e o que até o momento é possível visualizar desta gestora na presidência, são, a descrição, um importante corte orçamentário e a aprovação de um valor do salário mínimo que, no fundo, poderá contribuir (apenas) para a desigualdade entre a renda do capital e a renda do trabalho.

Destituído de qualquer interesse em futurologia (a história não produz o futuro, ela interpreta e escreve o passado), não existe motivo para outras considerações em relação à inflexão que o ano de 2011 pode representar na história do desenvolvimento nacional. Certo é que esse caminho deve permanecer em continua construção, ampliando direitos e deveres dos cidadãos, sobretudo direitos dos que estão na precária base social da renda, pois destituídos de direitos civilizados à moradia, à saúde, ao lazer, educação, infraestrutura urbana, entre tantos outros direitos ainda negligenciados pelo Estado.

(*) Rodrigo Santos de Faria é arquiteto e urbanista, Mestre e Doutor em História pelo IFCH-UNICAMP, Pós-Doutor pela Fundação Carolina/Universidad Politécnica de Madrid, Professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU-UnB). Vice–Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAU-UnB. Pesquisador do Centro Interdisciplinar de Estudos da Cidade o IFCH-UNICAMP e do Laboratório de Estudos da Urbe do Programa de Pós-Graduação da FAU-UnB.

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