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Aos 25 anos, a Constituição Cidadã ainda é descumprida

Por Cláudio dell´Orto (*) | 05/10/2013 09:10

A Constituição brasileira, que completa seu jubileu de prata, é marco da redemocratização brasileira. Contudo, não vigora em sua plenitude, pois há equívocos na execução de suas normas e princípios, tanto nos serviços do Estado, como saúde, educação, segurança e outras prioridades, quanto na gestão dos recursos públicos, contaminado pelo clientelismo, corrupção e ineficiência.

A precariedade no atendimento a essas condições essenciais de cidadania deflagrou manifestações populares em todo o País. Porém, a Carta Magna apresenta conteúdo normativo e principiológico que obriga condutas dos operadores do Estado em prol da sociedade. O fortalecimento do Ministério Público, atribuindo-lhe funções relevantes no controle da probidade administrativa, além da tradicional persecução criminal e de defesa de interesses difusos e/ou coletivos, constitui exemplo que não admite retrocesso.

Também é positiva a definição de vários direitos subjetivos que autorizam o Judiciário a decidir sobre políticas públicas, elevando-o efetivamente ao patamar de Poder de Estado, autêntica instituição do povo. O texto constitucional outorgou direitos que podem ser diretamente cobrados mediante ações judiciais em que figuram no polo passivo os órgãos ou agentes públicos deles encarregados. O cidadão pode pleitear a imediata satisfação daquilo que se extrai do texto constitucional. Incumbe aos governantes aparelhar as estruturas públicas para cumprir os comandos constitucionais.

Não se trata de judicialização da política, politização do Judiciário ou ativismo judiciário como se costuma dizer. Os juízes podem e devem cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis, como reiteradamente prometem. Em caso de conflito entre a lei e a Constituição, incumbirá ao magistrado decidir pelo cumprimento da Carta Magna, observando sempre os objetivos fundamentais da República, elencados no seu artigo terceiro.

Uma das questões cruciais é de natureza orçamentária. Os recursos públicos devem ser investidos de acordo com as leis orçamentárias. Incumbe ao Poder Legislativo, ao votar a lei orçamentária anual, respeitar as prioridades definidas pela Assembleia Nacional Constituinte. O orçamento que não fizer a destinação orçamentária de acordo com as determinações constitucionais pode e deve ser reordenado pelo Poder Judiciário. Objeta-se que não existe na Constituição definição exaustiva de prioridades ou que ela seria genérica ou meramente indicativa, sem qualquer valor cogente.

Entretanto, logo no seu artigo 3º, a Constituição determina que a República pugnará pela garantia do desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza e da marginalidade e redução das desigualdades sociais e regionais. No artigo 5º, XXIII, define-se a função social da propriedade e, no inciso XXVI, a necessidade de financiamento para o desenvolvimento da pequena propriedade rural. O capítulo dos direitos sociais (arts. 6º a 11) estrutura comandos normativos inquestionáveis e que integram o arcabouço de conquistas trabalhistas do povo brasileiro. O art. 170 elenca objetivos sociais da atividade econômica, deixando evidente a preocupação da república brasileira com a dignidade humana. A mesma preocupação está explícita no texto do artigo 193: “A ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.

Também é evidente que no artigo 196, ao definir a saúde como direito de todos e garantir o acesso universal e igualitário ao atendimento médico-hospitalar, o constituinte não condicionou tais garantias a qualquer outra norma. Incumbe aos governos incluir nos seus orçamentos as verbas para que esse mandamento constitucional seja cumprido. Se não for feito, o cidadão não atendido poderá propor ações para garantia do seu direito subjetivo. A mesma interpretação deve alcançar, dentre outros, direitos como assistência social, educação pública, desportos, ciência e tecnologia e meio ambiente ecologicamente equilibrado, previstos, respectivamente, nos artigos 203, 205, 213, 217, 218 e 225 da Constituição.

Não se pode esquecer que a conjugação dos artigos 6º e 7º, IV garante a todos os brasileiros o atendimento das principais reivindicações ouvidas no brado do “Gigante Despertado”, no recente levante popular . O que se aguarda é que a representação popular, através dos seus Três Poderes, encontre caminhos para atender às prioridades definidas há um quarto de século, em 5 de outubro de 1988, quando Dr. Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara dos Deputados e da Assembleia Constituinte, promulgou a Constituição Cidadã.

(*) Cláudio dell´Orto, desembargador Cláudio dell´Orto é o presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (AMAERJ).

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