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Carne bovina, um rio de água?

Por Julio Cesar P. Palhares (*) | 08/06/2018 08:46

Nestes tempos em que as informações circulam de forma rápida; que as últimas notícias aparecem na tela do celular em maior quantidade do que o tempo que você tem para ler; que se a notícia tiver mais de três linhas, muitos acharão que é um texto, e deixarão de ler; e que apesar de dizerem que estamos na “era do conhecimento”, o conhecimento é imediato, e o que você leu ontem dizem que é passado. Nestes tempos, conceitos são construídos sem se saber as bases que o sustentam.

Nos últimos tempos, um desses conceitos é o grande volume de água consumido para se produzir um quilograma de carne bovina. Essa informação é divulgada sempre atrelada a outro conceito, o de pegada hídrica. O número que causa frisson para o bem e para o mal é o de 15.415 litros de água por quilograma de carne.

A partir da divulgação do número, surgiram conflitos entre a sociedade e o setor de bovinos de corte, campanhas incentivando a redução do consumo e muitas discussões sem lógica alguma, devido a todas as partes envolvidas terem um nulo ou incipiente conhecimento do conceito de pegada hídrica.

Primeira pergunta: o que é pegada hídrica? A abordagem da pegada hídrica surgiu no início deste século. Sua essência é a mesma das pegadas ecológica e de carbono, entender o sistema de produção como elo de uma cadeia produtiva, que se inicia na geração de insumos e termina na oferta de produtos ao consumidor. Com isso, são mensurados os consumos de água ao longo da cadeia produtiva.

Por exemplo, pode-se considerar a água consumida pela indústria de fertilizante ou rações; a água que o animal bebe; e a água consumida na refrigeração do produto no mercado. O método calcula os consumos das águas verde (evapotranspiração das culturas vegetais que irão alimentar os animais), azul (captada de fontes superficiais e subterrâneas) e cinza (consumida pela natureza para assimilar os resíduos da produção).

Independente do produto animal, a água verde sempre terá a maior representatividade no valor total da pegada. Quanto maior essa representatividade, melhor será a condição hídrica do produto, pois ele é menos dependente de fontes de água que possam apresentam riscos de escassez.

No valor de 15.415 L/kg de carne, média global calculada considerando um sistema de produção que não reflete a realidade brasileira que é de bovinos a pasto, o consumo de água verde é o de maior representatividade. Então surge a segunda pergunta: qual o valor para carne bovina brasileira?

Nos últimos anos estudos estão sendo feitos para gerar o valor da pegada hídrica para carne brasileira. Como grande parte de nosso rebanho se alimenta de pasto, o volume de água verde tem grande representatividade no valor total da pegada.

Uma vantagem do Brasil frente a outros países que não possuem essa condição produtiva. Para que os avanços destes estudos sejam mais rápidos, é fundamental que todos os atores da cadeia de produção da carne bovina participem, fornecendo informações sobre consumo de água em sua área de atuação e contribuindo na comunicação com a sociedade.

Mais importante do que ter o valor da pegada hídrica, é utilizá-la como um indicador para promover a gestão hídrica de nossos sistemas de produção, sejam eles a pasto ou confinado. O valor da pegada não deve ser nosso objetivo maior, ela nada mais é do que um instrumento facilitador.

Hoje a sociedade fala sobre a pegada, amanhã o instrumento será outro. Mas a mensagem que não vai mudar na tela do celular, no twiter, no facebook, ou no que mais possam inventar é que temos que produzir alimentos com eficiência hídrica.

(*) Julio Cesar P. Palhares é pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste.

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