ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, QUARTA  24    CAMPO GRANDE 23º

Artigos

Argonautas

Por Fábio Coutinho de Andrade (*) | 19/08/2012 07:27

É-me clara na memória quando, ainda infante, encantei-me por um livro que mostrava as constelações e suas respectivas formas. Por algumas noites fitava o céu noturno na esperança de identificar algumas delas: sagittarius, pegasus, serpens e tantas outras. Poucas vezes obtinha êxito, pois a miríade de estrelas confundia-me. Contudo sempre foi-me tarefa fácil identificar o "Cruzeiro do Sul". Não sei, talvez um instinto qualquer, arraigado, de um dia perder-me pelos caminhos.

Por extensas horas ficava pensando nos antigos navegadores, bravos desbravadores, que viajavam por meses a fio, enfrentando a escassez de alimentos e, em decorrência disso, doenças várias. E quando se perdiam tinham somente as estrelas para se guiarem. Bela metáfora, erigida sobre tragédias vastas.

Imagino essa mesma tarefa realizada pelos argonautas, pelos astrônomos, pelas civilizações antigas, que detinham enorme conhecimento nesse âmbito. Olhavam para o mesmo céu coroado de pontos luminosos, também em busca de algo mais, em busca de uma resposta, em busca de uma lógica dentro de toda essa confusão cósmica, tal-qualmente o fazemos hodiernamente. Modificaram-se somente a paisagem e os recursos.

Quantos reclusos, condenados à morte, ou à prisão perpétua, não acalentavam, como único entretenimento, o contemplar longínquo do horizonte em plenilúnio? É mesmo dito que as antigas prisões tinham suas janelas voltadas para o céu ou para o mar, para conferir certo alento, certa esperança. Quantos amantes não combinaram fazer juras, em dupla fantasia, contemplando o astro argênteo, em simultânea hora? Quantos escravos não fitavam as constelações, sabendo que em tal ou qual direção estavam os seus entes mais queridos, dos quais sabiam não mais rever?

Toda essa viagem mental eu fazia em alguns minutos apenas, mas que eram capazes de me transportar para momentos únicos. Pensava então: fitaram os filósofos o céu? A lua? Alguma vez algum poeta inspirou-se olhando para essa enorme aquarela? Alguma grande ideia foi concebida após uma reflexão à luz do luar?

Mais belo ainda tornara-se o panorama, para mim, quando descobri que o brilho de determinada estrela pode demorar milhares de anos para chegar até nós e a estrela, no momento em que fitamos seu brilho, pode já não existir mais. Contemplamos, nesse quadro, uma ilusória imagem, mas que irradia sua força, seu brilho, sua potentade.

Que bela charada... como somos ínfimos, como nos debatemos à procura do que nunca iremos, talvez, encontrar. De alguma forma somos, ainda, todos infantes nesse jogo universal, brincando um belíssimo, intrincado jogo, do qual não conhecemos o final, nem se há vencedor.

Como os que nos precederam, ainda percorremos os mesmos caminhos, buscando as mesmas respostas, acalentando as mesmas dúvidas. E embora o caminho não seja novo, ele se renova a cada dia. Sigamos o mesmo fluxo, percorramos a senda que nos cabe, colhamos os frutos que nos vierem às mãos, pois, como disse Einstein, não posso crer que por trás de toda essa maquinaria não haja um perito relojoeiro. E, com o perdão da prosaica comparação, só Ele sabe nossa hora.

(*)Fábio Coutinho de Andrade é advogado

Nos siga no Google Notícias